por T. Austin-Sparks
Capítulo 4 - O que é o Novo Caminho?
Chegamos agora à parte que sinto ser das mais importantes dentre aquilo que temos compartilhado. Todavia, meu temor é que ela seja a parte mais difícil de compreender. Confiaremos no auxílio do Senhor para conosco nesse sentido.
Temos visto que na epístola aos Gálatas está concentrada a grande mudança que ocorreu com a vinda do Senhor Jesus. A vinda de Cristo a este mundo mudou as dispensações e transformou completamente a natureza das coisas. Portanto, Cristo ocupa a posição de um divisor de dois sistemas. Todo o sistema do judaísmo, que existiu até o tempo da Sua vinda, foi posto de lado quando Ele veio ao mundo. Desde então, conforme o próprio Senhor disse, uma nova ordem foi estabelecida. Isso é expresso pelo uso frequente que Ele faz da expressão “a hora vem e já chegou”.
Iremos considerar agora a natureza essencial desta grande divisão, ou seja, como a nova dispensação e a nova ordem diferem da antiga. Este é um assunto de suma importância para nós e para todos os cristãos, se eles se dispuserem a aceitá-lo. Na verdade, o cristianismo tal como o conhecemos tem sido amplamente fundamentado sobre a velha dispensação. Desse modo, a grande diferença entre o velho e o novo não tem sido plenamente reconhecida. Vamos então dedicar-nos a tentar entender a diferença entre a velha e a nova dispensação.
A própria natureza da antiga dispensação judaica colocava tudo na esfera dos sentidos naturais. Primeiramente, ela estava situada no âmbito dos sentidos físicos. Tudo era relacionado com o ver com os olhos físicos, o ouvir com os ouvidos físicos e o sentir com a mão física. Tratava-se de coisas que podiam ser tocadas, coisas tangíveis, coisas sobre as quais podíamos colocar nossas mãos. A antiga dispensação era também relacionada com o olfato dos órgãos físicos. Você percebe que as ofertas e o incenso eram relacionados com o olfato, pois o aroma agradável podia ser sentido por eles. Por fim, havia a experiência do paladar, pois todas as festas dos judeus diziam respeito ao paladar. Não é preciso discutir isso, pois é algo perfeitamente claro e simples.
Toda a antiga dispensação judaica se baseava nos sentidos físicos. Entretanto, ela não ficava somente nisso, mas também adentrava na esfera da alma. Entendemos que a alma é composta de três partes: razão, emoção e vontade. Nesse sentido, a alma compreende aquilo que apela à nossa razão natural, aquilo que apela ao nosso sentimento natural e aquilo que apela à nossa vontade natural. Assim percebemos que o corpo e a alma constituíam o todo do homem na antiga dispensação. O corpo e a alma governavam tudo. Esta é a base de tudo no Antigo Testamento.
Deus adaptou todas as coisas a esta base. Ele deu a Seu povo um tabernáculo que podia ser visto e tocado por eles. Ele deu-lhes o incenso que podia ser cheirado e os alimentos que eles podiam provar. Deus constituiu todas as coisas nesta base durante a antiga dispensação. Contudo, isso era apenas uma fase correspondente ao jardim de infância.
Sabemos em que consiste o jardim de infância.
Você reúne as crianças pequenas e as ensina por meio de figuras e modelos, ou seja, usando coisas que eles podem ver com os olhos e tocar com as mãos. Essa é a natureza de uma escola no jardim de infância. O Antigo Testamento foi todo constituído na base do jardim de infância. Nele, Deus estava lidando com Seu povo como crianças pequenas. Este é um resumo da natureza de todas as coisas no antigo sistema judaico.
Vejamos agora a diferença entre este sistema e
Qual é a essência da natureza daquilo que veio a este mundo com Jesus Cristo? Trata-se de uma ordem espiritual. Nada mais pode começar pelos sentidos naturais. Toda esta nova ordem começa em outro ponto.
Nesta altura, estamos nos mantendo muito próximos da carta aos Gálatas. Talvez não seja elegante perguntar se você tem lido esta epístola enquanto tratamos de nosso tema. Contudo, uma das vantagens de conhecermos a Palavra de Deus é que nos tornamos capazes de discernir o que está certo. Você ouve alguma coisa e percebe que já leu aquilo na Palavra de Deus. Além disso, existem muitas outras vantagens. Nesta carta aos Gálatas, a palavra “Espírito” ocorre 12 vezes. Essa palavra é, no todo, a chave para a epístola. Agora, nada mais é segundo a carne, mas segundo o Espírito. Esse fato determina que uma dispensação essencialmente espiritual foi introduzida.
Você há de lembrar das palavras do Senhor Jesus à mulher samaritana. Ela havia dito: “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Jesus então respondeu: “Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. Essa é a natureza daquilo que veio ao mundo com Jesus Cristo.
Creio que sabemos, tanto pela Palavra de Deus como por nossa própria experiência, que na presente dispensação as pessoas não nascem segundo a carne em relação a Deus. Isso significa que elas não são como o povo de Deus que nasceu de Abraão, que foi o pai da nação de Israel. Hoje, estas pessoas nascem do Espírito. Elas não são geradas pelo homem, mas pelo Espírito. Jesus disse: “O que é nascido do Espírito é espírito”.
No capítulo 12 da epístola aos Hebreus, o autor fala sobre o “Pai de nossos espíritos” (Hb 12:9).[3] Ele não é pai de nossos corpos, nem é o pai de nossas almas naturais. Ele é o Pai de nossos espíritos. Mas o que acontece quando somos gerados do Espírito? Qual é a natureza real do novo nascimento? Aqui está o verdadeiro significado da ação do Espírito Santo.
O Espírito Santo veio especialmente para criar uma ordem espiritual que abrange todas as coisas. Ele começa a fazer isso com o indivíduo. A palavra dada a cada pessoa é: “Você deve nascer de novo”. Aquilo que é nascido do Espírito é espírito. Portanto, o que acontece quando nascemos do Espírito? Já vimos antes que aqueles que nasceram da carne na antiga dispensação eram inteiramente governados por um conjunto de sentidos físicos. Quando somos verdadeiramente gerados do Espírito, nós recebemos
Em seu propósito, eles correspondem aos antigos sentidos. Entretanto, eles são espirituais e não físicos.
Por meio do Espírito Santo nós recebemos uma nova capacidade de visão. Você sabe que o Novo Testamento fala muito sobre ter os nossos olhos abertos. Jesus referiu-se a este princípio quando abria os olhos dos cegos. Ele estava ilustrando a grande verdade espiritual de que na nova criação nós adquirimos uma nova capacidade de visão. Cada verdadeiro filho de Deus que nasceu de novo deve ser capaz de dizer: “Eu era cego, mas agora vejo”. A verdade sobre um filho de Deus é que suas primeiras palavras são: “Agora eu vejo”. Eles receberam uma nova faculdade de visão espiritual.
Diferentes nomes são dados a isso no Novo Testamento. Algumas vezes a expressão usada é “discernimento espiritual”, enquanto outras vezes é “entendimento espiritual” ou “percepção espiritual”. Seja qual for o nome, o significado é o mesmo, pois implica que agora eu posso ver algo que nunca pude ver antes. Eu tinha nascido cego quanto ao verdadeiro significado das coisas espirituais. Contudo, o Espírito Santo realizou o grande milagre de dar-me novos olhos.
Isso pode lhe parecer algo muito simples. Entretanto, não se trata de ter visão quando você nasce e logo depois ficar cego novamente. A expectativa é que você siga vendo cada vez mais e mais. No plano natural, cada um de nós é capaz de ver mais hoje do que quando nasceu. Podemos ver mais hoje do que víamos quando éramos bebês. Progressivamente vamos vendo mais e mais. Também deve ser assim espiritualmente.
A faculdade espiritual da visão nos colocou num mundo inteiramente novo, que não é material, mas espiritual. Veja o que o apóstolo diz a respeito disso: “Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano... Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito...” (ver 1 Co 2:9-10). A primeira faculdade do novo nascimento é a visão espiritual.
Você pode perceber a diferença entre a antiga e a nova dispensação? O povo de Israel tinha todas aquelas coisas que eles podiam contemplar com seus olhos naturais. Eles podiam ver o tabernáculo ou o templo. Eles também podiam ver os sacerdotes e os sacrifícios. Eles podiam ver as festas. Contudo, eles eram totalmente cegos para o significado destas coisas. Por causa de sua cegueira em relação a isso, eles crucificaram Aquele que dava cumprimento a tudo que eles viam com seus olhos naturais. Apesar de todo o alcance de sua visão natural, eles eram espiritualmente cegos.
Portanto, a obra inicial do Espírito Santo no novo nascimento é dar-nos novos olhos espirituais. Talvez eu o ofenda caso lhe pergunte se você recebeu novos olhos espirituais. Todavia, isso é verdade não apenas quanto à nossa capacidade de ver, mas também quanto à nossa capacidade de ouvir.
Na antiga dispensação, tudo o que era ouvido vinha por meio dos ouvidos naturais. Contudo, o povo de Israel era surdo para com a voz de Deus. O que Ele falava não ia além dos tímpanos de seus ouvidos. Na nova ordem do Espírito, uma nova faculdade de audição nos é concedida.
Nós, cristãos, temos o costume de usar uma expressão: “O Senhor falou comigo”. Ao dizermos isso não estamos afirmando que ouvimos algo com nossos ouvidos naturais. Quando falo assim, estou querendo dizer que ouvi o Senhor falar em meu coração. Isso significa que recebi uma nova capacidade. A nova dispensação é construída sobre este princípio.
Ao dizer uma parábola, Jesus concluía dizendo: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Você também sabe que Ele falou assim para as sete igrejas que estavam na Ásia. Após haver falado com cada uma daquelas igrejas, o Senhor repetiu sete vezes a frase: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz...”. Entretanto, precisamos lembrar que esse falar do Senhor com as sete igrejas não foi com voz audível. Aquelas igrejas não ouviram uma voz vinda do céu, por meio de ouvidos naturais. O que elas receberam foi o que o Espírito disse às igrejas, e esse falar não é físico, mas espiritual. Isso pode ser ilustrado de muitas formas.
Podemos mencionar o falar de espírito para espírito. Às vezes encontramos um outro filho de Deus e não temos muito a dizer com nossos lábios, mas sabemos que aquela pessoa é um filho de Deus. Seu espírito fala com nosso espírito. Temos uma linguagem espiritual entre nós. Sabemos que pertencemos à mesma família. Podemos discernir o Espírito um no outro, pois ambos recebemos essa nova faculdade de ouvir espiritualmente. Não se trata de ouvir externamente, pois é um ouvir interior. Logo, aquilo que é verdadeiro quanto ao ver e ao ouvir também se aplica a todos os outros sentidos.
O que podemos dizer sobre o olfato espiritual? Você sabe o que é isso? Às vezes basta você ir a algum lugar e perceber algo naquela atmosfera. Ninguém precisa dizer-lhe nada, mas você sente que há algo errado ali. Você sente que naquele ambiente existe morte e não vida. Não é o Senhor que está ali, mas o homem. Não é o Espírito que está presente, mas a carne. Você sente tudo isso com a sua faculdade de olfato espiritual.
Em outra ocasião, você encontra uma pessoa. Não é preciso que você fale, nem que a outra pessoa fale, mas você percebe que há alguma desconfiança naquela pessoa. Ela está guardando algum preconceito e seu coração está fechado. Encontramos pessoas que não se mostram abertas para conosco, que mostram estar tentando enganar-nos, que estão ocultando algo de nós. Como podemos perceber isso? Por meio do cheiro percebido pelo sentido espiritual do olfato. Esta é uma faculdade muito importante. Essa faculdade nos permite sentir o que é do Senhor e o que não é dEle.
O incenso da antiga dispensação era um aroma suave, ou seja, algo muito agradável. A isso corresponde a faculdade espiritual do olfato. Ela se expressa fazendo com que percebamos algo muito agradável, uma atmosfera de vida, algo que agrada sobremaneira ao Senhor. Portanto, essa faculdade é um princípio de direcionamento. No plano natural, quando vamos a um lugar em que há um mau cheiro, nós tapamos as narinas e deixamos aquele local, pois tal atmosfera nos faz mal. Numa ocasião desse tipo, seu nariz pode salvar sua vida de uma febre contagiosa ou de alguma outra doença grave. O mesmo se aplica de forma muito real na vida espiritual.
Se este sentido espiritual do olfato ou se esta faculdade de discernimento espiritual estiver realmente viva e afiada, saberemos o que é vida e o que é morte. Saberemos discernir o que é saudável espiritualmente e o que traz prejuízo espiritual.
Não quero seguir adiante nessa linha. Apenas estou dizendo que, ao nascermos de novo, recebemos um novo conjunto de sentidos espirituais. Assim como os sentidos físicos governavam na antiga dispensação, os sentidos espirituais devem governar na nova dispensação.
Ao lermos a primeira carta de Paulo aos Coríntios, notaremos que ela foi construída exatamente sobre essa diferença. Os cristãos de Corinto estavam vivendo com base nas coisas naturais. Portanto, eles não estavam vivendo segundo o discernimento espiritual. Paulo então teve que dizer-lhes: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. Então ele adiciona: “Mas o que é espiritual discerne bem tudo, enquanto ele por ninguém é discernido” (1 Co 2:14-15). [O homem espiritual é um mistério para o mundo]. Um homem ou uma mulher espiritual constituem-se num mistério para o mundo, pois as pessoas do mundo não podem entendê-los.
Paulo ilustra esse fato da seguinte maneira: “Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está?” Se você e eu queremos nos entender como seres humanos, então precisaremos ser seres humanos possuidores da natureza humana. Outros tipos de seres criados não são capazes de entender os seres humanos. Os homens entendem uns aos outros simplesmente porque são homens. Do mesmo modo Paulo afirma: “Nenhum homem entende as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus que nele está” (ver 1 Co 2:11).
Precisamos agora entrar naquilo que penso ser a parte mais difícil de tudo. Vamos ver o capítulo quatro da epístola aos Hebreus. O versículo 12 nos diz assim: “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4:12).
Nesta oportunidade, iremos nos concentrar apenas na primeira parte do versículo, enfatizando o seguinte aspecto: a Palavra de Deus é viva e eficaz, penetrando até efetuar a separação entre alma e espírito. Percebemos que a afirmação começa com a conjunção “porque”. Isso mostra que o versículo está relacionado com algo que o autor estava dizendo logo antes. Qual era seu assunto? Ele falava sobre a jornada de Israel no deserto e seu fracasso quanto a entrar na terra prometida. Hebreus nos diz que, se Josué lhes houvesse dado descanso, não lhes teria falado mais tarde de outro descanso. Ele está nos dizendo que Israel segundo a carne não conseguiu entrar no descanso de Deus. Eles falharam em entrar no propósito para o qual Deus os havia tirado do Egito.
Com exceção de dois homens, toda aquela geração morreu no deserto. Eles não puderam entrar no propósito que Deus estabelecera ao redimi-los. Portanto, temos o versículo (Hb 4:12), temos seu contexto e também temos a conjunção inicial. “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito.” O que isso significa? O velho Israel vivia inteiramente na base da vida natural e dos sentidos naturais. Tudo para eles se relacionava ao que podiam ver e tocar aqui nesta terra. Sua vida era inteiramente no plano da alma. Segundo o autor de Hebreus, foi por causa disso que eles não puderam entrar no descanso.
Na nova dispensação, o novo povo que vai entrar em todo o propósito de Deus deve ser um povo espiritual e não um povo que anda segundo a alma. Eles precisam ser constituídos com base no que é espiritual e não com base nas coisas naturais. Toda a carta aos Hebreus é construída sobre uma diferença que há entre o velho e o novo. É preciso bastante espaço para mostrar onde a antiga aliança falha. A antiga lei falha, o antigo sacerdócio falha, os antigos sacrifícios falham, o antigo tabernáculo falha e o antigo templo falha. O fracasso foi completo, pois tudo foi construído numa base natural, a base da alma.
Contudo, o novo não irá falhar e a carta aos Hebreus introduz a nova ordem. O sumo-sacerdote está no céu, um único sacrifício foi oferecido para sempre e assim por diante. Há uma ordem espiritual em tudo, sendo que a Palavra de Deus opera a divisão entre as duas ordens.
Quando chegamos ao final da epístola aos Hebreus, vemos o autor fazer a seguinte afirmação: “Tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos disciplinavam segundo lhes parecia bem e nós os reverenciávamos” (Hb 12:9 - tradução ASV, 1902, versão usada pelo autor). Me pergunto se isso é verdadeiro com todos nós. Quando nossos pais segundo a carne nos davam uma boa surra, nós os reverenciávamos? Será que nós agradecíamos a eles? Pelo contrário, ficávamos muito chateados com nossos pais segundo a carne. Ao nos tornarmos adultos, passamos a reconhecer que nossos pais estavam certos, pois a disciplina foi a melhor coisa para nós. Todavia, o apóstolo diz: “Tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos disciplinavam segundo lhes parecia bem e nós os reverenciávamos. Não havemos de dar muito maior reverência e estar em muito maior submissão ao Pai dos espíritos e, então, viveremos?” Vemos como o princípio se aplica plano natural, inferior. O princípio espiritual é muito mais elevado: Deus é o Pai de nossos espíritos!
Isso é o que ocorre quando nascemos de novo. Não são nossas almas que nascem de novo, mas nossos espíritos. Aquela parte mais interior de nosso ser morreu com Adão, ou seja, foi separada de Deus quando Adão pecou. Por causa disso, todos os filhos de Adão são por natureza mortos no sentido espiritual. Nossos espíritos morreram com Adão, mas em Cristo eles são vivificados novamente.
O novo nascimento não é um renascer do corpo físico e também não é um novo nascimento da alma. Trata-se do novo nascimento de nosso espírito, sendo que Deus é o Pai de nossos espíritos. É por isso que, na carta aos Gálatas, que demarca a grande separação, procurei ressaltar o fato de que a palavra “espírito” ocorre 12 vezes. Deus é o Pai de nossos espíritos e, portanto, não somos filhos de Abraão, mas filhos de Deus e isso faz uma grande diferença.
Este é o tema da argumentação de Paulo na epístola aos Gálatas. Vejam o que ele diz: “Ó gálatas insensatos! Quão tolos vocês são! Vocês começaram no Espírito e agora estão voltando para a carne. Vocês saíram da antiga dispensação e da antiga ordem para entrar na nova vida do Espírito, mas agora estão retrocedendo e perdendo seu direito ao descanso, perdendo o propósito de sua redenção. Ó gálatas insensatos! Que coisa mais tola é viver na antiga dispensação!”
Nesse sentido, é preciso que notemos que o cristianismo com o qual estamos familiarizados é amplamente constituído com base na antiga dispensação. Seria necessário mais tempo para demonstrar isso de forma plena. Contudo, será que percebemos como o cristianismo opera em nossos dias? Ele começa erguendo edifícios religiosos que são chamados de “igrejas”. Trata-se de um nome absolutamente falso, pois a igreja não é um edifício feito por mãos humanas. Em seguida, um certo tipo de ordem é estabelecido. Logo depois, algumas pessoas são designados para cuidar da obra. Quando este grupo de pessoas termina seu edifício, escolhe seus diretores, o ministro e todos os outros cargos e define como as coisas serão feitas, então eles pedem ao Senhor que venha para estar presente ali com eles. A organização e as coisas externas vem antes de tudo. Tudo está construído sobre o princípio da alma. Tudo está relacionado à razão, à emoção e à vontade. Este é o cristianismo judaizante. O método de Deus é justamente o inverso disso.
Ele não começa com igrejas, mesmo que elas sejam grupos de pessoas. Obviamente, Deus não começa por edifícios, assim como não o faz por um ritual ou um sistema de fazer as coisas. Ele também não começa reunindo uma congregação. Deus começa gerando um, dois ou três por meio do novo nascimento. Deus começa por uma obra do Espírito Santo em vidas individuais. Pode ser que tudo comece com uma pessoa somente e depois outra e logo mais outra. Se estes três se encontram na mesma cidade, eles estão juntos, não por terem aceitado o cristianismo, mas por terem em si o mesmo Espírito. Assim começa a igreja naquele lugar e aquilo que foi verdade para o princípio tem que ser verdade para todo o resto que vem depois.
As mãos do homem devem ser mantidas fora das coisas do Espírito. O homem não deve tentar formar algo que é do Espírito. O próprio Espírito Santo que começou a obra é perfeitamente capaz de formar aquilo que Ele quer. Portanto, nossa responsabilidade é ser guiados pelo Espírito, buscar sempre a direção do Espírito e, até que tenhamos certeza de que o Espírito está realmente nos dirigindo, manter nossas mãos fora da obra de Deus. Não faremos nada sem essa certeza, pois aquilo que está sendo feito tem que ser do Espírito. Esta é a ordem da presente dispensação.
Será que percebemos a diferença entre o princípio de tudo e a situação hoje em dia? Nos primeiros 30 anos do cristianismo, o evangelho se espalhou por todo o mundo da época. Haviam igrejas em quase todos os países do mundo. Elas estavam por todo o império romano e em territórios sujeitos à autoridade romana. Milhares e milhares foram unidos ao Senhor. Isso foi algo maravilhoso que levou apenas 30 anos para ser realizado. Desde então, 2.000 anos se passaram. Enviamos multidões de missionários pelo mundo inteiro. Gastamos milhões em dinheiro com divulgação. Temos trabalhado intensamente. Contudo, nesses 2.000 anos, não há nada que se possa comparar com aqueles 30 anos. Se aquilo que ocorreu nos primeiros 30 anos tivesse continuado por 2.000 anos, o Senhor já teria retornado há muitos anos atrás.
Por que as coisas não continuaram daquele modo? Porque tudo foi trazido de volta à base da alma e não numa base espiritual. Quando as mãos dos homens estão fora e tudo está nas mãos do Espírito Santo, as coisas espirituais se realizam.
Meu encargo é que haja algo dessa natureza no lugar em que vivemos. Se aquilo em que estamos envolvidos é totalmente do Espírito, veremos que algo irá acontecer. Toda a cidade saberá e as pessoas irão comentar a respeito disso. O inimigo será incitado a levantar-se em oposição. É sempre um bom sinal quando o inimigo sente que há algo contra o qual ele tem que lutar. Ele sabe que aquilo contra o qual ele se levanta significa algo contra o seu reino.
Precisamos parar neste ponto, embora não tenhamos concluído esta parte do assunto. Apesar disso, não devemos somente ficar esperando pelo final. Esta é uma palavra para nós, hoje. Se tivéssemos que interromper tudo agora e não mais nos víssemos nesta terra, penso que já teria compartilhado com vocês a palavra mais vital que poderia ser dita. Tal palavra representa a completa mudança do antigo para o novo, do natural para o espiritual e das coisas que são dos homens para as coisas que são de Deus.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.