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Os Caminhos de Deus

por T. Austin-Sparks

Capítulo 3 - O Caminho da Força Espiritual

"E Davi se retirou dali e escapou para a caverna de Adulão, e, quando seus irmãos e toda a casa de seu pai souberam do ocorrido, desceram até lá para ter com ele. E todo aquele que estava em aperto, e endividado, e descontente, juntou-se a ele; e ele se tornou capitão sobre eles; eram cerca de quatrocentos homens "(1 Sam. 22:1-2)

"Estes, porém, são os que vieram a Davi, a Ziclague, estando ele ainda escondido, por causa de Saul, filho de Quis; e eram dos valentes que o ajudaram na guerra". 1 Crônicas 12:1

"Ora este é o número dos chefes armados para a peleja, que vieram a Davi em Hebrom, para transferir a ele o reino de Saul, conforme a palavra do Senhor". 1 Crônicas 12:23

Fraqueza espiritual manifestada por meio de Circunstâncias de Teste

Este é um período durante o qual Israel foi particularmente ameaçado pelos filisteus. Eles estão sempre como uma sombra na vida de Israel; a fraqueza e impotência de Israel estavam imediatamente relacionadas aos filisteus. Os filisteus trouxeram e tornaram manifesto a fraqueza e a impotência de Israel. O Senhor sempre usa alguma coisa em particular, a fim de que um estado, ou condição, seja revelada. Precisa haver algo que traga a coisa para fora. Por causa disso ou daquilo, a verdadeira condição das coisas acaba se manifestando, o que não seria possível não fosse esse instrumento que o Senhor utiliza para revelar exatamente qual é o real estado das coisas.

Isso se torna algo positivo, ao invés de abstrato. O Senhor, por exemplo, cria uma situação, uma experiência, uma dificuldade, um desafio concreto e, em então, surge a incapacidade de enfrentá-la, de lidar com ela. Isso mostra que tal instrumento particular, que em outras circunstâncias, se as coisas tivessem sido diferentes, não teria servido para nada, pois teria logo sido conquistado e subjugado, agora, contudo, torna-se um meio pelo qual o Senhor nos mostra o quão ruim é o estado espiritual. O Senhor sempre tem uma maneira de fazer a coisa. Quando Israel alcançou a posição e condição correta, sob a liderança de Davi, os Filisteus já não tinham mais serventia para Deus; perderam totalmente a sua importância. Mas aqui eles ainda continuam sendo muito importantes, ocupando um lugar dominante, e isso se deve apenas ao estado espiritual do povo do Senhor. Assim, a fraqueza espiritual do povo é aqui manifestada por meio dos filisteus.

Precisamos perguntar por que Israel estava tão indefeso perante os Filisteus? Por que a fraqueza e a condição deplorável de Israel foram expostas perante os filisteus, os quais, de outra forma, não teriam tido qualquer serventia? Quando você procura por respostas, descobre, então, que foi porque havia muito em comum entre Israel e os filisteus. No fundo esses dois povos tinham muita coisa em comum. Os filisteus são conhecidos por certo epíteto - "filisteus incircuncisos". Davi usou esta expressão em relação a Golias de Gate, "este filisteu incircunciso" (1 Sam. 17:36). Porém, quando você olha para Israel, descobre que este também era o seu estado espiritual. Israel também era incircunciso de coração. Eles eram chamados de povo de Deus, sim, e, em certo sentido, tradicionalmente eram. Tinham as ordenanças, a circuncisão, mas tudo era apenas algo exterior. E Paulo desenha bem essa linha que faz distinção entre a circuncisão externa, que ele chama de concisão, e a circuncisão interior do coração. Diz que é esta última que nos faz verdadeiramente israelitas, e não a primeira (Rom. 2:25-29). Aqui você encontra Israel exatamente na primeira posição - incircuncisos de coração. O fato de eles terem dito: "constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós ... como ocorre em todas as nações" (1 Sam. 8: 5), mostra que aquilo que era comum às nações havia penetrado no coração deles. Eles queriam ser como as demais nações; isto é, o espírito do mundo havia entrado neles. E assim, eles não conheciam nada daquilo que Paulo chamava de "circuncisão de Cristo", o qual não era "o afastamento da imundície da carne" (1 Pedro 3:21), mas sim a remoção total do velho homem. Lá no fundo havia algo em comum entre Israel e os filisteus, e assim sendo, isso tinha que ser exposto, e os Filisteus serviram exatamente para isso, para expor as fraquezas de Israel.

O mesmo também acontece com uma igreja ou comunidade que é mundana em espírito, em princípio ou em método. É o mundo que expõe as suas fraquezas e mostra quão indefesa ela é. O mundo, tal qual os filisteus, ri de tais cristãos e diz: "Vocês não servem para nada; vocês não devem ser levados a sério; não devemos coisa alguma a vocês. O mundo ri da igreja e dos cristãos que, em princípio, possuem a mesma coisa ele. O mundo diz: "Nós podemos fazer o seu trabalho melhor do que vocês". Então, descobrimos que o mundo é, em grande parte, um instrumento de exposição das fraquezas dos cristãos, simplesmente porque existe essa base em comum.

  • a) Uma vida de fé, de separação para Deus
  • Em determinado ponto de sua história, quando as coisas eram dessa maneira, Davi é, então, apresentado. Em oposição a Saul (que representa o princípio mundano na igreja), Davi é trazido à vista e temos três encontros para Davi. Eles são muito significativos em relação ao que acabamos de dizer. Davi representa uma vida de fé e de separação para Deus. Israel havia dito lá atrás, no tempo de Samuel: "Constitui-nos um rei ... como o fazem todas as nações; queremos algo visível para nos apoiar; algo que possamos perceber com os nossos sentidos, algo tangível ..." isto é, algo totalmente contrário à vida da fé. Ao que o Senhor disse: "Eles rejeitaram a mim, para que eu não reine sobre eles" (1 Sam. 8:7). Israel deu as costas para uma vida de fé. Davi, então, vem como um princípio de Deus, como um princípio de fé, que exige separação do princípio mundano, do espírito do mundo, da mentalidade do mundo. Ficou muito evidente que Davi era o homem com quem Deus estava, com quem Deus havia se comprometido. E não demou muito para que Davi, pela soberania de Deus, fosse colocado numa posição que serviria de prova para o povo de Deus, que serviria de teste supremo, a fim de revelar se o povo prosseguiria com Deus, ou se iria após Saul; se caminharia para o céu ou se seguiria após o mundo; se seguiria no Espírito, ou se continuaria na carne; Davi, então, torna-se um teste de espiritualidade real.

    Primeiramente nós o encontramos numa caverna no deserto. Um lugar que fica fora, espiritualmente falando, lugar de rejeição; um lugar separado desse sistema mundano que tem assediado a igreja com coisas do tipo meramente tradicionais; meramente exteriores com suas formas e ordenanças, coisas que não vêm do coração. Davi é arrancado de tudo isso lá no deserto, e, obviamente, é repudiado por todo esse sistema oficial. O sistema se coloca totalmente contra ele e procura destruí-lo.

    Sendo assim, a primeira coisa que surge para o povo de Deus é esta questão de discernimento quanto ao lugar onde Deus realmente está; discernimento se, afinal, o Senhor está com Saul ou com Davi; se tinham percepção espiritual para saber onde suas necessidades espirituais mais profundas poderiam ser supridas. É muito lamentável que a palavra hebraica tenha sido traduzida como "descontente" em I Sam. 22:1. Teria sido muito melhor se fosse mantida a tradução marginal "amargo de alma" no texto, por ser a mais correta. Infelizmente, muitos, quando falam de coisas como as cavernas de Adulão, preferem a expressão "pessoas descontentes"; pessoas que não podem seguir ninguém. Mas isso é apenas deixar de lado todo o significado espiritual do texto. Muitas vezes Deus teve que fazer esse tipo de coisa. Quando a igreja se afastou de sua posição celestial, de uma vida de verdadeira santificação a Deus, descobriu-se que a maioria não estava pronta para tal coisa. Apenas uma minoria está, e, então, as pessoas têm dito: "Oh, essa é uma caverna de Adulão, cheia de pessoas descontentes". Mas não se trata de pessoas descontentes, mas sim amarguradas de alma, e por isso são incapazes de cumprir com as suas responsabilidades espirituais; estão endividadas porque a provisão que lhes dava competência espiritual foi perdida por causa de algo falso ter ganhado posição no meio delas.

    Mas aqui está Davi, totalmente fora desse sistema mundano que se estabeleceu no meio do povo do Senhor, e a coisa se tornou uma questão de se saber se o povo de Deus tinha discernimento; os que tinham se juntaram a Davi num lugar de fé.

    União com Cristo na Morte

    O que queremos dizer aqui, em primeiro lugar, é que essa posição no deserto e tudo o que está envolvido no caso de Davi e daqueles que se juntaram a ele, representa positivamente a união do crente a Cristo na morte. É o que Paulo quis dizer quando disse: "Longe de mim esteja gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo" (Gálatas 6: 14). As pessoas estavam se gloriando em Saul; gloriando-se em sua ideia de um grande reino. Era algo mundano, que seguia os padrões das nações. Mas Paulo diz: "Longe de mim esteja gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, através da qual o mundo foi crucificado para mim e eu para o mundo". É essa união com Cristo em Sua morte para o espírito deste mundo, para o sistema deste mundo, para a tendência do mundo que está constantemente invadindo a igreja, como os filisteus, que vinham repetidas vezes com seus princípios mundanos, causando problemas e trazendo o povo de Deus para um lugar onde o Senhor não podia mais continuar com eles, ou se comprometer com eles. Este aspecto da Cruz, que significa morte para todo esse sistema, era a posição daqueles que se juntaram a Davi. Ele estava sendo perseguido por causa da sua vida, e aqueles que se juntaram a ele, também participaram disso. Por um lado, a atitude desses seguidores de Davi serviu de exemplo para o mundo inteiro. Eles perderam toda a sua posição e todas as suas esperanças neste mundo. Rejeitaram as suas próprias vidas e assumiram todos os riscos ligados à associação deles com Davi.

    União com Cristo na Ressurreição

    A segunda passagem no início de 1 Crônicas 12 nos leva a Ziclague. Aqui descobrimos que em Ziclague houve outra secessão para Davi.

    Enquanto Davi e seus homens estavam à distância de um dia, os amalequitas fizeram uma incursão em Ziclague e se apossaram de tudo, esposas, filhos e todos os bens. A última coisa que os seguidores de Davi ainda tinham foi tomada deles pelos amalequitas, e, depois, queimaram a cidade e saíram. Quando Davi e seus homens voltaram, viram que tudo estava destruído. Está escrito que eles choraram "até perderem totalmente as suas forças" (1 Sam 30:4). Foi uma situação realmente muito grave e crítica. Era o lado da morte nua e crua. Mas, então, está dito: "Davi se fortaleceu no Senhor seu Deus" (v.6) e perguntou ao Senhor se deveria perseguir os amalequitas. Ao que o Senhor respondeu: "Sim, persegui-os", e o Senhor favoreceu soberanamente a Davi, de modo que conseguiu recuperar tudo o que os Amalequitas haviam levado (1 Sam. 30:1-31)

    Este é outro estágio da verdadeira vida e plenitude espiritual. Para mim, isso tem relação com a carta aos romanos. Nos primeiros capítulos de romanos, vemos tudo se perdendo. Já desde os primeiros versículos, você encontra esse movimento de descobrir que algo havia se perdido em Adão, e, quando você chega ao final de Romanos 5, descobre que realmente tudo foi perdido. Em Romanos vemos a Cruz, e, daí em diante, você descobre que tudo está sendo recuperado; que tudo o que foi perdido está sendo recuperado por meio da cruz. E, em Romanos 8, você já tem uma recuperação completa, e assim é até ao final do capítulo, onde toda a criação, que havia sido submetida à vaidade, é, então, restaurada. Tudo aquilo que havia se perdido por causa do pecado de Adão é agora recuperado; e este é o lado da ressurreição que a cruz nos apresenta. Porém, primeiro vem a morte. Somos levados do deserto até Ziclague nesse lado da morte. O Senhor não nos permite sair deste lado da morte, onde, em Adão, num mundo em julgamento, tudo é perdido, mas, então, Ele nos faz dar um passo adiante, a fim de recuperarmos tudo na ressurreição. Davi fortaleceu-se no seu Deus. O Senhor disse a ele: "Persegue os inimigos ... alcance-os, e, sem vacilar, recupere tudo" (v.8b). Sim, existe o outro lado. Existe o lado da nossa união com Cristo em Sua ressurreição, tanto quanto houve o lado da nossa união em Sua morte. Não faria o menor sentido se apenas participássemos da morte com Cristo e parássemos aí. Devemos ir para o outro lado. Progresso espiritual significa justamente essa apreensão do Cristo ressuscitado, a fim de que tudo o que foi perdido seja recuperado - e de fato é. É uma recuperação completa.

  • d) A Nossa União com Cristo nos Lugares Celestiais
  • Passemos agora para a nossa terceira passagem que está na segunda parte de 1 Crônicas 12. "Ora este é o número dos chefes armados para a peleja, que vieram a Davi em Hebrom". 1 Crônicas 12:23 (v. 23). O terceiro estágio é Hebrom. O nome significa liga ou companheirismo. Diz-se que Hebron era uma cidade muito antiga. Sua história remonta à antiguidade, em algum lugar fora deste mundo. Refere-se a uma posição muito avançada, espiritualmente falando. Aonde chegamos após passarmos pela morte e pela ressurreição? Qual é a próxima posição? Certamente é nos lugares celestiais. A soberania do Senhor Jesus agora vem à vista. É aqui que eles fazem de Davi o rei. Toda essa questão da exaltação de Cristo nos lugares celestiais, e de Seu reino como não pertencendo a este mundo, tudo isso vem a nós quando chegamos a Hebrom. Passamos de Romanos para Efésios. São os lugares celestiais em Cristo Jesus. Deus "o ressuscitou dentre os mortos e o fez assentar à Sua direita nos lugares celestiais, muito acima de todo principado, autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa nomear" (Ef. 1:20-21) Davi chega ao trono agora, e, em Hebrom, muitos se juntam a ele, a fim de devolver a ele o trono. É a igreja nos lugares celestiais que está sendo representada aqui, é uma comunhão que não é deste mundo, de natureza verdadeiramente espiritual; é a nossa união com Cristo em Sua morte, ressurreição, e ascensão aos lugares celestiais, onde Ele é absoluta e inquestionavelmente o Senhor. Onde Ele de fato é tornado rei. Ele é a "cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o Seu corpo, a plenitude daquele que é tudo em todos" (Ef. 1:22,23). Bem, isso é algo muito mais do que uma simples sociedade ou instituição terrena; é algo mais do que uma companhia ou congregação terrena. É isso que vem sendo trazido lá da antiguidade desde "antes da fundação do mundo". "Ele nos escolheu nele antes da fundação do mundo" (Ef. 1:4) Nós somos a igreja dos eternos conselhos de Deus. Esta é uma posição celestial, uma coisa celestial, uma comunhão celestial, que rompeu seu contato com todo esse sistema mundano.

    E lá em Hebrom descobrimos que eles tiveram um bom momento. Festejaram durante sete dias, comeram e beberam e desejaram ter mais sete dias. Para aqueles que estão experimentando esta verdadeira comunhão celestial, não há qualquer dúvida quanto a quem eles pertencem, e também em relação à denominação, seita ou associação que deixaram para trás. Eles entraram num reino onde Cristo é Senhor absoluto. Se você provar esse tipo de comunhão, você desejará que ele jamais acabe. Você estará pronto até para desculpar Pedro por ter ele desejado fazer aquelas três cabanas. 

    É isso que devemos sentir. Precisamos voltar aos nossos negócios, mas não deixaremos jamais a nossa posição celestial. Esta deve ser a constante consciência de vida do povo do Senhor. Devemos nos apropriar dessa comunhão espiritual como o povo do Senhor e devemos defendê-la.

    A próxima etapa será Jerusalém. Quando o Senhor tiver algo assim na Terra, então você pode esperar que Ele virá logo em seguida. 

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