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Os Caminhos de Deus

por T. Austin-Sparks

Capítulo 2 – O Caminho da Visão

Ler: Salmo 105:1-24.

Este salmo inteiro contém o registro da história de um vaso que foi criado para o propósito de Deus. Contudo, iremos desenhar um círculo ao redor da seção que se relaciona apenas a José, o qual serve de exemplo concentrado de tal história. Os caminhos de Deus serão sempre semelhantes aos encontrados aqui. Todos os caminhos do Senhor são como esses de José.

Podemos iniciar com a grande frase de Paulo: “conforme o seu propósito” (Romanos 8:28), pois, evidentemente, essa é a coisa que governa a vida de José, de Israel e a vida de todos, tanto no Velho como no Novo Testamento, os quais são trazidos para a comunhão com Deus.

Bem, vamos olhar para José sob o prisma desses ‘caminhos de Deus’ que estão em mais evidência. Por trás de José estava o propósito de Deus. Antes que José nascesse, o propósito já existia. José, inconscientemente no início, havia nascido dentro do propósito, e, sem dúvida, por algum tempo, não tinha a menor consciência dele. Então, chegou o dia em que ele percebeu que havia algo muito mais significativo do que simplesmente existir aqui neste mundo. Ele percebeu que Deus estava profundamente interessado nele. Mas não se tratava do propósito de José para Deus, mas sim do propósito de Deus em José. Há muita diferença entre essas duas coisas. Nós podemos ter os nossos propósitos para Deus; podemos arranjar coisas e lançar empreendimentos para Deus. Se forem agradáveis ao Senhor, Ele pode até abençoá-los. Contudo, há uma enorme diferença entre os nossos propósitos para Deus e o propósito dele. É muito importante lembrar-nos disso, pois é algo fundamental, que se aplica a tudo. Este propósito de Deus já existia muito antes de José ter vindo a este mundo. Ele foi revelado a Abraão naquele dia em que Deus o encontrou, estabelecendo a sua aliança com ele; houve o sacrifício de um animal que fora partido, e a tocha de fogo que passou entre as duas partes; houve grande pavor e densas trevas (sempre há conflito ligado ao propósito de Deus), e, então, a aliança e a revelação de um povo: "À tua descendência tenho dado esta terra” (Gen. 15:18). Foi dado até mesmo o tempo, e este tempo levou até este ponto crucial. Foi através de José que o povo entrou na terra do Egito, e isso foi o próximo grande estágio dentro do plano de Deus.

O propósito estava diante de José. Ele nasceu dentro do propósito. O Novo Testamento deixa muito claro que, através do nosso novo nascimento, somos introduzidos em algo que já há muito tempo estava no coração e intenção de Deus, e isso muito antes que viéssemos a existir. O propósito existe e nós somos trazidos a ele; não o nosso plano para Deus, mas o plano de Deus para o Seu Filho. Somos introduzidos nesse plano por meio do novo nascimento.

É uma escolha especial. José foi um vaso peculiar, mesmo dentre seus próprios irmãos. O que foi dito sobre ele não podia ser dito na mesma medida em relação aos seus irmãos. José estava marcado. Ele era o protagonista da história porque foi escolhido para trazer os seus irmãos para o propósito de Deus. Ele tinha uma vocação peculiar; fazia parte de um chamado e de uma vocação celestial. Dentro da circunferência do grande propósito, há este propósito instrumental, para que outros possam ser alcançados. José foi um vaso peculiar dentro do propósito de Deus, para que outros fossem alcançados. Chegou o dia em que ele se tornou consciente do chamado. Ele pode ter permanecido ignorante acerca do propósito de Deus por certo tempo, como veremos, porém, ocorreu a ele este senso de destino ao qual toda a sua vida estava ligada. O Senhor colocou a sua mão sobre ele, em relação a aliança, o grande propósito que havia sido revelado ao seu pai Abraão. Tal consciência cresceu em José, apoderando-se dele, e se tornando o horizonte de sua vida. Ele viveu para servir a Deus, não de uma maneira comum, mas sim particular, para a qual havia sido separado, a fim de que pudesse servir ao propósito. O chamado era um poder em sua vida. Ele não conseguia fugir do seu destino. Tudo o que falava parecia ser sem sentido, haja vista estar dominado por seu chamado. Não podia aceitar o comum, mas apenas aquilo que fosse distinto e definitivo. Ele jamais teria passado por tudo o que passou se o chamado não houvesse sido algo poderoso em sua vida. Se você tivesse perguntado a ele, nos dias de seu grande sofrimento e aflição, por que ele ainda se mantinha firme; por que insistia naquilo, certamente ele teria respondido: "Não é minha persistência, mas é Deus que se apoderou do meu coração. Tenho visto algo do propósito e intenção de Deus e sinto que Ele tem me chamado. Simplesmente não consigo aceitar qualquer outra coisa. É algo que me mantém preso a ele. Isto irá me levar até o objetivo final."

Sim, era um poder, porém, naturalmente, havia perigos, como sempre há, relacionados à visão. Ele passou por alguns deles. Quando falava aos seus irmãos de maneira aparentemente sem sabedoria, revelava a eles que havia nele algo que tinha a ver com tudo o que estava acontecendo, e que não era nada bom. Ele caiu em perigos, porém, tanto em seu testemunho, mais tarde para seus irmãos, como aqui, neste salmo, há esta declaração: "Deus enviou um homem adiante deles." A seus irmãos, José disse: “Deus me enviou adiante de vós para a preservação da vida" (Gen. 45:5). Aqui está o propósito pioneiro de Deus. É uma vocação especial de pioneirismo para o povo do Senhor, porém, há determinados perigos ligados a isso, e há sofrimentos peculiares.

Então, vamos ver este interlúdio de disciplina na vida de José. Foi um longo período, que datou desde o dia em que seus irmãos o jogaram dentro daquele poço, vendendo-o logo em seguida. Ele foi levado para o Egito e lá houve uma súbita reviravolta naquela situação aparentemente confortável, e, então, foi parar na prisão. Lá passou um longo período, e aquelas condições precárias fizeram o tempo parecer mais longo ainda. Foi um período de eclipse; eclipse total, provavelmente de visão, de esperança, e até de Deus. Uma prisão – na verdade um calabouço! Prolongado! Mas havia uma Divina necessidade para isso. Era algo que Deus viu ser necessário devido a elementos naturais terem, de alguma forma, invadido o propósito Divino. Pode ter sido orgulho, que o levou a falar de seus sonhos a seus irmãos daquela maneira que falou, e que eles, da maneira como interpretaram, deveriam se ajoelhar perante ele, reconhendo-o como estando em posição superior. Pode ter havido orgulho no coração de José; o Senhor pode ter visto certa presunção nele – “Eu sou o homem" - ou "Nós somos o povo. Sabemos disso. Nós conseguimos. O Senhor está particularmente conosco. Nós iremos realizar a coisa”. Provavelmente tudo isso estava no coração deste jovem, José. Ambição: embora secreta, mas estava lá. Zelo: sim, zelo por Deus, porém, sem entendimento, é algo muito perigoso. Inexperiência: o neófito. Impulso, auto-suficiência. Talvez algumas dessas coisas estivessem bem ali diante dos olhos do Senhor, e o moço se lançou a realizar a visão sem fé. Ele ainda não estava preparado para confiar inteiramente no Senhor.

Você pode ver isso em outras pessoas também. Abraão fracassou exatamente aí, no tocante a Ismael. O patriarca sabia tudo a respeito da visão e do propósito, porém, num lapso de falta de fé, tentou fazer a coisa ao seu modo.

Sem dúvida Moisés também teve a visão no Egito nos primeiros quarenta anos de sua vida. E foi a visão que o levou a se comportar da forma como se comportou. O escritor aos Hebreus diz que ele tinha por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito" (Heb. 11:26). Ele tinha a visão, porém, chegou o dia, aquele desastroso dia, quando ele tomou a visão das mãos do Senhor e tentou realizá-la ele mesmo. Matou o egípcio que maltratava um Hebreu e achou que ninguém havia visto. Ele tomou a visão nas suas mãos.

José era o favorito na casa de seu pai. Tinha muitos privilégios e, sem dúvida, soube tirar proveito deles.

Agora, Abraão certamente era um grande homem na Caldeia, e Moisés, no Egito, bem instruído em toda sabedoria egípcia, um príncipe e aristocrata. José, sem dúvida, era o favorito na casa de seu pai. Porém, nenhuma dessas coisas poderia ser, em si mesmo, o meio de realizar o propósito de Deus. Podemos ser pessoas inteligentes e bem-sucedidas neste mundo, dotados de perspicácia empresarial e habilidade real, porém, é inútil trazer tudo isso e tentar realizar o propósito de Deus. Podemos gozar de reputação entre os homens, e usá-la para o nosso benefício, porém, nada pertencente à esta vida natural, enquanto não estiver realmente sob a disciplina do Espírito de Deus, pode realizar o propósito Divino.

Essas são as lições que podemos aprender a partir da vida de José. Todas essas coisas simplesmente não contaram no tocante a Deus alcançar o seu propósito. Os valores espirituais são muito diferentes dos naturais. Então, Abraão apenas atrasou o relógio em alguns anos! Moisés atrasou o relógio em quarenta anos ao tentar fazer as coisas por ele mesmo. José também atrasou o relógio devido à sua falta de sabedoria, embora, talvez, estivesse muito preocupado com a visão! E ele teve que passar por essa longa e profunda disciplina, a fim de que pudesse chegar a um lugar específico.

Esta é a grande lição que você e eu temos que aprender se realmente estivermos no caminho do supremo propósito de Deus. Neste terreno, somente Deus pode fazê-lo. Abraão teve que aprender isso. Moisés, nos quarenta anos que esteve sozinho no deserto, também. José, na prisão, igualmente. Se algo precisa acontecer, somente o Senhor poderá fazê-lo.

Mas, como você vê, o Senhor estava trabalhando no assunto. Até que aprendamos a lição, tudo o que fazemos é apenas atrasar o relógio.

Na verdade, estamos apenas criando confusão. O propósito, a visão, podem estar certos, mas eles somente podem ser realizados pelo método do Senhor. Se tomarmos a visão em nossas mãos, traremos uma confusão indizível e apenas atrasaremos o relógio, talvez por anos.

Bem, Abraão teve que esperar por um longo período de tempo. Moisés teve que esperar seus quarenta anos. José também teve que esperar, e que tempo de disciplina foi aquele! Aparentemente esquecido por Deus! Foi uma terrível experiência quando parece haver evidências de que Deus se esqueceu de nós. Pense no que são quarenta anos no deserto cuidando de algumas ovelhas depois de ter tido certa posição neste mundo! Esquecido por Deus! Leia novamente os versículos do Salmo 105 sobre José. Ele poderia facilmente ter sentido que Deus o havia esquecido. Ele ficou sozinho, foi expulso, saiu do propósito. Sua vida inteira estava devastada e seu propósito na vida parecia ter desaparecido. Foi uma desintegração, uma desesperança, um estado de abandono.

Muitos dos servos do Senhor passaram por isso. Sabe, muitos séculos se passaram antes que o Senhor Jesus pudesse tomar em Seus lábios aquelas palavras ditas por Davi: "Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?" Salmo 22:1 Abandonado! Não era verdade, naturalmente, mas a profundidade do sofrimento é proporcional à altura do propósito. Lembre-se de que a profundidade e a altura são iguais.

Então, José passou por esse período de descascamento, esvaziamento e humilhação apenas para chegar ao ponto em que ficou totalmente dependente de Deus. Não importa o que ele tenha sentido e pensado, embora tivesse agido e traído a si mesmo, agora, porém, ele sabia que nada é possível sem o Senhor. O Senhor precisa ter o Seu lugar, não se engane quanto a isso! A qualquer custo, em todo tempo, a bem do Seu propósito, Ele precisa ter o Seu lugar. Quando Ele o tem, quando todas aquelas coisas que confundem e misturam a situação são tratadas, então chegamos ao tempo determinado pelo Senhor. Uma pausa ocorre no Salmo em um ponto: o trabalho está pronto. O tempo determinado pelo Senhor chegou. José foi libertado e trazido para fora, mas apenas no tempo determinado pelo Senhor.

Não é só que o Senhor possua um tempo determinado. O Senhor não planejou apenas coisas no que diz respeito à medida do tempo. O tempo determinado por Ele sempre corresponde à obra realizada dentro do Seu instrumento. Você não pode reconciliar essas coisas, mas elas estão lá. Até mesmo a vinda do Senhor Jesus pode estar determinada quanto ao tempo, se você quiser, mas ela não pode ocorrer até que algo esteja pronto, até que uma obra tenha sido realizada. Quando a obra foi realizada na vida de José, então chegou o tempo determinado.

A obra está realizada, e o Senhor sabe quando ela está realizada em nós, quando está finalizada. Nós não! Podemos achar que não há mais nada a ser realizado, ou que precise ser realizado. Mas o Senhor sabe quando a obra está realizada, quando o caminho está livre, para que Ele possa prosseguir com confiança e se comprometer. Ele sabe quando as coisas estão prontas. Este é o Seu tempo determinado. Quando chega a hora, a coisa simplesmente acontece, e não há poder no universo que possa impedir.

Você percebe em José que o tempo determinado correspondeu a uma hora de necessidade. Simplesmente um maravilhoso "cooperar com"! A preparação de um instrumento neste caminho profundo para um tempo determinado que o Senhor conhecia. "Ele cortou todo o suprimento de pão". Por quê? Porque estava preparando um instrumento que atendesse a uma necessidade que dizia respeito à próxima etapa em Seu programa, que era levar Israel para a terra do Egito.

Oh, o belo equilíbrio das coisas! Que simetria! Um instrumento tratado e preparado; uma necessidade manifestada e, então, ambos são trazidos lado a lado! Maravilhosa sabedoria e soberania de Deus! E tudo o que tem que ser dito é que o fim justifica tudo. A esfera ampliada é o propósito de Deus. Quão verdadeiras, não apenas de Israel, mas de outros, entre os Seus servos, são as palavras: "Tu nos colocaste na rede ... Fizeste com que os homens cavalgassem sobre nossas as cabeças; passamos pelo fogo e pela água" (Salmo 66: 11,12). Isso foi verdade para esses homens - porém, no final, "trouxeste-nos a um lugar espaçoso". Isso justificou tudo. O propósito do Senhor é o alargamento, o aumento e o enriquecimento. Se os Seus caminhos são dolorosos, como na verdade são, até ao ponto em que Ele parece ter nos deixado, porém, o Seu propósito nos garante uma maior plenitude no final.

Creiamos, então, que realmente somos "chamados de acordo com o Seu propósito". Será que isso significa que tudo deve dar certo e que a soberania de Deus deve se manifestar ao longo de todo o caminho, garantindo-nos uma vitória fácil? De modo nenhum! A história de um vaso para o propósito Divino é esta: o Senhor sempre conduz esses instrumentos por caminhos muito profundos.

Agora, é claro, devo justificar o que eu disse e mencionar que não há qualquer presunção por trás das palavras por mim proferidas, nenhum sentimento de que somos pessoas de alguma forma semelhantes a José. O que quero dizer é o seguinte - que o Senhor precisa de instrumentos como José. Ele precisa de vasos que possam ser usados ​​não só para a salvação do mundo, mas também para levar o próprio povo ao conhecimento e à experiência do próprio Senhor de maneira mais plena. Esse é um ministério peculiar, tanto para os indivíduos como para grupos de irmãos, a fim de que a Igreja toda possa alcançar a plenitude do pensamento eterno de Deus. Para tanto, o Senhor precisa de um instrumento, ou instrumentos, mas isso passa por uma história muito profunda de envolvimento com Ele. É um caminho difícil e doloroso, que, às vezes, parece até um caminho de desolação absoluta e de abandono da parte de Deus, mas chega o dia quando tudo é explicado e justificado, e Israel finalmente entra na terra.

Que o Senhor interprete a Sua própria Palavra para os nossos corações.

O dia dos tolos de abril está chegando. Aperte seus amigos abrindo um tela de atualização falsa sem fim no seu computador. Sente-se e assista a sua reação.

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