por T. Austin-Sparks
Enquanto meditando na Escola de Cristo, reforçamos que toda a sua aprendizagem, instrução e disciplina nessa escola tem o foco de nos levar a conhecer e aprender Cristo, não apenas receber informações a respeito dEle. De fato, nossa maior dificuldade ao tentarmos tornar as coisas simples e concisas é adotar tudo relacionado à Cristo como uma doutrina, um ensino. Mas não é isso que buscamos, nem é esse absolutamente o objetivo do Senhor. Ele busca a pessoa de Cristo, pois em Sua Pessoa temos a encarnação de toda verdade e vida. O propósito e a vontade do Senhor para nós não é nos tornar conhecedores da verdade, dentro de seus tantos aspectos, mas que conheçamos de forma viva, uma Pessoa que vive, e que essa Pessoa seja transmitida a nós de forma que sejamos incorporados nela. Assim, toda essa verdade se torna em algo vivo, não mais teoria e técnica.
Reforçando mais uma vez, sou incapaz de transmitir a força com que isto foi plantado em meu próprio coração, em seu pleno sentido: Deus renovará a revelação de Seu Filho sempre que as coisas estiverem prestes se separar da plenitude e exatidão de Seu propósito. Ele não nos conduzirá à uma mera recapitulação de verdades. O Senhor trará os elementos necessários à restauração por meio de uma revelação de Seu Filho renovada e em plenitude. Já mencionamos isso anteriormente em nossas meditações, que o Evangelho escrito por João, suas cartas e o Apocalipse foram os últimos escritos na dispensação do Novo Testamento. Esses registros foram escritos e trazidos à luz quando a Igreja do Novo Testamento estava se desviando de sua glória, pureza, verdade, santidade e espiritualidade iniciais, tornando-se num sistema cristão terreno. A forma de Deus lidar com aquela situação foi através desses escritos, que trouxeram à luz uma nova revelação de Seu Filho celestial, Divino, descortinando Sua plenitude espiritual. Tudo se resume num retorno à Cristo, e esse é sempre o caminho do Espírito Santo. Ele nos trará de volta à Pessoa, para nos mostrar o que essa Pessoa representa espiritualmente. Devemos ser cuidadosos para não ter o sentimento de que deixamos as coisas elementares para trás e que seguimos para coisas mais profundas na transição dos Evangelhos para as Epístolas. Não devemos pensar que as Epístolas são algo mais avançado do que os Evangelhos. Diria enfaticamente que não. Elas são apenas um desvendar dos Evangelhos. Tudo que está nas Epístolas também está contido nos Evangelhos. As Epístolas são simplesmente a interpretação de Cristo, e o Senhor jamais iria nos ocupar com uma interpretação, se ela se desviasse de Sua Pessoa.
Se estivesse conversando com pessoas responsáveis pela edificação da Igreja, este seria um assunto muito proveitoso, e me alongaria nele por mais tempo; mas mantendo nosso foco, diria que nós costumamos tomar o livro de Atos e as Epístolas com o propósito de estabelecer a técnica da Igreja. Adotamos seu conteúdo como um sistema cristalizado de práticas, regras, formas e ensinos, e o erro contido em tal atitude é simplesmente que a técnica é apenas algo em si mesmo, deixando o Senhor Jesus de fora, esquecido. Me pergunto se você compreende o que quero dizer? A maneira pela qual o Espírito Santo age é tomando Cristo e revelando-O ao coração, mostrando que Cristo é a ordenança celestial, e não aquilo que as Epístolas estabeleceram como se fosse um manual ou uma ordem celestial. Cristo é a ordenança, e tudo em matéria de ordenança deve estar diretamente relacionado à Ele. Se essa ordenança se tornar em um mero objeto desassociado de Cristo, passa a fazer parte de um sistema terreno; e poderemos constituir uma centena de sistemas terrenos baseados nas epístolas. Esses sistemas são criados para apoiar as diferentes interpretações, representadas aqui por ordenanças cristãs desassociadas da Pessoa de Cristo.
Sabemos que existem inúmeros assuntos, temas e ensinos. Temos o “reino de Deus”, a “santificação”, a “vida eterna”, a “vida vitoriosa”, “o vencedor”, “a segunda vinda de Cristo”. Todas essas coisas não passam de assuntos, temas, verdades, como denominamos, e têm sido tomadas e desenvolvidas a partir das Escrituras, ocupando bastante as pessoas, capturando seu interesse, mas são tomadas como objetos de estudo. Assim, certas pessoas se associam em torno do ensino da santificação, como se fosse um “santificacionalismo”, ou seja, tornando isso em um “ismo”. Outras pessoas se concentram no Segundo Advento, na Vinda do Senhor, no tema da profecia, e tudo mais. Essa é a causa de existirem grupos como esses. Acredito que isso seria impossível se a Pessoa do Senhor Jesus fosse o centro de tudo. O que é o Reino de Deus? É Cristo. Se vislumbrarmos de maneira correta os Evangelhos, veremos que o Reino de Deus é Jesus Cristo. Se estamos de maneira viva em Cristo, também estamos no Reino, e conheceremos cada detalhe do reino à medida que o Espírito Santo nos ensinar Cristo. Em primeiro lugar, o Reino não é algo em si mesmo. Quando o reino for manifestado universalmente, será simplesmente a expressão e a manifestação de Cristo, e isso é tudo. Você chega ao Reino em e por meio de Cristo; e o mesmo é verdade para tudo mais.
O que é santificação? Não é uma doutrina, “alguma coisa”. Absolutamente! Santificação é Cristo. Ele se tornou por nós santificação (1Co 1:30). Se você estiver em Cristo, e se o Espírito Santo estiver ensinando Cristo a você, então você estará conhecendo tudo a respeito de santificação. Entretanto, se Ele não estiver presente, mesmo que você tenha toda a teoria e doutrina da santificação, essa doutrina irá separa-lo dos demais cristãos, trazendo muitos problemas. Provavelmente o ensino da santificação tenha sido uma das coisas que mais tem trazido mais dificuldades aos cristãos do que qualquer outra doutrina em particular, por ter sido tornada em uma mera doutrina, em vez de sustentar Cristo como nossa santificação.
Digo isso para tentar explicar que devemos ser encontrados na Escola de Cristo, onde o Espírito Santo não nos ensina coisas, nem a doutrina da igreja; nem da santificação; nem do adventismo; nem qualquer outra coisa. O Espírito Santo nos ensina Cristo. O que é o adventismo? O que é a vinda do Senhor? Bem, tal palavra nos dá a chave: “quando vier para ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram” (2Ts 1:10). Veja, a vinda do Senhor é a consumação de algo que tem ocorrido em nosso interior. Como, então, sei que a vinda do Senhor está próxima? Não somente pelos sinais proféticos, mas também pelo que está acontecendo no coração do povo de Deus. Este é o melhor sinal dos tempos: o que o Espírito Santo está fazendo no povo de Deus. Mas talvez você não esteja interessado nisto. Certamente você teria mais interesse de saber o que realmente poderia acontecer entre a Alemanha e a Rússia, se esses dois países irão se tornar numa confederação! Até que ponto isso nos afeta? Onde toda essa conversa sobre o reavivamento do Império Romano tem a ver conosco? Isto é adventismo, uma doutrina vazia. Se tão somente nos mantivermos achegados a Ele, que é a totalidade da verdade, e nos movermos com Ele, aprendendo dEle, conheceremos o curso que as coisas vão tomar. Saberemos aquilo que é iminente, e ouviremos os sussurros da preparação em nosso coração. O melhor Advento para preparação é conhecer o Senhor. Não estou dizendo que não há nada importante na profecia, não me entenda mal. Mas sei que existem multidões de pessoas que estão simplesmente ocupadas com as profecias propriamente ditas, e para elas a vida espiritual não tem tanta importância; essas pessoas não tem um caminhar profundo com o Senhor. Vejo isso com frequência.
Nunca esquecerei uma visita que fiz a certo país, em uma grande cidade onde fui pregar por uma semana. Tudo foi organizado para que iniciasse minha primeira mensagem depois que certo homem tivesse concluído sua pregação, que havia sido sobre profecia, e perdurou durante a semana que antecedia minha chegada. Entrei na última reunião, quando ele entregava sua mensagem final sobre os sinais dos tempos. Os cadernos de anotações estavam abertos, e as pessoas registravam tudo, fascinadas. Tudo era relacionado às coisas exteriores, objetivas; coisas tais como o Reavivamento do Império Romano e a reconquista Palestina. Então ele concluiu sua exposição e as pessoas ficaram esperando por algo mais, com seus cadernos preparados. O Senhor colocou em meu coração que a primeira palavra de nossa meditação seria: “E a si mesmo se purifica todo o que nEle tem esta esperança, assim como ele é puro.” (1Jo 3:3); e discorri sobre o efeito espiritual desta esperança, mas as pessoas não estavam interessadas nesse assunto. Os cadernos de anotações foram fechados, lápis foram deixados de lado, não havia nenhum interesse enquanto buscava no Senhor ser muito fiel na exposição de como essa esperança se manifestava interiormente, em conformidade com o Senhor, e assim por diante. As pessoas estavam apenas esperando pelo final da reunião. Quando terminei - e elas mal esperaram que eu terminasse - levantaram-se e partiram.
Oh, não, é o Senhor, e o Espírito Santo deve nos trazer de volta à Ele. Voltar para Cristo não é, afinal de contas, retornar à coisas elementares e sem sentido. Devemos recorrer a única base sobre a qual o Espírito Santo pode realmente realizar todo o propósito e toda a vontade de Deus, e devemos estar na Escola de Cristo, onde o Santo Espírito está nos ensinando Cristo; e a maneira do Espírito Santo nos ensinar Cristo é experimental.
A partir desse ponto, nos tornaremos, aparentemente, mais elementares. Como você pode perceber, a própria natureza dessa escola demanda por uma mudança bastante drástica em nós.
É impossível entrar na Escola de Cristo, onde Espírito Santo é o grande tutor, antes que a maior mudança tenha ocorrido em nós. Precisaremos ser uma nova criação, caso contrário essa escola não fará nenhum sentido para nós. Não podemos ter esperança de aprender qualquer coisa a respeito de Cristo, sem que todo um novo conjunto de sentidos nos tenham sido concedidos. Precisaremos ganhar sentidos que não possuímos em nossa constituição natural. “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3:3). Aqui Deus afirma um fato notável.
Esse Reino é composto por coisas com as quais não temos correspondência, em nossa natureza. Dê uma volta num jardim, caminhe entre as batatas, vegetais e converse com eles, fale o que desejar. O que as batatas pensariam de você? O que os repolhos lhe responderiam? Eles nem mesmo ouvem ou entendem o que você diz, seja lá o que for. O tipo de vida nas plantas não é semelhante ao nosso, não pertence ao nosso reino. Não existe correspondência entre nós, absolutamente. As plantas não têm a capacidade, o dom e a qualificação para corresponder as coisas mais elementares que podemos lhes dizer. Você pode falar sobre coisas tolas como roupas, coisas do dia-a-dia, elas nada conhecem sobre isso. Existe simplesmente uma grande separação entre nós e o reino de Deus. “O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las…” (1Co 2:14). A barreira é tão suprema que, se fôssemos levados em nosso estado natural a um lugar onde o Espírito de Deus estivesse falando, a menos que Ele fizesse um milagre em nós, todas essas coisas seriam de um outro mundo. Não é verdade? Crentes, saiam por este mundo afora e falem sobre as coisas do Senhor, e vejam como as pessoas ficam embasbacadas com vocês! Tudo soa estranho para elas. “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus”. Para entrar nesta escola, algo precisa acontecer em nós, e isto significa que nós devemos ser constituídos novamente, com outras qualificações e habilidades para as coisas de Deus. Esta é a natureza desta escola, da Escola do Espírito de Deus. Sei que isso é muito elementar, mas, afinal de contas, não é isso que está sendo impresso em nós o tempo todo? Será que estamos compreendendo quão grave é o fato de podermos ouvir as palavras, e ainda assim elas ainda não significarem nada para nós. Precisamos que a nossa capacidade para a compreensão espiritual seja constantemente alargada. Estamos naturalmente em desvantagem nessa questão.
Há uma passagem que não posso deixar de mencionar. Tem estado comigo por muito tempo, e tem sido a base de nossa meditação. Refiro-me a João 1:51. Essa me parece uma introdução à Escola de Cristo, considerando principalmente as palavras ditas pelo Senhor Jesus à Natanael. Penso que seria de grande ajuda ler a seção toda a partir do verso 47:
“Jesus viu Natanael aproximar-se e disse a seu respeito: Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo! Perguntou-lhe Natanael: Donde me conheces? Respondeu-lhe Jesus: Antes de Filipe te chamar, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira. Então, exclamou Natanael: Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel! Ao que Jesus lhe respondeu: Porque te disse que te vi debaixo da figueira, crês? Pois maiores coisas do que estas verás. E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.
Aqui vemos a prerrogativa essencial, que é demandada antes mesmo de adentrarmos nos limiares da Escola de Cristo, que é marcado pelas seguintes palavras: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!”, diretamente ligadas às palavras finais do Senhor: “os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”. Temos uma figura completa do pano de fundo nessa sentença.
Quando Jacó, por meio de sua astúcia, furtou a primogenitura de seu irmão e precisou fugir para salvar sua vida, ele viu uma verdade muito grandiosa, embora ainda obscurecida em um tipo ou figura. Essa verdade Jacó ainda não fora capaz compreender. De fato, Jacó não poderia ter compreendido o significado daquilo que viu naquela ocasião, a saber, a Casa de Deus, Betel. Naquele lugar o céu e terra se encontravam - Deus e o homem. Ali temos o grande elo, o lugar onde Deus fala e Se faz conhecido, onde os Seus propósitos são revelados. Por que Jacó não compreendeu a visão? Ele estava em engano. Vamos vê-lo seguir por vinte anos debaixo de disciplina, e, finalmente encontrará o impacto do céu sobre sua vida terrena e natural, o impacto do Espírito sobre sua carne no Vau de Jaboque. Essa vida carnal e natural de Jacó será esmagada, aniquilada, amortecida, e levará uma marca pelo resto de seus dias, indicando que permanece debaixo da condenação de Deus. Então, o Jacó julgado, esmagado, ferido, aniquilado pode retornar e derramar sua libação em Betel, permanecendo ali. O seu dolo fora retirado. Ele agora não mais se chamava Jacó, mas Israel, em quem, falando em tipo e figura, não há mais dolo. A obra não estava concluída, mas uma crise aconteceu.
Quando o Senhor Jesus fez essa referência a Natanael ele estava dizendo, resumidamente, o seguinte: devemos chegar ao ponto onde a nossa vida natural foi reduzida, quebrada e aniquilada para chegar ao lugar do céu aberto, onde a glória de Deus repousa, desce e se comunica conosco, então experimentamos o significado de Betel. Estar em Betel equivale a entrar nEle, ou seja, permanecer no Senhor como Betel, a Casa de Deus, usufruindo ali de todo benefício do Céu e de Deus. Você não poderá entrar nesta Escola até que esta experiência tenha lhe acontecido, e é necessário que o Senhor nos diga isso logo na soleira da porta: ‘Eis aí, um verdadeiro israelita, em quem não há mais Jacó, você verá o céu aberto!’ Remeter à vida de Jacó é, afinal de contas, apenas outra maneira de falar da vida do ego em sua totalidade. Jacó estava na linhagem eleita. Ele tinha um conhecimento histórico a respeito de Deus, mas sua transição da vida natural para a espiritual se deu por meio de disciplina e crise.
Deixe-me permanecer um pouco nesse ponto. Aqui está o Senhor Jesus. Ninguém ousaria dizer que a Sua vida terrena era igual a nossa: poluída, corrupta, pecadora. Não! Absolutamente! Embora Jesus tivesse uma vida humana, ela era sem pecado. A vida do ego do Senhor simplesmente significava que Ele podia agir, falar, pensar, julgar e se mover por si mesmo, e isso é tudo. Não representava agir com maus intentos, nem motivado ou influenciado por algo pecaminoso e corrupto, mas simplesmente agir de forma independente. O Senhor poderia ter feito e dito muita coisa de forma independente, porém adotou a posição de não agir ou falar à parte de Seu Pai. Isto seria independência, e o Senhor simplesmente daria ao inimigo a abertura que ele buscava.
O ponto é o seguinte: nós não devemos imaginar que uma vida independente é representada por ações manifestadamente corruptas, pois existe muita coisa feita para Deus por nossa própria iniciativa, fruto das mais puras intenções. Temos muitas ideias, pensamentos e julgamentos que são sublimes e belos, mas que provém de nós. As coisas de Deus são completamente diferentes das nossas.
Assim, bem na entrada da Escola de Cristo, o Senhor estabeleceu algo absoluto: o vau de Jaboque. Jaboque era um afluente do Jordão, por isso vemos as implicações do Jordão ali, no limiar da porta dessa Escola. O Senhor Jesus aceitou passar pelo Jordão a fim de entrar na escola do Espírito por três anos e meio. Não poderemos entrar nessa escola da Unção por outro caminho, será da mesma maneira. Iremos aprender Cristo somente quando essa natureza de Jacó for aniquilada. Não estou me referindo meramente a doutrina ou técnica. Acredite, sei exatamente do que estou falando.
Conheço essa realidade na minha história. Sei o que é trabalhar, pregar o Evangelho com todas as minhas forças para Deus por anos. Sei que tarefa difícil é servir com uma redoma sobre a cabeça. Quantas vezes permaneci no púlpito, dizendo em meu coração: ‘se, de alguma forma, pudesse romper essa redoma sobre a minha cabeça! Em vez de pregar daquilo que coletei de livros, anotei e depois estudei, se pudesse descartar tudo isso e, com um céu aberto, falar daquilo que Deus está falando no meu coração!’ Esse foi o meu desejo por anos. Sentia que existia algo assim, mas só tive essa experiência de verdade quando enfrentei a grande crise de Romanos 6, e junto com ela veio o céu aberto. Tudo tem sido diferente desde então, completamente diferente. “Vereis o céu aberto”! Toda aquela pressão acabou, todo aquele fardo e limitação se foram, não existe mais nenhuma redoma. Essa é a minha glória hoje. Perdoem-me por essa referência pessoal. Digo isso porque não estamos aqui para dar referências, mas estamos totalmente focados na realidade dessa questão do Espírito Santo revelando Cristo direta e imediatamente a nós, e isto de forma progressiva. No entanto, essa experiência não pode acontecer até que cheguemos ao nosso Vau de Jaboque e essa ‘vida de Jacó’ seja tratada por meio de uma crise, quando o Senhor poderá afirmar: ‘Um verdadeiro Israelita, em quem não há ‘Jacó’’; ‘você verá o céu aberto!’ Existe uma redoma, um céu fechado acima de nós em nossa natureza, mas, bendito seja Deus! A Cruz rasga os céus, o véu é rasgado de cima a baixo, e Cristo é revelado através desse véu rasgado, que é a Sua carne. Ele não mais é visto como o Homem Jesus; mas O vislumbramos em nossos corações como toda plenitude do plano de Deus para o homem. É uma coisa grandiosa ver o Senhor Jesus, e ainda mais impressionante é continuar a vê-Lo progressivamente. É dessa forma que tudo tem início - ‘Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo, nem Jacó! Vereis o céu aberto!’
Esta palavra: “vereis o céu aberto” é uma nova perspectiva para um novo homem. Na Versão Autorizada foi acrescentada uma palavra que foi deixada de fora na Versão Revisada. Vou tomá-la pela simples razão de estar implícita no original, apesar de não ter sido formalmente introduzida ali. Na Versão Autorizada temos: “A partir de agora vereis o céu aberto”. Na Versão Revisada, essa expressão foi tirada, e temos apenas: “Vereis o céu aberto…”. Porém, “vereis” é algo no futuro, aponta para frente. Não é “você está vendo”, mas “você verá”. Essa é uma nova perspectiva para um novo homem, constituindo uma nova era. Essa é a nova era do Espírito Santo, porque, com Sua vinda, o céu aberto tornou-se uma realidade para nós. A Cruz abre os céus para nós, mas é o Espírito Santo Quem nos introduz no benefício disso, exatamente como os céus foram abertos para o Senhor em seu batismo no Jordão que representou, tipológica e simbolicamente, Sua morte, sepultamento e ressurreição. Ao chegar na nova esfera da ressurreição, os céus se abriram para Ele. O Espírito, então, O iluminou e nEle repousou. Esse Espírito se tornou, por assim dizer, o canal de comunicação, possibilitando tudo aquilo que envolve o céu aberto no sentido de comunicação, comunhão e relacionamento. Essa é a era do Espírito Santo, fazendo com que todos os valores de Cristo sejam tornados reais em nós. “Vereis”; e, graças a Deus, o que era um prospecto para Natanael é o nosso presente.
Essa era já teve início. Nós estamos na era do Espírito Santo, do céu aberto.
Então, qual seria a marca de uma vida ungida pelo Espírito Santo? Você se lembra quando Paulo foi a Éfeso, encontrou certos discípulos e, sem nos dar qualquer explanação, imediatamente pergunta: “Vocês receberam o Espírito Santo quando creram?”. Eles replicaram: “Nós nem ouvimos falar que existe Espírito Santo”. Então a próxima pergunta de Paulo foi cheia de significado, nos remetendo ao Jordão. “Em que, então, foram vocês batizados?” O batismo está ligado a essa realidade vital. Se você não conhece o Espírito Santo, qual é, então, o sentido do seu batismo? Nós fomos batizados com o batismo de João. Bem, 'João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo para as pessoas que elas deveriam crer nAquele que havia de vir após ele, isto é, em Jesus'. Então, quando ouviram isto, eles foram batizados em Nome do Senhor Jesus, em Cristo, e o Espírito Santo veio sobre eles. Assim, eles entraram na Escola de Cristo; e a marca de uma vida ungida pelo Espírito é um conhecimento vivo e crescente de Cristo.
Isto pode parecer elementar, mas não é. Alguns de nós somos alunos muito limitados, e levamos um longo tempo para aprender. Levou décadas, no meu caso, para chegar à uma real percepção disso tudo que estou dizendo. Nós sabemos tanto, e ainda assim descobrimos que nosso conhecimento pessoal de Cristo é muito pobre. Somos constantemente conscientizados disso. Finalmente, mais cedo ou mais tarde, exclamaremos: ‘Oh, não preciso conhecer mais de doutrina, verdades, assuntos, nem matérias das Escrituras, como mero conhecimento’. É maravilhoso conhecer tudo a respeito das Escrituras; mas deixe um homem entrar no fogo, passar por uma provação profunda, problemas e perplexidades, e ele avaliará qual foi o proveito de todas as suas doutrinas e seus estudos bíblicos. Qual foi o valor daquilo tudo? Isso realmente não resolveu os seus problemas, nem ajudou a superá-los. É uma tragédia. Isso é verdadeiro a nosso respeito. Temos corrido atrás das doutrinas da Bíblia, e investido nisso, e sabermos o que a Bíblia fala sobre certas coisas como redenção, regeneração, julgamento, justificação pela fé, santificação, e assim por diante. Ainda assim, mesmo tendo todas as doutrinas muito bem elaboradas, ao passarmos por uma experiência espiritual terrível, tudo aquilo não nos serve para nada, e chegamos à conclusão de que esse tipo de cristianismo não funciona! A única coisa, então, que pode nos ajudar é o conhecimento do Senhor de forma pessoal e viva no meu coração, não um lindo livro de anotações, cheio de doutrinas. O que o Espírito Santo tem revelado em mim e para mim de Cristo, e que se tornou parte de minha constituição? Mais cedo ou mais tarde, chegaremos a esse impasse. Seremos conduzidos a um conhecimento vivo e espiritual do Senhor; pois somente Cristo, revelado em nosso ser pelo Espírito Santo, pode nos salvar num momento difícil. Chegará o dia quando iremos abrir mão de todas as coisas, em troca desse conhecimento espiritual e interior de Cristo; abriremos mão de todo nosso conhecimento intelectual e mental. Muitos daqueles gigantes do ensino e da doutrina precisaram passar por um período bem negro em suas vidas. A forma como eles conseguiram passar por essa experiência dependeu do conhecimento interior que tinham do Senhor, e não de mero conhecimento intelectual. Como posso explicar o que isso significa?
Bem, por exemplo, você descobre algo na área da alimentação que realmente é bom pra você. Você já passou muitos lugares e experimentou de tudo. Experimentou tudo o que as pessoas podiam prover para ajudá-lo numa determinada enfermidade ou fraqueza, mas nada teve efeito. Porém, um dia, você descobre alguma coisa que realmente funciona, e na próxima vez que padece da mesma enfermidade, toma aquele medicamento e obtém a cura. É disto que estou falando, com referência a esta questão de como e o que Cristo deve representar para nós. Ele deve ser um ponto de total descanso e segurança em nós, pois somente dessa forma Ele irá nos ajudar a passar pelas provações. Precisaremos conhecê-Lo desta forma. A única maneira de conhecermos Cristo é experimental. “Vereis o céu aberto”. O Espírito Santo foi enviado para que Cristo fosse revelado em nós como nossa própria vida. Vocês verão, quando o Espírito vier, que esta é a marca de uma vida ungida. Você verá! Grandiosos são esses momentos, quando vemos algo. Alguns de nós pode ter experimentado isso de formas específicas e presenciado outras pessoas passando por essa experiência. Contudo, sabemos que aquelas pessoas já haviam sido ensinadas a respeito de tudo e se ocuparam com isso por vários anos. Então, de repente, tudo se descortinou diante delas, e disseram: Agora estou começando a entender aquilo que o tempo todo as pessoas me falavam!
Me lembro de um homem que cresceu numa família muito santa, cujo pai eu sempre costumava associar a Charles G. Finney, pois se parecia com ele em espírito, alma e corpo. Um de seus filhos, que cresceu nesse lar maravilhoso, foi um dos meus grandes amigos por muitos anos. Desfrutávamos de uma verdadeira amizade, sempre conversando sobre as coisas do Senhor. Me lembro disso como se fosse hoje, de certo dia quando estava indo encontrá-lo na esquina de Newington Green, e o vislumbrei à distância. Ele sorria, e quando nos encontramos apertamos as mãos e ele me disse: ‘Fiz uma descoberta’. Respondi: ‘Qual é foi sua descoberta?’ Ele me respondeu: ‘Descobri que Cristo está em mim! Cristo em vós, a esperança da glória, se tornou uma realidade para mim’. Respondi: ‘Poderia ter dito isso a você anos atrás’. Mas a diferença foi que ele disse: ‘Agora vejo isso, agora eu sei’.
Seria bom se o mundo fosse cheio de cristãos assim! Não é esta a nossa necessidade? Devemos receber as mesmas palavras de Natanael. Isto não foi dito a Pedro, nem Tiago, nem a João no Monte da Transfiguração: mas foi dito a Natanael, alguém que pertencia a um círculo mais amplo. Isto é para todos nós; e se isto demanda por esforço, provas, perceba o que o Senhor Jesus disse: “Você verá o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem”. O que aconteceu ali? Uma tremenda transição ao longo de poucas sentenças. Eis aí um verdadeiro Israelita! Isto é, o Senhor se referia a Israel, a Jacó. Jacó foi o pai de Israel, porque os filhos de Jacó formaram o Israel terreno. Sim, isto estava dentro de uma limitação terrena, dentro da esfera de um povo dentre as nações, e na limitação dos tipos. Agora, no entanto, devido a uma tremenda transição, o Senhor reverteu as palavras de Natanael: “Tu és o Rei de Israel”. Rei de Israel? Isto não é nada. Você verá coisas maiores do que estas. Verá os céus abertos, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem! Isto é algo muito mais amplo do que Israel. O Filho do Homem! Isto indica uma nova raça, algo universal, aberto à todos os homens que ainda virão, não apenas para Israel. Você verá coisas maiores! Os céus seriam abertos para quem? Não somente para Israel, mas para todos os homens em Cristo. O Filho do Homem!
Este título, Filho do Homem, representa sumariamente o plano de Deus em relação ao homem. Que grande plano e intenção de Deus a respeito do homem! Quando o homem é trazido a Deus em Cristo, recebe o céu aberto. O céu aberto é para o homem: Deus Se revelando para o homem, no Homem. Isso tudo é para nós. Que ninguém pense que este céu aberto, esta unção, é para alguns poucos. Não, é para todos. O desejo de Deus, o propósito de Deus, é que nós, os mais humildes, os loucos, os mais fracos e limitados dentre os homens possamos descobrir que a nossa herança é um céu aberto. Em outras palavras, nós podemos, em Cristo, conhecer esta maravilhosa obra do Espírito Santo, que acontece numa revelação progressiva interior de Cristo até a plenitude. Isto é para nós, para cada um de nós. Que até o cristão mais maduro possa se mover ainda mais em direção ao Senhor, e que todos nós realmente possamos experimentar essa primeira crise quando a redoma sobre nossa cabeça é quebrada, e que saibamos o que é viver debaixo de um céu aberto, quando o Espírito revela Cristo em nossos corações, para a Sua glória.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.