por T. Austin-Sparks
“E eis que, do caminho do oriente, vinha a glória do Deus de Israel; a sua voz era como o ruído de muitas águas, e a terra resplandeceu por causa da sua glória. A glória do Senhor entrou no templo pela porta que olha para o oriente. O Espírito me levantou e me levou ao átrio interior; e eis que a glória do Senhor enchia o templo.” (Ez 43:2, 4-5)
“Depois, o homem me levou pela porta do norte, diante da casa; olhei, e eis que a glória do Senhor enchia a Casa do Senhor; então, caí rosto em terra” (Ez 44:4).
“Depois disto, o homem me fez voltar à entrada do templo, e eis que saíam águas de debaixo do limiar do templo, para o oriente; porque a face da casa dava para o oriente, e as águas vinham de baixo, do lado direito da casa, do lado sul do altar” (Ez 47:1).
“A vida estava nele e a vida era a luz dos homens” (Jo 1:4).
“De novo, lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8:12).
“A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3:3).
“Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo” (Jo 9:5).
“Ora, entre os que subiram para adorar durante a festa, havia alguns gregos; estes, pois, se dirigiram a Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e lhe rogaram: Senhor, queremos ver Jesus. Filipe foi dizê-lo a André, e André e Filipe o comunicaram a Jesus. Respondeu-lhes Jesus: É chegada a hora de ser glorificado o Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto.” (Jo 12:20-24).
“Eu vim como luz para o mundo, a fim de que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas” (Jo 12:46)
“Nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4:4).
“Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder” (Ef 1:17-19).
A Luz da Vida! Antes de fazer uma consideração mais exata sobre este assunto da luz da vida, posso fazer uma pergunta bem simples, mas direta? Será que podemos afirmar, com certeza, que estamos realmente interessados em ser parte do propósito de Deus? Desejamos conhecer esse propósito, sendo achados nele? Tudo vai depender disso: se existe esse desejo em nós e essa é uma questão muito prática. Isso deve resultar em uma reflexão e abandono da busca pelo mero conhecimento ou informação a respeito das coisas espirituais. Ao olharmos para dentro de nossos próprios corações neste momento - e devemos fazer isso, cada um de nós - será que poderemos afirmar que existe um genuíno e forte desejo de fazer parte desse propósito, o grande e eterno propósito de Deus? Estaremos nós preparados para nos comprometermos com o Senhor em relação a isso, de forma definitiva? Será que chegamos a entender que Ele não fará nada enquanto não estivermos realmente desejosos de abraçar o Seu eterno propósito, custe o que custar? Como povo de Deus, estaremos nós prontos para enfrentar isso, e tomarmos nossa posição com Deus? Sei que alguns de vocês já se posicionaram a respeito, e não há necessidade de se exercitarem muito sobre esta questão, mas é bem provável que alguns de vocês tomem essas coisas como garantidas. São cristãos, crentes, pertencem ao Senhor, são salvos, colocaram sua fé em Cristo, têm tido um relacionamento com instituições cristãs e muitas coisas dessa natureza por longo tempo, talvez desde a infância. É para esses que faço este apelo, inicialmente. Vemos a seguinte frase ser usada repetidamente na Palavra de Deus: “e manifestar qual seja a dispensação do mistério, desde os séculos, oculto em Deus... segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor” [Ef 3:9, 11]. Será que este propósito está em primeiro plano no nosso horizonte, ou é algo remoto, obscuro, escondido? Chamo a atenção para isto, porque devemos ter uma base para continuar. Se esta for a nossa posição, então poderemos prosseguir, e haverá um alargamento da revelação desse propósito e de como alcança-lo. Mas, a menos que tenhamos uma atitude e posição muito positivas a esse respeito, iremos ouvir um monte de coisas que não farão muito sentido para nós.
Considerando que haja pelo menos certa medida de interesse que nos justifique a seguir em frente, pergunto: Qual é o propósito de Deus? Penso que isso pode ser explicado, dentre as diversas definições, da seguinte maneira: Podemos dizer que o propósito de Deus é que um dia Ele tenha um instrumento que seja o objeto e meio de manifestação de Sua glória para este universo. Vemos isso insinuado na Nova Jerusalém, que desce do céu, da parte de Deus, tendo a Sua glória. O seu brilho é como a pedra mais preciosa, a pedra de jaspe, clara como cristal. “Tem a glória de Deus!” Isto é o que Deus tem planejado para o Seu povo. Que eles sejam, no sentido espiritual para o Seu universo como uma equivalência do sol provendo luz, para que as nações caminhem na Sua luz, sem necessidade de sol, de lua, porque não haverá noite. Isso equivale a dizer que a vontade de Deus é ter um povo cheio de luz: “a iluminação do conhecimento da glória de Deus” [2Co 4:6]. Este é o propósito, e Deus começa a Se mover nessa direção a partir do exato momento em que cada um de Seus filhos nasce do alto, pois esse novo nascimento do alto representa o afastamento da escuridão e o irromper da luz.
Durante todo o nosso caminho na Escola de Cristo, o Espírito Santo estará engajado nisso, em nos levar cada vez mais para a luz, para o “conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” [2Co 4:6]; para que, de fato, possamos manifestar essa verdade: “a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (meio-dia) (Pv 4:18). Muitas pessoas acreditam que isso significa que seu caminho se tornará cada vez mais fácil, alegre, e agradável na medida em que prosseguirem e, por isso, ficam desapontadas. As coisas não funcionam dessa forma. Não vejo essa verdade nas circunstâncias e condições exteriores dos santos ao longo da história, e em todos os lugares. Para eles o caminho não se tornou progressivamente iluminado exteriormente. No entanto, se estivermos realmente nos movendo debaixo do governo do Espírito Santo, poderemos afirmar, com toda certeza, que interiormente, teremos um acréscimo de luz. O caminho se tornará mais iluminado; e nossa visão se alargará. Este é o propósito de Deus; até chegar o tempo em que não mais haverá qualquer escuridão, nem sombra, nem névoa, mas apenas luz, perfeita luz. Nós não veremos mais através de um espelho opaco, mas face a face. Conheceremos como também somos conhecidos [1Co 13:12]. Este é o propósito de Deus. Isso te interessa? É o seu anseio?
Mas isso envolve uma crise e um processo na vida espiritual, com um clímax glorioso no arrebatamento. No momento, vamos nos concentrar nesse processo.
Lemos em Ezequiel sobre a glória do Senhor vindo e enchendo a Casa, e temos visto em nossas meditações anteriores que o Senhor Jesus é esta Casa. Ele é a grande Betel de Deus sobre a qual os anjos sobem e descem, em Quem Deus é encontrado, a partir de onde Deus fala (o local do oráculo), onde está a autoridade Divina e a palavra final. Ele é a Casa, e a glória e a luz do Senhor estão nEle.
Olhando para o tabernáculo ou o antigo templo onde a glória do Shekiná aparecia, observamos que aquela luz e glória que unia o céu e a terra como uma escada se manifestava no interior do Santo dos Santos. Sabemos que no Santo dos Santos tudo ficava coberto por cortinas, impedindo a entrada de qualquer vestígio de luz natural de tal modo que, se alguém entrasse ali sem a Shekiná se depararia com escuridão total, nenhuma luz, mas se o fizesse quando a glória estivesse ali teria luz, uma luz totalmente divina, celestial, a luz de Deus. Aquele lugar, o Santo dos Santos, representa a vida interior do Senhor Jesus, o Seu Espírito, onde encontramos Deus, a luz do céu, a luz de Deus. O Seu Espírito é o Santo dos Santos, a Casa Santa de Deus, e foi lá, no Santo dos Santos, onde residia a luz da glória, que Deus disse que iria falar com o Seu povo, através de seu representante. “E lá me encontrarei e terei comunhão contigo acima do propiciatório, entre os dois querubins que estão sobre a arca do testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel” (Êx 25:22 – tradução versão usada pelo autor - KJV). Ali seria o lugar da comunhão - “Terei comunhão contigo”.
“Comunhão”. Que palavra doce, “comunhão”. Não há nada de severo, terrível, nem assustador nessas palavras. “Terei comunhão contigo”. Esse é um lugar onde Deus fala; na comunhão Deus se faz conhecido. É chamado de o lugar do oráculo, o lugar a partir de onde Deus fala. Esse é o Propiciatório, o lugar da Misericórdia, e tudo isso é uma representação do Senhor Jesus. Como dissemos, o Senhor Jesus foi estabelecido por Deus como o propiciatório (Rm 3:25), e nEle Deus tem comunhão com o Seu povo. Nele, Deus fala para e com o Seu povo.
A ênfase deve estar na expressão “nEle”, pois não há comunhão com Deus, nem comunhão de Deus, não há palavra a ser ouvida, nem lugar de encontro absolutamente, exceto em Cristo. Aquele seria um lugar de morte e destruição para o homem natural e essa é a razão das sérias advertências sobre entrar naquele lugar sem estar adequadamente revestido, o que remetia ao homem natural completamente coberto e revestido por outro Homem celestial, com vestes celestiais, as vestes da justiça. Somente assim seria possível arriscar entrar naquele lugar: do contrário “o homem seria morto…”
Se você quiser saber exatamente como isto funciona, venha para o Novo Testamento e tome a história da viagem de Saulo de Tarso para Damasco. Ele disse: “Ao meio-dia... vi uma luz no céu, mais resplandecente que o sol, que brilhou ao redor de mim e dos que iam comigo. E, caindo todos nós por terra, ouvi uma voz que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues?” [At 26:13,14]. Podemos nos lembrar de como eles o ergueram e o conduziram para a cidade, porque ele perdera a visão. Pela misericórdia de Deus, ele ficou sem enxergar por apenas três dias e três noites. Deus comissionou Ananias para visitar aquele homem cego, e lhe dizer: “o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista” [At 9:17]. Se isso não tivesse ocorrido, Saulo de Tarso teria sido um homem cego até o fim de sua vida. Este é o efeito do encontro de um homem natural com a glória de Deus na face de Jesus Cristo. É destruição. Não há lugar para o homem natural na presença da luz; isso representa a morte. Mas em João 8 temos as seguintes palavras: “a Luz da vida”, contra a escuridão da morte. Bem, em Jesus Cristo consideramos o homem natural como que inteiramente deixado de lado. Não existe lugar para ele ali.
Isto significa que o homem natural não pode vir para a luz, nem pode entrar no grande propósito de Deus e ser achado naquela Casa cheia da Sua glória, aquele instrumento através do qual Ele irá manifestar a Sua glória ao Universo. O homem natural não pode entrar ali: e quando me refiro ao homem natural, não são apenas os não salvos, aqueles que ainda não vieram até o Senhor Jesus. Me refiro ao homem que Deus deixou completamente de lado.
O Apóstolo Paulo precisou falar com os cristãos de Corinto dessa maneira. Eles eram pessoas convertidas, salvas, mas estavam seduzidos pela sabedoria e pelo poder deste mundo; isto é, pela sabedoria natural, conhecimento, e pela força que dela procede, incluindo a sua disposição e inclinação de tentar tomar as coisas divinas e analisá-las, investigá-las e examiná-las através da sabedoria e do conhecimento natural, da filosofia e sabedoria deste mundo. Dessa forma, eles estavam permitindo ao homem natural lidar com as coisas divinas, e o apóstolo Paulo lhes disse, usando sua própria linguagem: ‘Ora, o homem da alma’ (mas ali não se referia ao homem não regenerado, nem o homem que nunca conheceu a obra expiatória do Senhor Jesus para salvação) ‘o homem da alma não aceita as coisas do Espírito de Deus, nem pode conhece-las’ [1Co 2:14]. O homem da ‘psuche’, ou seja, o homem natural. A mais nova de nossas ciências é a psicologia, a ciência da alma: e o que seria a psicologia? Ela trata da mente, é a ciência da mente do homem, e eis a origem de nossa palavra. Estou parafraseando isto porque é exatamente o que ela significa. Então, ‘a ciência da mente jamais poderá receber as coisas do Espírito de Deus, nem pode conhecê-las’. Este homem é muito inteligente, muito intelectual, muito bem treinado, com todos os seus sentidos naturais trazidos ao mais elevado estado de desenvolvimento e perfeição, contudo é incapacitado em relação às coisas de Deus. Para obter o primeiro vislumbre do conhecimento de Deus é necessária a realização de um milagre, através do qual é concedida luz aos olhos que nunca enxergaram, e através dos quais a luz surge como um feixe de revelação. Assim, pode-se afirmar: “Bem-aventurado és... porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus” [Mt 16:17].
Que declaração impressionante! Cada porção de luz real que está na direção daquela suprema refulgência, a revelação da glória de Deus em nós e através de nós, cada ponto dessa luz está em Cristo Jesus, e só poderá ser obtida nEle se o homem natural for deixado totalmente de lado, e um novo homem for trazido à existência, com novas faculdades espirituais. Por isso foi dito a Nicodemos, o melhor produto da escola religiosa e do mundo daqueles dias: "Se alguém não nascer de novo, não pode ver..." [Jo 3:3]. Não pode ver. Bem, isto significa que, para que possamos conhecer até mesmo as primeiras letras do alfabeto Divino, devemos estar em Cristo, e o que seguirá será uma questão de aprender Cristo, saber o que significa estar nEle.
Isto nos leva à pergunta: Qual é o caminho para Cristo, ou, como obter a luz da vida? Bem, a resposta é, naturalmente, de maneira sucinta, que para ter a luz precisamos ter a vida. Esta luz é a luz da vida. É o produto da vida. Toda luz Divina, a verdadeira luz que vem de Deus, é uma luz viva. Nunca se tratará de algo teórico, doutrinário, mas sempre algo vivo. E como obtemos esta luz da vida?
Temos esses dois fatos trazidos diante de nós no Evangelho de João, a saber, Cristo em nós, e nós em Cristo. O Senhor nos tem dado uma bela ilustração do que isso significa, e esta ilustração nós lemos no capítulo 12. O que significa estar em Cristo? O que significa estar na vida e na luz? Bem, eis a resposta. Existe vida naquele grão de trigo, mas esta vida está restrita a um único grão. Como fazer com que a vida seja transmitida para outros grãos, de modo que venham a encher toda a terra? Bem, o Senhor diz: coloque esse grão na terra, deixe-o cair ali e morrer, deixe-o cair na terra escura, e deixe que ela o encubra. O que acontecerá? O grão começa imediatamente a se desintegrar, a desmanchar, a se render em relação a sua própria individualidade. Logo surge um broto da terra, que se torna num talo, finalmente vemos uma espiga e ela espiga se torna pesada, cheia de grãos de trigo. Se pudéssemos enxergar a vida ao olhar para aqueles grãos de trigo, veríamos que a vida que estava naquele único grão se multiplicou nos grãos da espiga. Então ceifo aquela espiga, que pode conter uma centena de grãos, e obtenho dez mil; ceifo as espigas novamente, e elas se multiplicam centenas de vezes, e assim acontece até que encham toda a terra. Se pudesse olhar através de uma lente de aumento para cada um daqueles milhares de grãos, se a vida fosse visível, seria possível atestar que aquela mesma vida original está em cada um daqueles grãos. Eis a resposta.
Como esta vida entra em nós, esta luz da vida? O Senhor Jesus diz que a morte deve ocorrer, a morte para o que nós somos em nós mesmos, para a nossa própria vida; para uma vida vivida à parte dEle. Devemos ir com Ele para a morte, e lá, pela ação do Espírito de Deus, seremos unidos com o Cristo sepultado recebendo a transmissão da Sua Vida, então Ele não será mais um único grão de trigo, mas se multiplicará em cada um de nós. Esse milagre que se sucede a cada ano na esfera da natureza é justamente o princípio pelo qual o Senhor entra em nós. Portanto, podemos ver a necessidade de parar de conduzir nossa vida separada da dEle e de, definitivamente, abrirmos mão da nossa vida. Esta é a crise que ocorre inicialmente, e é uma verdadeira crise. Mais cedo ou mais tarde ela deverá acontecer.
Alguns podem dizer: ainda não passei por essa crise. Para mim, tornar-se um cristão foi uma coisa muito simples. Fui simplesmente ensinado quando criança, ou, a partir de algum momento simplesmente expressei minha fé pessoal no Senhor Jesus de alguma maneira, e, a partir daquela hora, passei a pertencer ao Senhor. Sou um cristão! Mas te pergunto: você está se movendo na crescente plenitude da revelação do Senhor Jesus? Experimenta um céu aberto? Está Deus se revelando em Cristo para você em toda plenitude? Não estou dizendo que você não pertence ao Senhor Jesus, mas estou dizendo que a base inalterável para obter um céu aberto é a sepultura, e uma crise na qual você chega ao fim de sua própria vida. Essa é a crise da real identificação experimental com Cristo em Sua morte, não mais por nossos pecados, mas pelo que somos. O céu aberto depende disso. Uma crise. E assim, este tem sido o caminho com muitas pessoas. A verdade é que mesmo sendo filhos do Senhor; conhecendo a Cristo, sendo salvos, sem a menor sombra de dúvida em relação a isso; chegará o momento quando o Senhor, a Luz da Vida, nos mostra que Ele não apenas morreu para levar os nossos pecados em Seu corpo no madeiro, mas Ele mesmo representou cada um de nós em nossa vida natural, para que ela seja deixada de lado. O homem foi levado à cruz, não apenas os seus pecados. Aquele homem somos nós. E muitos de nós, mesmo que tenham se passado muitos anos depois de terem se tornado cristãos, passaram por essa tremenda crise de identificação com Cristo, como homens, como mulheres, em relação à tudo aquilo que somos em nossa vida natural. Muitos chegaram à essa crise, e a partir desse momento tudo tomou uma escala mais vasta na vida cristã. Agora eles tem um céu aberto, o alargamento da visão, a luz em esfera muito maior.
Se você ainda não passou por esta crise, indague ao Senhor a respeito. Mas preste atenção, se você deseja ter essa experiência com o Senhor, lembre-se que está pedindo por algo que lhe trará problemas; porque, como foi dito anteriormente, este homem natural é difícil de morrer; e ele resiste com tenacidade a esse processo. O homem natural não gosta de ser deixado de lado. Olhe para o grão de trigo. Quando ele cai na terra, observe o que lhe acontece. Você acha que é um processo agradável? Ele perde a sua própria identidade. Você não conseguirá mais reconhecê-lo. Pegue-o e dê uma olhada nele. Será este aquele lindo pequeno grão de trigo que atirei no solo? Em que objeto horrível ele se transformou! Perdeu completamente a sua própria identidade, sua coesão, tudo está se despedaçando. Que situação horrível! Sim, é isso o que a morte faz.
Esta morte de Cristo, ao ser forjada em nós, põe fim à nossa própria vida natural. Ela a destrói, despedaçando-a e tirando toda a sua beleza. Começamos a descobrir que, afinal de contas, não há nada em nós além de corrupção. Esta é a verdade. Nesse processo perdemos toda aquela beleza do ponto de vista natural, dentro da perspectiva humana. Não é uma coisa agradável ser lançado no chão e morrer. Mas é isso o que acontece.
“Mas, se morrer... ”. “Se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos” (Rm 6:8). Compartilharemos da Sua Vida, uma outra vida, e essa nova forma de vida nos será dada, e ela não é nossa, mas dEle. Se trata de uma crise. Insisto que você busque o Senhor a esse respeito. Se o fizer, fique atento para o que falei, esteja preparado para ser desintegrado, espere até que a beleza que você achava que possuía seja completamente desfigurada. Esteja preparado para descobrir que é ainda mais corrupto do que imaginava; espere até que o Senhor te conduza à um lugar onde você clamará: ‘Ai de mim! Estou perdido!’ Mas uma benção virá por meio disso tudo, e você dirá: ‘Ó Senhor, a melhor coisa que pode me acontecer é morrer!’ E o Senhor replicará: ‘É nisso mesmo que estou trabalhando; não posso glorificar essa corrupção’. “Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade” (1Co 15:53) e esta incorruptibilidade é o germe da vida Divina que está contida na semente que abriu mão da sua vida, isto é transmitido dEle. Deus não glorificará esta humanidade. Ele nos transformará à semelhança do corpo glorioso de Cristo. Isto é muito profundo e será no futuro, mas nossa afirmação é que deve haver essa crise, se estivermos seguindo para a glória, para o propósito de Deus.
A seguir, haverá um processo. O Senhor Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” [Mc 8:34], e ao dizer isso o Senhor não se contradisse com o princípio. É bem verdade que a Cruz é algo que se experimenta de uma vez por todas. É uma crise quando dizemos: ‘Senhor, aceito de uma vez por todas aquilo que a Cruz significa!’. Mas nós iremos descobrir que, após essa crise, dia a dia precisaremos aderir à ela, e a Cruz opera por meio de diversas aflições e sofrimentos que acometem o povo do Senhor, debaixo de Sua permissão. Pela Sua soberania, o Senhor colocará você em situações difíceis: dificuldades no lar, no serviço, em relação ao seu corpo, uma situação difícil em um relacionamento. Amado, este é o trabalho da Cruz em nossa experiência, preparar um caminho para o Senhor, para que Ele tenha um lugar mais amplo. A Cruz irá abrir um caminho para a paciência de Cristo, para a Sua perseverança, o Seu amor. Ela abrirá um caminho para Ele: e você não deve se ajoelhar todas as manhãs, dizendo: ‘Oh, Senhor, tira-me desse lar; desse emprego; dessa dificuldade!’. Pelo contrário, você deve dizer: ‘Senhor, se isto for a operação da Cruz em mim no dia de hoje, a aceito’. Enfrentando a situação desta forma, você encontrará força, vitória e a cooperação do Senhor, e terá fruto, não esterilidade. É neste sentido que o Senhor estava se referindo, ao tornar a Cruz numa experiência diária. “Qualquer que não tomar a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo” – ou seja, aquele é ensinado por Mim, aprende de Mim! [Lc 14:27]. Assim, aceitar a dificuldade, seja qual for, dia após dia, é o caminho no qual aprendo a Cristo, e esse é o processo da luz, da luz da vida, de conhecer, ver, e chegar à plenitude. Nós jamais podemos ver e conhecer nada à parte da Cruz. A Cruz precisa limpar o terreno desta vida natural. O Senhor sabe o que nós faríamos, caso Ele tirasse a Cruz de nós a cada dia. Até imagino o que seríamos capazes de fazer.
Esta pode não ser a mais recente fraseologia do Novo Testamento, quando me refiro à nossa cruz diária, ao tomar a cruz diariamente. O princípio seria que a Cruz que é dada a Ele e se torna minha, diariamente. Isto pode estar correto, porém só funciona da forma como falamos. Se o Senhor removesse aquilo que é a expressão da Cruz dos nossos ombros no nosso dia a dia, isso não concorreria para o nosso bem. Imediatamente abriria uma porta para uma insurreição da nossa vida natural. Podemos ver isso quando as pessoas conseguem um pouquinho de alívio nas lutas. Como elas retomam suas forças! Elas se empertigam, olham para você com ar de superioridade, a partir desse momento você está errado, elas estão certas. Orgulho, auto-suficiência, tudo isso vem à tona. O que dizer de Paulo? Olho para Paulo como um gigante, espiritualmente. Diante dele somos bebês espirituais, e ainda assim, sendo o gigante espiritual que foi, Paulo humildemente confessou que o Senhor lhe enviou um mensageiro de Satanás, para esbofeteá-lo, um espinho na carne, para que ele não se exaltasse além da medida. Sim, gigantes espirituais podem se exaltar, se o Senhor não tomar as devidas precauções, para manter o caminho daquela grande revelação aberto e claro, para que eles cresçam mais e mais. Por isso o Senhor disse: ‘Paulo, preciso mantê-lo humilhado, debaixo de grande limitação, é a única maneira; senão você começará a se levantar, limitando a luz, prejudicando a revelação.’
Esse é o princípio. A luz da vida. É a vida do Senhor. Mais uma vez, o apóstolo afirma:
“Levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo”. (2Co 4:10)
Sua vida é o que precisamos, e junto com a vida vem a luz. É a luz por meio da vida. Não há outra verdadeira luz Divina, apenas aquela que vem da vida de Cristo em nós, e ela vem por meio da Sua morte forjada em nós, que abre o caminho para a Sua Vida.
Veja novamente o propósito de Deus: luz, glória, trazendo a plenitude. Tudo está em Cristo. A medida da luz, da glória, será equivalente à medida de Cristo, e a medida de Cristo vai depender inteiramente do espaço que o Senhor pode ocupar em nós. Para que exista espaço para Ele, devemos chegar a um ponto onde a nossa vida natural seja totalmente entregue, e isso leva uma vida inteira. Mas, louvado seja Deus, haverá um ápice glorioso, quando Ele voltar para ser glorificado nos Seus santos e para ser admirado em todos os que creem [2Ts 1:10]. Admirado! Tendo a glória de Deus! Oh, que um pouco da luz daquela glória possa cair em nossos corações hoje para nos encorajar e nos confortar em nosso caminhar, para fortalecer os nossos corações para prosseguir no conhecimento de Seu Filho, por causa do Seu nome.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.