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A Administração do Mistério - Volume 2

por T. Austin-Sparks

Capítulo 6 – A Era do Segredo Escondido


“Em outras gerações não foi mnifestado aos filhos dos homens.”

“Desde todas as eras esteve escondido em Deus” (Efé. 3:5,9).

“que esteve oculto em todas as eras e gerações” (Col. 1:26).

Pode se ver que nós escolhemos a palavra alternativa àquela nas relevantes Escrituras, isto é, “Segredo” ao invés de “Mistério”. Nossa razão ao fazer isto é evitar a necessidade de gastar muito tempo esplicando que Paulo não estava pensando em termos de mistérios religiosos pagãos, tornando o Cristianismo uma religião como qualquer outra, com diferenças. Nem estava ele pensando em algo misterioso. Temos ouvido as pessoas falarem de um “Cristianismo místico” e de um “Corpo de Cristo místico”. Sentimos que tais termos são perigosos, porque abrem a porta mental para o misticismo, que é a falsa espiritualidade. O misticismo leva multidões de pessoas a uma posição totalmente falsa e enganadora, no que diz respeito ao Cristianismo. Queremos dizer aqui, com grande ênfase, que, ao contrário das muitas falsas definições sobre a Carta aos Efésios, que esta Carta está num outro mundo completamente diferente do misticismo! Ela é intensamente real e prática, e não há quaisquer ilusões sobre isto. Usar a palavra “segredo” serve para ser facilmente compreendido, ao passo que “mistério” sugere à mente comum algo distante da compreensão. Com “segredo”, o simples significado é que algo não era conhecido, por ser desconhecido, ou estar mantido em reserva. Isto será mais plenamente definido à medida que avançarmos. Neste capítulo nós estamos mais preocupados com o fato do segredo, não com a natureza dele, a qual será o assunto do capítulo a seguir. Quanto ao fato, por isto entendemos que ele definitivamente existia e sempre foi, em todas as coisas, a grande realidade na mente de Deus. Na verdade, ele estava implícito, se não explícito, em todos os caminhos e meios de Deus. Não era nenhum mito, mas uma realidade muito positiva. Era o significado oculto dos caminhos de Deus, e dos meios por Ele empregado. Nós, a quem o “segredo” ou “mistério” tem sido agora revelado, de fato achamos muito difícil usar o Velho Testamento sem dar este significado. Mas, para o povo daquela dispensação, com raras exceções de iluminação parcial, apenas os eventos, os instrumentos e os objetos eram conhecidos. Eles faziam coisas e empregavam coisas porque lhes eram ordenados fazê-las. Todo o sistema deles – dado por Deus – era objetivo, exterior. Até mesmo onde e quando havia sinceridade, devoção, reverência e zelo, a coisa acontecia através de formas e meios exteriores. O coração podia estar em algo, e podia haver forte convicção de que aquilo estava correto, contudo, a verdadeira compreensão espiritual estava ausente. A falta de compreensão spiritual podia significar – e frequentemente significava – má compreensão, e esta má compreensão levava a um comportamento rígido e até cruel.

Este fato é vizível de forma gritante nos dias em que o Filho de Deus esteve aqui em carne. Quase chega a parecer que o Espírito da Verdade teve – entre outras coisas – a deliberada intenção, ao inspirar os Evangelhos, de expor este fato terrível de que os homens podiam estar feroz e completamente comprometidos com as coisas exteriores e objetivas como tradição, rituais, dogmas, etc., e, ao mesmo tempo, estar completamente distantes de seu significado e valor espiritual. O apóstolo do qual estamos falando neste exato momento era anteriormente uma dessas pessoas. Na verdade ele achava que precisava fazer muitas coisas contrárias a Cristo, e ele veementemente fez o que acreditava ser o seu entendimento daquilo que a sua Bíblia exigia. É exatamente neste ponto que o apóstolo concentrou sua revelação em relação à mudança na economia Divina de uma era para outra. Este é o significado de suas palavras em relação ao mistério Escondido desde as eras e gerações. Ele conhecia, e ninguém conhecia melhor do que ele, a natureza e as características daquela economia do Velho Testamento. Era uma economia de externalidades, de rituais, vestimentas, liturgias, formalidades, lugares particulares, edifícios e localidades; homens vestidos de forma diferente de outros homens, nomes e títulos, classes religiosas, e mil e outras coisas que passaram a compor o sistema religioso; ordens, adornos e procedimentos. Era o sistema do visível, do tangível, do temporal e do palpável. Muito maravilhoso, elaborado, atraente, impressionante; os desfiles de sumo sacerdotes, sacerdotes e atendentes, com vestes, mitras e incensários, etc. Isto tudo era muito familiar para Paulo em sua vida anterior, e eram apenas coisas, ao lado do qual não havia nada comparável.

Agora, algo aconteceu que transformou tudo aquilo num sistema de sombras sem a substância: tudo – para ele – estava destituído de realidade, e pertencia ao passado, à infância. Sim, assim ele descreve em sua Carta aos Gálatas. Para ele, qualquer aproveitamento daquele tipo de coisa representava fracasso na compreensão da mente de Deus; fracasso no “crescimento”; fracasso na compreensão espiritual; um apego a coisas infantis: em uma palavra, era uma contradição ao próprio significado de Cristo e ao advento do Espírito Santo. Para Paulo a revolução foi radical e, embora ele amasse o povo daquele sistema prescrito, ele sentiu profundamente a falsidade da posição deles. Será em nosso próximo capítulo que iremos procurar mostrar o que era realmente aquilo que estava escondido das pessoas daquela era e daqueles que carregaram as características daquela era para além do tempo designado por Deus, para uma nova era, completamente diferente, até mesmo para o nosso próprio tempo.

No momento estamos tratando apenas com o fato inclusivo da ocultação. Há uma ou duas questões as quais temos que nos referir em particular. Uma tem a ver com aquilo que não estava escondido naquela era. Isto é necessário, a fim de chegarmos ao “segredo” essencial.

A vinda e a expectativa do “Messias”, o “Cristo” (a mesma palavra em diferentes línguas) certamente não era nenhum mistério. Aquela “semente” tinha sido prenunciada imediatamente após o pecado ter entrado (Genesis 3:15) e Moisés tinha profetizado sobre o nascimento do Profeta (Deut. 18:15). Referências à vinda dEle são muitas: Seu nascimento, Sua vida, Sua unção, Seus sofrimentos e Sua glória.

Então, não havia qualquer segredo quanto à salvação sendo pregada aos gentios. Esta não é uma verdade exclusiva do Novo Testamento, nem uma parte do Mistério agora revelado. O mesmo é verdade em relação ao Reino de Deus. Isto não é um fato tornado conhecido pela primeira vez no Novo Testamento. Há outras coisas no Novo Testamento que também são muito evidentes no Velho.

Outra coisa que precisa ser enfatizada, por não ter mudado nas duas eras: é a lei básica de tudo aquilo que se relaciona a Deus. Alguma confusão tem vindo à mente de muitas pessoas em relação à mudança da lei para a graça. Tudo tem sido corretamente dito quanto a nós não estarmos mais debaixo da lei, mas sim debaixo da graça, porém, a idéia principal tem falhado ao afirmar que o princípio fundamental também mudou com as dispensações. Isto não é verdade. O princípio, ou a lei, que é a mesma em cada era é a fé. A fé não é uma lei menos governante no Velho Testamento do que o é no Novo; e não é mais importante no Novo do que era no Velho. No Velho Testamento, não eram as obras em si que justificavam. Nem em Abel, Enoque, Noé, Abraão, nem em qualquer outro da galeria mencionada em Hebreus onze era o que eles faziam que lhes dava acesso a Deus (embora houvesse um real valor naquilo que eles faziam), mas era a fé em Deus que era virtuoso. As obras sem a fé são tão ineficazes como o é a fé sem as obras. Não há qualquer conflito entre Paulo e Tiago. Eles são apenas os dois lados de uma mesma coisa. (Talvez Tiago fosse mais legalista do que Paulo) A chave para cada aprovação no Velho Testamento é “Ele creu em Deus”. É muito claro que Deus colocou esta lei por baixo e por trás de tudo. Mudanças muito significativas existem nas duas dispensações, é verdade. No Velho, Deus abençoava de formas temporais e materiais. Obedeça a Deus; seja fiel aos mandamentos de Deus, e a benção estará sobre o “teu cesto e sobre a tua amassadeira”; sobre a tua família e sobre o teu campo. A prosperidade estará no teu trabalho e haverá facilitação para o teu sucesso. Mas, por baixo de tudo isto, havia a lei da fé. Ela é imutável com o tempo. Nenhum novo princípio foi revelado a Paulo. Isto nada tem a ver com a “revelação” em particular por ele recebida. O “segredo” está além disto, embora sua doutrina da justificação fosse admitidamente revolucionária e perturbadora. Ele apenas tornou dominante a fé na obra completa de Jesus Cristo, por isso o encerramento de uma velha ordem de coisas. Naturalmente, é necessário muito tempo e espaço para se elucidar a doutrina da justificação de Paulo, mas isto ele já fez para nós. Estamos dizendo que “o mistério”, como revelado a Paulo, particularmente não é uma nova idéia sobre a lei da fé, embora a base da fé possa ter sido literalmente mudada, das obras dos homens para a obra consumada de Cristo. As obras em si mesmas não justificam, mas o homem justificado pratica as obras da fé.

É importante e útil saber que, na velha era, Deus não operava com uma mente diferente daquela que Ele opera agora nesta presente era. Sua mente é imutável em sua natureza e propósito. Se o Seu método e meios mudam, Seus pensamentos e objetivos permanecem o mesmo de eternidade a eternidade. Só porque Ele esconde estes conceitos numa era, isto não significa que eles não estão implícitos em tudo aquilo que Ele escolhe e usa. O que vem à luz na dispensação subsequente não é nada novo, no sentido de nunca terem sido nas movimentações de Deus. É apenas o que Deus tem consistentemente trabalhado o tempo todo desde o início. Assim, quando o segredo é revelado, somos capazes de vê-lo na maneira de Deus tratar as pessoas, povos e coisas desde o princípio. Não há pensamentos posteriores com Deus.

“A lei soberana no reino dos céus é como um TESOURO que UM HOMEM achou num campo, e o ESCONDEU, e, em sua alegria, vendeu tudo o que tinha e COMPROU aquele campo”. (Mat. 13:44 — tradução livre).

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