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A Administração do Mistério - Volume 2

por T. Austin-Sparks

Capítulo 5 – O Trágico Interlúdio


Mencionamos que entre o “antes dos tempos eternos” e a primeira era de tempo aconteceu algo que afetou de forma trágica todo o curso dos eventos. A Bíblia tem muito a falar sobre isto, e Paulo, em suas três últimas cartas (excluindo aquela a Timóteo, Tito e Filemom) dá um importante lugar e significado a este evento. Nós nos referimos à invasão do universo pelo

Grande Cisma

Quanto à Carta em particular com a qual estamos ocupados, há três alusões a este rompimento cósmico.

A primeira, e este é um fator supremo no significado de Cristo, encontra-se numa frase bastante curta. O contexto maior é este (capítulo 1:9,10): “descobrindo-nos o mistério da Sua vontade, segundo o Seu beneplácito, que propusera nele (Cristo), na dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as coisas nos céus e na terra; nele, digo ...” A frase que queremos é “convergir todas as coisas em Cristo”.

A palavra (um longo composto grego) “convergir” significa “trazer de volta e reunir em torno do ponto principal”, isto é, “em Cristo”. Isto significa reunir “todas as coisas”. Na carta companheira, Colossenses, Paulo diz: “Pois nele todas as coisas foram criadas, nos céus e na terra” (1:16). Isto significa que originalmente todas as coisas estavam no Filho de Deus. Para que pudesse ser dito que na plenitude dos tempos todas as coisas serão reunidas ou trazidas de volta nele, significa que algo aconteceu e removeu as coisas de Cristo. Oh, quanta coisa há que nos mostra isto! Jesus disse que Ele veio para “buscar e salvar o que havia sido perdido”. Ele deu uma parábola dos lavradores maus que mataram o herdeiro, a fim de se apropriarem da herança. Jesus disse que “todos os que vieram antes de mim são ladrões e salteadores” (João 10:8). Este é um aspecto da verdade que possui muito ensino nas Escrituras. Algo foi feito para roubar o lugar e o direito do Filho de Deus no propósito eterno de Deus, tornando necessário reunir, rejuntar. Voltaremos a isto mais tarde.

A segunda coisa a apontar este grande evento e a mostrar a ruptura é o estado, a condição contra a qual o propósito revelado nesta carta se coloca. É um quadro horrível.

“Mortos em vossos delitos e pecados,” “andastes Segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência ... nos desejos da nossa carne ... por natureza éramos filhos da ira” (Efé. 2:1–3). “Naquele tempo estáveis separados de Cristo ... sem esperança e sem Deus no mundo” (2:12) ...como caminham também os gentios, na vaidade dos seus pensamentos, entenebrecidos no entendimento, alienados da vida de Deus ... havendo perdido todo o sentimento ... entregaram-se à lascívia e impureza” (4:17,19). Como surgiu tudo isto se todas as coisas estavam originalmente no Filho de Deus? Tudo isto está fora e separado de Cristo! Seguramente podemos dizer: “Um inimigo fez isto”.

Muito bem: passemos à terceira coisa nesta carta que aponta para o grande cisma. Quão conhecidas são as palavras, porém, quão pouco conhecido é o seu vasto e sinistro contexto. “A nossa luta não é contra a carne, nem contra o sangue, mas contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais”. “Estai firmes … e, após feito tudo, permanecer firmes” (Efé. 6:12–14).

As relações entre o Filho de Deus e todo poder que pertença ao Maligno e suas hostes estão tão extremecidas e interrompidas que é impossível haver algum apaziguamento, ou compromisso, ou amizade, enquanto este poder do mal não seja totalmente destruído. Este grande cisma teve início em algum lugar fora desta terra; e, então, invadiu a terra, e tem sido a fonte e a causa de todos os cismas e disrupções na história. A Bíblia rotula este ser responsável pelo cisma de Satanás, o Diabo.

Por algum tempo, o racionalismo, a teologia liberal, a psicologia e certos filósofos ridicularizaram da existência pessoal do Diabo, e aquilo que a Bíblia atribui a ele era explicado como apenas neurose e complexos; isto é, o mal nada tem a ver com espíritos malignos ou “Satanás”, trata-se apenas de distúrbio nervoso. Demonologia é apenas uma forma de mitologia. Assim, Satanás jogou seu truque de mestre ao persuadir os homens a crerem que ele não existe. Porém, o mundo tem tido alguns choques na história recente, e tem havido um positivo desmascaramento da mais terrível malignidade neste mundo e no comportamento humano. Não apenas naqueles campos chamados de “selvagens”, “não civilizados” e “atrasados”, mas, por pura diabrura, maldade e crueldade calculada, nada tem sido pior do que aquilo que tem acontecido entre aquelas pessoas consideradas “cultas” e “avançadas”. O próprio “avanço” (?) científico dessas pessoas tem sido empregado para se cometer os horrores mais inadimissíveis. Poderíamos escrever muitas páginas a respeito, mas nos abstemos. A Bíblia está muito correta ao mostrar a forma de agir deste mundo, e também ao revelar este poder pessoal maligno que está sempre mal disposto em relação à humanidade, particularmente aqueles que se aliaram ao Filho de Deus. A batalha por unidade é um conflito doloroso e desgastante. A disrupção entre as nações se dá em passos acelerados, e entre o povo de Deus não há nada tão sagrado que possa escapar desta determinação cósmica de impedir a menor aproximação de amizade com Deus. Naturalmente, há muitas “sociedades” e “fraternidades” que ainda restam, mas Satanás não está nada contente. Não cometamos erros a respeito desta questão. A Bíblia não nos deixa dúvidas disto, ao final da era, cada element do universo irá assumir traços inconfundíveis de intensificação. Isto, naturalmente, é lógico somente se o final for plenitude em cada conexão. Seja qual for a sua interpretação de Apocalipse 12, precisamos observar que o encurtamento do mandato de poder de Satanás é marcado pela vinda da grande ira a terra (Apo 12:12)

Mas, retornando a “Efésios”, o grande sumário da história espiritual. Devemos observar particularmente que o apóstolo traz, em plena e definitiva declaração, que a Igreja — o Corpo de Cristo — está envolvida nesta guerra das eras e tudo o que ele escreveu leva a isto. É como se ele dissesse: “Tudo o que tenho escrito sobre os conselhos eternos de Deus; o lugar e o propósito dos eleitos — o Corpo de Cristo; a redenção deste Corpo e a sua união com a sua Cabeça; sua vida, característica, caminhada e trabalho nesta dispensação; e o grande objetivo e propósito estabelecido de Deus para reunir no final todas as coisas em Cristo é o objeto e a ocasião de um imenso, incansável e cada vez mais intenso conflito, no qual invisíveis e incontáveis forças do mal estão implacavelmente se opondo ao propósito e a tudo a ele relacionado”. Paulo diz isto por causa do ministério confiado a ele, que é o de tornar conhecido tudo aquilo ao qual ele estava preso e fora feito prisioneiro. Ele mostra que este antagonismo de inteligências espirituais será direcionado a tudo que tenha relação com o serviço cristão, e isto implica que, se os ministérios não forem apenas “departamentos” ou aspectos do Cristianismo, mas um todo corporativo, solidamente inclinado a um único objetivo (Efé. 4:13), este caráter corporativo irá constituir a mais séria ameaça ao reino do mal, no sentido de remover todo o seu veneno, bem como quebrar e neutralizar todos os seus esforços. O apóstolo define esta oposição como “astutas ciladas do Diabo”. Ele, então, contrapõe um contra o outro, a armadura de Deus e as astutas ciladas do Diabo. É a provisão de Deus para enfrentar as “artimanhas” satânicas. Por meio de meios simbólicos, Paulo mostra a natureza dessas “artimanhas”. Do lado positivo, Divino, os pontos de ataque são “Verdade”, “Justiça”, “Paz,” “Fé,” “Salvação,” “A Palavra de Deus”. Contra toda forma de mentira sutil, Deus providencia o cingir-se com o Espírito da VERDADE. Contra as acusações e condenações do curacao, Deus prove “A JUSTIÇA de Deus através da fé em Jesus Cristo”. Contra o medo que torna a caminhada, os pés, instáveis e inseguros, Deus prove “a PAZ de Deus, que exceed a todo o entendimento”. Contra as sugestões, idéias, pensamentos, imaginações e raciocínios que atacam a mente — a cabeça, Deus provê SALVAÇÃO por meio da Graça. Contra os ataques à credibilidade das promessas de Deus, Ele faz com que o Espírito Santo rebate e retalie com a certeza da PALAVRA. “Sobretudo”, e em relação a tudo, Deus diz ‘tomando, sobretudo, o escudo da FÉ’. Mas, observe, Deus não vestiu o seu povo com toda esta armadura; Ele simplesmente colocou-a a nossa disposição, e, então, diz: “tomem para vocês”. Precisa haver uma iniciativa da nossa parte, pois a passividade não é condizente com a batalha. Queira Deus que, quando estes dardos inflamados começarem a voar, nós, instintivamente, lancemos mão e nos apropriemos da nossa arma de defesa! Devemos estar conscientemente vestidos com a nossa armadura.

Como dissemos, Paulo, em suas últimas cartas, deu muita ênfase a este conflito das eras; não podemos encerrar este capítulo sem uma referência a “Filipenses”. Em “Colossenses” tal conflito é óbvio (ver 1:13,20; 2:15), mas em “Filipenses” ele é mais por inferência e alusão. Cremos que, quando Paulo, ao escrever sobre o auto esvaziamento do Filho de Deus, que “embora Ele fosse igual a Deus, porém não usurpou ser igual a Deus, mas ezvaziou-se a Si mesmo” (2:6), o apóstolo estava fazendo uma alusão à ambição orgulhosa de “Lucifer” em querer ser semelhante ao Altíssimo (Isa. 14:14; Lucas 10:18). Se esta for uma interpretação correta, (cf. 2 Ped. 2:4 e Judas 6), então o cenário em Filipenses 2, em consonância a outro ensino no Novo Testamento, é aquele do Filho de Deus tornando-se o Filho do Homem, assumindo a forma humana, a fim de travar este combate com o usurpador.

“Um último Adão veio à luta e ao resgate”.

E Paulo, um “bom soldado de Jesus Cristo,” na mesma carta (Filipenses 3) prossegue em mostrar que o caminho da vitória é aquele onde “consideramos todas as coisas como perda”.

Vamos resumir.

“Antes da fundação do mundo” houve o Conselho Divino, chamado de “O beneplácito de Sua vontade,” “O mistério da Sua vontade,” “O propósito daquele que opera todas as coisas segundo o conselho de Sua vontade”, “o propósito eterno” (Efé. 1:4,5,9,11; 3:11). Nessas deliberações, algumas decisões bastante definidas foram tomadas. Tais decisões foram bipartites.

1. O Filho de Deus foi “nomeado como herdeiro de todas as coisas”. A esfera e domínio de todas as coisas (Heb. 1:2; Efé. 1:10,11).

2. Um povo eleito foi “escolhido” no Filho para ser o Seu complemento, para ser um vaso corporativo de Sua expressão e administração, denominado Seu Corpo, Sua Noiva, Sua Igreja, etc.; vocação sendo a idéia desta eleição e predestinação (Efé. 1:4,23; 5:25–32; 4:1).

3. Subsequentemente a esta nomeação e eleição dupla, surgiu uma grande revolta entre os seres celestiais, liderada alguém de posição muito elevada, provavelmente quase próxima ao topo. Orgulho e ciúme acerca da designação do Filho foram as causas desta revolta, o lugar de “igualdade com Deus” sendo aspirado por aquele ser mais elevado. Ele, e as hostes em cumplicidade com ele, foram expulsos do céu e “não guardaram o seu primeiro estado” (Judas 6, A.V.). O cisma, a ruptura e a divisão no céu trouxe a ira de Deus sobre eles, causando uma eterna e mortal inimizade no líder deles contra o Filho de Deus e contra a humanidade, o pretendido e potencial vaso de Sua glória. Então, a humanidade foi atingida já no início, após a criação, e a especial inimizade foi focada naqueles que mantinham a fé em Deus e traziam as características do Filho de Deus. Como inicialmente, assim também através de todas as eras, o único objetivo e a única atividade do inimigo tem sido separar, dividir, desintegrar a humanidade, e mais particularmente os “eleitos”, o povo de Deus. O objetivo é neutralizer o propósito de Deus e o Seu vaso ungido e escolhido. Nesta batalha acirrada, a Igreja é vista como estando profundamente envolvida. Deus fez uma provisão total, a fim de que a Igreja possa enfrentar e se manter firme contra o grande inimigo. Este é um resumo geral do real ensino e implicações de um aspecto desta “Carta aos Efésios”.

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