por
T. Austin-Sparks
Capítulo 4 - A Necessidade do Novo Nascimento
João 2:1-11; 3:1-21; 4:1-26; 1:4.
Continuando com nossa consideração a respeito das “Grandes verdades e suas Leis” no Evangelho de João, chegamos ao capítulo quatro, passando de Nicodemos para a mulher de Sicar, da Judéia para Samaria, com uma conexão espiritual entre esses dois. É interessante perceber a pouca importância dada ao tempo e ao espaço nessa realidade espiritual do Evangelho de João. Os registros do capítulo quatro seguem o capítulo três. Há uma pequena declaração de que o Senhor, por causa da insurgência de certa hostilidade por parte dos Fariseus na Judéia, deixou essa região e tomou o caminho em direção a Galiléia. Na última parte do capítulo três encontramos certas observações feitas por João Batista, e depois um comentário de João, o escritor da carta, sobre as palavras de João Batista, e, a partir de certo ponto, é difícil saber se é João ou Cristo que está falando, já que as palavras dos dois se misturam. No entanto, é importante notar que, apesar dessa pequena referência intermediária, existe um espaço considerável, tanto de tempo como geográfico, sem qualquer referência do autor, porque o Senhor passou nove meses na Judéia. Ou seja, a partir do momento em que encontrou com Nicodemos em Jerusalém aqueles nove meses parecem não ter existido, já que Jesus é encontrado agora em Samaria, no poço de Jacó, na região de Sicar, se dirigindo para Galiléia. Perde-se de vista o tempo, e a geografia ocupa um lugar secundário. É importante manter em mente o que já dissemos, que quando chegamos à “João”, tocamos uma realidade diferente se comparada com os outros Evangelhos, os quais estão muito mais relacionados com as coisas terrenas, com o tempo e o espaço. Em “João”, nós entramos em uma realidade de coisas espirituais, onde a geografia não conta muito e o tempo deixa de ser um fator dominante; entramos na sequência de uma história espiritual. E então, nos encontramos saindo da história de Nicodemos para a história da mulher Samaritana, por meio de uma rápida transição, mas com uma conexão espiritual, uma bastante clara e definida conexão espiritual entre os dois, indicando que João está escrevendo uma história espiritual. Não se trata de uma história dentro da escala do tempo ou relacionada a coisas daqui da terra, mas é uma história das coisas que são eternas. É muito interessante, importante, valioso e de grande ajuda percebermos isso em nossa leitura deste Evangelho. É a ordem espiritual da história que está diante de nós aqui, qual seja: Caná na Galiléia, Nicodemos em Jerusalém e a mulher em Sicar.
O nosso objeto imediato de análise vai de Nicodemos para a mulher de Samaria. Quando estávamos no capítulo dois, na cena de Caná da Galiléia, dissemos que a transformação da água em vinho no casamento era algo inclusivo de todas as coisas que se seguiam no Evangelho. Aquele sinal, aquele evento, aquele incidente em Caná da Galiléia compreende o Evangelho, e tudo o que se segue pode ser encontrado como uma semente em Caná. Agora, então, veremos como isso é verdade nesses dois casos.
Referindo-nos ao capítulo três, Nicodemos corresponde ao vinho que acabou. Pense nisso por um momento. Nicodemos vem de toda a plenitude da vida religiosa natural, moral, eclesiástica e intelectual. Ele se apresenta ao Senhor Jesus como um modelo humano na esfera da velha criação, até mesmo no conceito religioso. E, o motivo pelo qual Nicodemos chega até ao Senhor é muito instrutivo para nós. Ele deseja ser ensinado, quer aprender algo a mais, e o Senhor Jesus irrompe instantaneamente como que dizendo: “Nicodemos, isso é impossível para você. Nunca chegaremos a lugar algum na esfera em que você se encontra. Você precisa nascer do alto. Você nunca poderá aprender coisa alguma de Mim, antes que nasça do alto e obtenha, como Eu, essa união com o que é celestial, porque Eu sou do alto”. Então quando Nicodemos está no seu melhor, o velho vinho acaba e o vemos evidentemente desconcertado. Isso foi o que aconteceu nas bodas, com respeito ao vinho velho que havia acabado. Houve um impasse, uma interrupção da possibilidade de se prosseguir, e podemos traduzir essa atmosfera assim: ‘Bem, não temos como continuar nessa esfera, com este recurso que temos, com esses meios; não temos como prosseguir’. Nicodemos corresponde ao vinho que acabou e ao milagre de nascer do alto. Essa é a intervenção de Cristo em conexão com a expressão “Minha hora”. A hora do Filho do Homem é a hora quando Ele leva realiza aquilo que torna possível o novo nascimento.
Por que um Novo Nascimento é Necessário?
O Senhor prossegue. Ele não apenas mostra que há um impasse e que Ele não pode ir a qualquer lugar com Nicodemos, assim como Nicodemos não pode prosseguir com Ele, a não ser que seja na base do nascimento do alto, e Ele prossegue mostrando por quê. Ele lança sobre o pobre Nicodemos a desonra da situação ao continuar falando a respeito da serpente no deserto. Sabemos que tal serpente representa os pensamentos de Deus a respeito do homem. Ela é levantada, elevada sobre um poste: “E do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto...” [Jo 3:14]. Devemos lembrar que a serpente é algo amaldiçoado porque é simbolicamente a personificação do pecado. Amaldiçoada e elevada. Oh, a terrível natureza de sua interpretação: “... assim importa que o Filho do Homem seja levantado”. Precisamos da explicação de Paulo: “Cristo... fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar” [Gl 3:13]. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós” [2Co 5:21]. Então Ele foi feito maldição, pois está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro” [Gl 3:13; Dt 21:23]. Se quisermos conhecer mais a respeito da terrível abrangência dessa maldição, precisamos ler Deuteronômio, capítulos 27 e 28. Tudo se resume em uma única coisa, que é no não fazer a vontade de Deus, não obedecer aos mandamentos do Senhor. E o Senhor, que veio com prazer fazer a vontade de Deus, de Seu Pai, e a fez perfeitamente até o ponto de entregar Sua vida voluntariamente no lugar do homem, que havia falhado completamente em fazer a vontade de Deus. Assim Ele recebeu a maldição de Deus, foi excluído da Sua presença em julgamento. Ele representou o homem, no estado humano e, debaixo daquela maldição e julgamento, representou também o pensamento de Deus a respeito do homem em sua natureza. Colocando tudo isso sobre Nicodemos, descobrimos um terrível embate para um homem como ele. O Senhor vai direto ao cerne da questão com Nicodemos. Uma morte tomou o lugar; um lugar inferior de morte havia sido alcançado debaixo de condenação e julgamento. Podemos dizer que o marco zero foi atingido.
A Verdade a Respeito da Vida Eterna
O caminho é preparado para a questão que será considerada a seguir: a vida eterna. Essa é a transição de Nicodemos para a mulher de Sicar. João 3:36 é o último verso do capítulo e é o elo entre os dois capítulos: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”. Essa é a serpente no deserto. Passando para o verso 14 de João 4: “Aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna”. Quando o lugar de morte, o marco zero, é atingido, então a vida eterna pode ser vista, mas nunca antes disso, e é isso que Sicar representa. Sicar traz à tona o ensino a respeito da vida eterna. Essa é a segunda verdade – a vida eterna. Não há necessidade que retornemos à Caná da Galiléia. Podemos ver, de forma muito patente, a vida vinda da morte; vida jorrando do marco zero. O Senhor Jesus fez uma pausa muito definida aqui. Sua mãe havia dito: “Eles não têm mais vinho” [Jo 2:3], e Ele não prosseguiu com o curso natural das coisas sem permitir um sentimento de conclusão e encerramento, Ele fez uma pausa. Sim, esse é o fim, essa é uma realidade, uma história. Essa pausa está relacionada a “Minha hora”, e essa expressão, “Minha hora”, está sempre relacionada com a Cruz. A Cruz sempre será uma grande pausa na história deste universo – Silêncio no céu. Uma história foi encerrada. Temos uma lacuna, não uma continuidade; e então uma nova história começa. O Senhor Jesus disse a Sua mãe: “Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora” [Jo 2:4]. Temos uma pausa e depois uma fala trazendo algo novo. Não se trata de acrescentar algo ao velho no final da festa, mas sim de fazer algo totalmente novo. Esse é um princípio usado pelo Senhor: “Não se põe vinho novo em odres velhos... Mas põe-se vinho novo em odres novos...” [Mt 9:17]. Temos algo totalmente novo vindo à tona. Vinho novo, algo diferente do que se tinha antes.
Descobrimos, então, que no capítulo somos trazidos à doutrina da vida eterna, doutrina essa que, se considerada exaustivamente, ocuparia muitas páginas, mas que por ora deve ser abordada em poucas linhas, resumida em uma ou duas declarações compreensivas.
O Significado da Vida Eterna
O que é a doutrina da vida eterna? Em uma declaração, vida eterna é a necessidade de se ter internamente o que é de Deus, como base para tudo o que é relacionado a Deus em vida, comunhão, serviço e futuro eterno. A questão com Nicodemos era a respeito da entrada no Reino de Deus. Vemos que o Reino de Deus é uma condição, um estado, antes de ser uma realidade. Somente o que é de Deus entra no Reino de Deus. A esfera de Deus é aquela na qual nada mais é obtido além de dEle mesmo. Através da morte, no capítulo três, nos movemos para o lugar onde vemos qual é a base para a realidade de Deus, o que é se relaciona com todas as fases de nossa relação com Deus; qual seja, a vida de Deus, a vida Divina, conhecida como vida eterna. Ela, estando dentro de nós, é a base sobre a qual todas as atividades e operações de Deus se processam. Seremos unidos ao Senhor? Bem, esse é o primeiro passo na vida do crente. Essa é a primeira fase da vida espiritual, da verdadeira vida Cristã: Ser unido ao Senhor. A natureza da união com o Senhor é o repartir de Sua própria vida, da vida Divina nos unindo a Ele mesmo. Não é algo que foi retirado Dele e dado a nós, porque a vida nunca pode ser cortada em fragmentos e distribuída; a vida é uma, uma em sua essência, e isso faz com que ela seja uma unidade orgânica entre todas as partes onde ela penetra. Trata-se da vida de um corpo, não algo organizado, mas orgânico. Então, a união com Deus acontece por meio do recebimento da vida de Deus.
Queremos um relacionamento com Deus, que é algo além da união, mas uma vida de comunhão? Isso se dará apenas sobre a base da vida de Deus dentro de nós. Deus terá comunhão com aquilo que é dEle mesmo em nós. Deus nos trará para dentro de um relacionamento com Ele, colocando algo dentro de nós com o qual Ele pode ter comunhão. Deus não pode se relacionar com a carne, com o homem natural. O relacionamento de Deus é com aquilo que é essencialmente dEle mesmo, e que nos é dado como dom de Deus, que é a vida eterna em Jesus Cristo nosso Senhor.
Desejamos servir ao Senhor? O mesmo princípio se aplica aqui: relacionamento real com Deus em serviço acontece somente sobre a base da vida ativa e energética de Deus em nós. Paulo falou sobre isso: “energia que energiza poderosamente em mim”[1]; e então disse que Deus é “poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que OPERA EM NÓS” [Ef 3:20]. Este é o lado do serviço vocacional ativo. O agir de Deus baseado em um princípio de energia (considero no momento como uma concessão de energia). Serviço demanda vida Divina em nós, e vida Divina é a base para o serviço Divino. Muitos de nós já provamos que por intermédio da vida Divina podemos fazer aquilo que é totalmente impossível para nós em nossa vida natural. Muito frequentemente a vida Divina surge como nosso recurso quando estamos quase mortos, nos capacitando a fazer coisas que são espantosas para nós e para qualquer um que conhece nossa história interior.
Desejamos conhecer o Senhor mais plenamente? Isso só será possível sobre esse mesmo princípio: “A vida estava nele e a vida era a luz dos homens” [Jo 1:4]. Alargamos o nosso conhecimento espiritual do Senhor à medida que a vida de Deus pode crescer e se mover em nós de forma desimpedida e ininterrupta, e na medida que não colocamos nenhum obstáculo em seu caminho pela desobediência às reivindicações e demandas dessa vida. Vida emite mais vida. Encontre um crente, um filho de Deus, que caminha livre, desimpedido, de forma poderosa e transparente com o Senhor em espírito, sem preconceitos, sem questionamentos, sem controvérsias, sem desobediência, e você descobrirá que esse filho de Deus está entrando em um conhecimento cada vez maior de Deus. Encontre um filho de Deus que colocou dificuldades no caminho do Senhor pela desobediência, reservas, hesitações, limitações, rebeliões, e você notará duas coisas se seguindo instantaneamente: a limitação da vida, e a obscuridade no entendimento. É sempre assim, as duas coisas andam juntas.
Temos a esperança da ressureição eterna? Bem, a ressureição para a vida é baseada exclusivamente sobre o fato de já termos a vida eterna dentro de nós. Isso não significa que aqueles que não obtiveram vida eterna não serão ressuscitados dentre os mortos para o julgamento. Sim, eles serão! Mas, assim como Paulo, João faz uma distinção: “os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida”. Literalmente “ressureição de vida”. “Os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo” [Jo 5:29] – a ressurreição do julgamento eterno. Existe a ressurreição da vida e existe a ressureição da morte. A ressureição para dentro da vida eterna tem como base o fato de termos a vida Divina em nós. Esse foi o argumento de 1 Coríntios 15. Um corpo ressurreto será formado em torno de uma semente, aquele germe deve estar lá. Algo deve existir ali para ser revestido. Paulo fala a respeito desse revestimento dele mesmo e de todos nós. O que será revestido? O espírito vivo habitado pela vida de Deus. Não existe esperança de ressurreição eterna apenas na base de já possuirmos a vida ressurreta. A vida de ressureição será dada a um corpo ressurreto. O corpo ressurreto evidenciará a vida ressurreta, por isso precisaremos ter agora ressurreição espiritual para ter ressurreição física e glorificada mais tarde.
O resumo de tudo isso é que a doutrina da vida eterna é a necessidade de se ter o que é de Deus dentro de nós, como a base para tudo em relação à Ele mesmo. Dito isto, cobrimos toda a base da doutrina da vida eterna. No entanto, será de grande ajuda para você nessa questão se puder ir ao Novo Testamento com uma concordância, ou se for possível ler na língua original, buscando pela única palavra que é usada para vida eterna. Você descobrirá inúmeros detalhes e verá quão cheio de luz é o Novo Testamento a respeito dessa doutrina, e quão variadas são suas aplicações.
Tendo exposto amplamente a verdade a respeito da vida eterna, vamos nos aprofundar mais nosso capítulo, para olhar, por um momento, para o local estabelecido para esse ensino, e qual foi o ensino do Senhor em relação a isso. O local ilustra muito bem a ausência de vida eterna. Podemos observar isso de diversas perspectivas, se quisermos. Olhando a partir do ponto de vista espiritual, a condição dessa mulher representa um permanente senso de carência. Tal senso é contínuo, persistente, não importa o que ela faça. Há uma atmosfera de anelo, de aspiração por algo mais. Pode até ser que ela conscientemente não estivesse entendendo seu próprio coração., talvez ela sequer conseguisse interpretar os sentimentos mais profundos de seu coração, mas, sem dúvida, em torno desse incidente havia uma atmosfera de carência, um senso de anseio e aspiração. Isso está bastante claro. O Mestre teve apenas que tocar no assunto de satisfação, e ela instantaneamente disse: Ah! Isso é o que quero conhecer. Sim as atividades da vida não a satisfaziam esse senso de carência. “Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la”. De fato, é como que se dissesse: “Eu venho aqui a todo tempo buscar água, mas minha contínua atividade em direção à satisfação dessa carência sempre me desaponta, nunca alcanço meu objetivo; nunca chego ao ponto de sentir ou dizer: agora tudo está feito e nunca mais preciso fazer isso novamente”.
Se pudermos compreender aquilo que está nossos próprios corações, poderemos entrar na atmosfera desse capítulo. Se pudermos perceber a vida espiritual do mundo, veremos que é exatamente assim. Talvez haja uma carência não interpretada nem reconhecida em toda raça humana. Existe esse senso, conhecido ou não, de que há algo incompleto nas coisas, de que alguma coisa deveria acontecer, mas não acontece. Essa vida tem algo obscuro em sua essência, uma atração para alguma coisa que nunca se alcança. Há uma aparência ilusória nessa vida. É como que se precisássemos ter algo que é inatingível. Sentimos isso, independente de expressamos ou não em palavras. Nos esforçamos, empreendemos diversas atividades nessa busca por algo que sentimos ser necessário para trazer um fim a essa carência, que saciará essa persistente deficiência de vida. Essa vida é deficiente em sua natureza. Tudo que empreendemos nessa nessa busca pelo que é supremo parece não ser bem sucedido, entra em colapso. Essa é a visão a partir do ponto de vista espiritual. Essa é uma evidência da carência da vida eterna.
Vamos olhar agora para o ponto de vista moral. A vida dessa mulher estava totalmente em desarmonia com o padrão de Deus. Sabemos da sua história. O Senhor Jesus era sensível a isso. Ele não era grosseiro, vulgar, desagradável, e, ainda assim, logo trouxe a história da mulher à tona. Ele tirou o esqueleto do armário e o expôs, não permitindo que ficasse encoberto. É essencial, no caminho para a vida, que cheguemos a um lugar onde reconhecemos quão fora de harmonia estamos do padrão moral de Deus. “Vai, chama teu marido”. “Não tenho marido”. “Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido”. “Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és profeta”. Podemos perceber seu truque para desviar a atenção. “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Ela se deparou com um desafio e passou a falar a respeito dos santos, colocando-os um contra o outro. Aquela mulher adotou uma linha doutrinária, lógica e eclesiástica como uma barreira para o assunto abordado pelo Senhor. As pessoas fazem isso quando começam a ser encurraladas pelo Senhor com relação aos seus pecados, começando a discutir sobre os santos, assuntos religiosos, a fim ocultar o problema; mas o Senhor sabe como lidar com situações como essa. Mas veremos isso mais adiante. O caminho para a vida eterna não é apenas reconhecer o fato de que existe um persistente senso de carência, mas ver que essa carência está em desarmonia com Deus, e que moralmente, em nossa natureza, não representamos o Seu padrão.
Se você acha que o caso dessa mulher é extremo, Oh! Lembre-se que isso é apenas uma questão de nível, de grau, pois o Senhor apresentou a serpente do deserto para Nicodemos afirmando que esse é o ponto de vista de Deus, até mesmo para alguém como ele. Talvez não seja necessário nos colocarmos na categoria dessa mulher com seus pecados, mas, moralmente, somos exatamente iguais, em nossa natureza. Estamos distantes de Deus, seja qual for o nosso caso, sejamos como Nicodemos ou como a mulher de Sicar. O que quero dizer é que o padrão de Deus e mínimo irredutível é Seu Filho, a perfeição de Cristo. Você pode se comparar a isso? Algum homem pode se comparar a isso? Nem Nicodemos, nem essa mulher podem se comparar a esse padrão. É só uma questão de nível, de forma de expressão, mas a separação moral de Deus é simplesmente a mesma. Você pode dizer: “Como alguém pode ser salvo se a perfeição de Cristo é o mínimo irredutível de Deus?” Devemos nos deparar com essa questão antes de continuarmos com essa história: O que Cristo é?
Então, vamos olhar para essa história sob outro aspecto, o religioso. Como uma porta dos fundos para sair desse assunto embaraçoso e dessa situação delicada, aquela mulher começa a discutir sobre religião, mas ela revelou algo ao introduzir esse assunto. “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Bem, essa é a tradição sem poder. “Nossos pais adoravam neste monte...” Qual foi o efeito moral ou espiritual disso sobre ela? Qual era o efeito sobre aquela mulher esse fato de um templo no Monte Gerizim, uma cópia das Escrituras do Velho Testamento e a adoração de seus pais? Não tem utilidade nenhuma para nós dizer que ‘meu avô foi um grande santo e meus pais são bons cristãos’. Essa não é a porta de saída. Até agora, ela estava preocupada apenas com meras tradições destituídas de poder. Isso não lhe trouxe satisfação nem libertação moral e, olhando do ponto de vista religioso, a religião era mais um inimigo dela do que um aliado. A religião não a ajudava em nada. A religião de seus pais não significava nada para aquela mulher.
Muito frequentemente, o fato de que termos sido trazidos para junto dos Cristãos, de termos a tradição Cristã na nossa história, pode atuar mais para nossa destruição do que o contrário. Ter uma educação cristã não é garantia de bênção. Oh! Ninguém vai limitar o seu valor, nem tentar diminuir a importância de sua ajuda para nós. Mas alguns desejariam ter correndo em suas veias muito mais dessa genuína santidade e piedade correndo. Talvez seus conflitos tem sido maiores pela carência disso e receber uma educação religiosa não nos garante essa bênção, nem implica que se a recebermos ficaremos bem aos olhos de Deus. Pelo que vimos até aqui, a tradição destituída de poder pode existir. Certamente esse era o caso da mulher de Sicar.
Tudo isso diz está relacionado ao local estabelecido para esse ensino do Senhor. Tudo nos mostra ausência de vida eterna, é um forte argumento da existência de um vazio, que se constitui no tema central, a saber, vida eterna. Vida eterna responde a todas essas questões. Vida eterna satisfaz totalmente esse senso de carência eterna. Você recebe algo de caráter definitivo em seu coração quando recebe vida eterna. Vida eterna traz libertação moral. Você verá como isso acontece em um momento. A vida eterna transforma todas as nossas tradições em realidades vivas. Seria possível abrir das comportas de vida eterna para inundar o sistema tradicional de hoje? Apesar dessas coisas aparentarem vida, não era vida de fato, mas morte.
A Natureza da Vida Eterna
Qual é a natureza da vida eterna? Temos quatro palavras gregas que são traduzidas como “vida” no novo testamento. (1) “Bios” – que significa a espécie ou o período da vida, o tipo de vida que vivemos, ou a forma de vida daqui e a sua duração. (2) “Psuche” – que significa a vida animal; algumas vezes sopro; especificamente um ser vivente que é animado ou que possui vida. (3) “Pneuma” – que é espírito, significando vivacidade, atividade. É usada somente uma vez dessa forma, em Apocalipse 13:15. Mas, “pneuma” é o Espírito Santo. (4) “Zoe” – Esta é a palavra que é sempre, ou quase sempre, relacionada com Deus. É o dom de Deus em Cristo. É o que Cristo veio dar, o que somente os Cristãos possuem. O que denominamos vida eterna é originalmente “Zoe eterna(aeonian)”; vida incorruptível, vida Divina.
Dito isso, e recebendo dessa vida eterna, somos capazes de perceber sua natureza. Ela é composta por dois elementos. Um é sua qualidade, e o outro, sua duração. Sua qualidade é seu fator principal, que é a sua permanência. Como sua qualidade é sua permanência, então a partir do momento que é recebida, traz consigo um senso de estabilidade e, consequentemente, de satisfação. Esta é a vida de Deus e, em sendo a vida de Deus, possui em si a essência da Sua natureza. Ela é eterna, final, conclusiva, absoluta. Então, quando recebemos essa semente de uma forma vital, sabemos que encontramos a resposta para todos os nossos questionamentos e todos os nossos anseios. É só uma questão de tempo compreendermos, de fato, qual é a resposta para todas as coisas.
O efeito de se receber vida eterna dentro de nós é nos trazer instantaneamente a um senso de ter chegado ao fim. Sei que ela abre novas possibilidades, novas extensões, mas, sabemos que obtivemos a essência da satisfação. Temos ainda muito a aprender, temos um longo caminho a percorrer, novos mundos a explorar e conquistar, mas descobrimos do fim de tudo, por possuir essa vida.
Qual é a primeira consciência de alguém que realmente nasceu do alto? Quando passamos da morte para a vida e nascemos do alto, o que seria o ponto que é impossível de interpretar, e é indefinido, mas que passa a ser muito real na nossa consciência? Bem, encontramos aquilo pelo qual anelávamos por tanto tempo! Chegamos ao fim dessa longa história de insatisfação, e, mais do que isso, descobrimos o segredo da nossa própria existência, o porquê de estarmos aqui neste mundo. Temos uma sensação de estarmos aqui com uma finalidade específica. A questão espontânea dessa vida, no Novo Testamento, era que as pessoas imediatamente saíam para contar o que lhes aconteceu para os outros. Isso criava um propósito e um objetivo de vida. Seus comportamentos e condutas diziam: ‘Encontramos a explicação para nossa existência neste mundo’. Você nunca encontrará isso, até que encontre a vida eterna. Ela traz tudo isso em sua essência. Por que estamos aqui? Temos a resposta para essa pergunta quando temos o Senhor! Talvez não sejamos capazes de defini-la, mas, devido à uma forte sensação no nosso interior, sabemos que estamos aqui com um propósito, e esse propósito não é algo relacionado ao tempo, mas é eterno. Essa vida nos liga à eternidade. Essa é a essência da vida eterna que nos traz satisfação e, consequentemente, um senso de permanência. Sua natureza é a essência da permanência do universo, porque ela é Deus. Receba-a e você conhecerá o profundo significado da pobre palavra portuguesa “eterno”. Por isso João considerava tão pouco o tempo e a geografia; ele estava fora dessa esfera, e estava dentro daquilo que é eterno.
A Lei da Vida Eterna
O que é a lei da vida eterna? A habitação interior do Espírito Santo! As palavras do Senhor, nesse capítulo, a respeito da fonte de água, sem dúvida, estão relacionadas com o Espírito Santo. Não podemos separar vida Divina do Espírito Santo. Temos que perceber que ela [a vida eterna] não é algo. Ela é Ele, é o Espírito Santo. Ele é o Espírito de vida. Apesar de nos referimos à vida eterna como “ela”, ela é simplesmente uma expressão dEle. Vamos pensar no efeito da presença de uma pessoa ao chegar a um recinto. Você é uma pessoa, mas de você pode surgir uma influência, essa influência pode ser de vida ou de morte; pode ser de alegria ou de depressão; pode ser de doce comunhão ou de desconfiança. O Espírito Santo, com Sua presença, emana vida eterna; a vida é aquilo que vem junto com Ele, é dEle, é parte intrínseca de Sua Pessoa. A vida eterna é algo em si mesma, mas também está relacionada à Alguém. Não podemos ter vida como habitação interior real separada da Pessoa.
Não poderemos nos estender muito sobre essa lei da habitação interior do Espírito Santo. Quando falamos de Nicodemos, falamos que o novo nascimento do alto é um advento, não um avivamento; é quando o Senhor, por um ato, assume a residência em nosso interior. Do lado positivo, o Espírito Santo deve ser recebido através de uma apropriação definitiva da fé. Você percebe como isso é enfatizado a seguir nos Atos dos Apóstolos em diante? Essa Palavra é repetida várias vezes: “E que você possa receber o Espírito Santo”. Isso foi dito a Paulo em Sua conversão e também no Pentecostes. “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado... e recebereis o dom do Espírito Santo” [At 2:38]. Aos discípulos de Efésios, que não haviam sido instruídos, cuja relação com o Senhor era até então muito imperfeita, o Apóstolo disse: “Recebestes, porventura, o Espírito Santo quando crestes?” [At 19:2]. Devemos reconhecer que nossa vida, como filhos de Deus, é baseada no fato de termos recebido o Espírito Santo. “E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” [Rm 8:9]. Então, a vida do filho de Deus não consiste somente no seu interesse no Cristianismo e nas coisas religiosas, ou em assumir uma obra religiosa, deixar para trás aquela vida que tinha antes e que agora não interessa mais. Trata-se de algo muito mais radical do que isso. É o Espírito do Vivo Deus, em um ato, passando a assumir Sua residência em alguém que ao ponto de reconhecer que estava morto, e que não existia mais nenhuma possibilidade da realidade de Deus para ele, exceto se nascesse do alto. E na chegada da habitação do Espírito Santo tudo tem início, e, nessa base, tudo pode prosseguir.
Dissemos que a doutrina da vida eterna significa internalizar aquilo que é base para toda a atividade Divina. Colocando essa verdade de outra forma, é o Espírito Santo em nós trabalhando em harmonia com Deus no céu; e Deus no céu trabalhando em nós através do Espírito Santo. Não podemos pensar nisso como algo abstrato, pois é muito pessoal. Essa vida não é meramente uma essência, um vapor, uma abstração; é inteligente. Não podemos tomar dessa vida como um vapor, e pensando que passou a possuir essa inteligência. Essa vida é a vida que tem a inteligência de Deus, inteligência Eterna, porque é o próprio Espírito Santo. Quando pensamos que ter o Espírito Santo residindo no nosso interior significa que lá, no nosso interior, está todo o conhecimento que Deus possui, como as possibilidades de utilidade se desdobram! Nossa parte na vida espiritual é aprender como viver no Espírito. Sim, temos no Espírito Santo tudo que Deus nos tem dado. Agora temos que aprender a nos apropriar daquilo que temos, como DESFRUTAR do que temos.
Tudo Está Relacionado a Pessoa de Cristo
Toda a questão está relacionada a Cristo. Perceba o que Ele diz quando a mulher passa a falar a respeito do templo, da adoração deles e de Jerusalém. Ele a interpela categoricamente, dizendo: “Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai... Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores [Jo 4:21,23].
Devemos reconhecer duas coisas nessa afirmação. A força da expressão: “Mas vem a hora e já chegou...”. Essa frase indica uma mudança fundamental no curso da história. A adoração de Jerusalém e de Samaria, bem como outras similares a essas chegaram ao fim. Adoração não é mais nem aqui nem ali, conforme os moldes antigos. “Mas vem a hora e já chegou...”. Que hora é essa? Qual é a natureza dessa hora? Em uma palavra – Cristo veio. Toda a adoração que existiu em Jerusalém, todo esse sistema de adoração estava apontando para Ele. O Templo? Sim, Ele é o Templo. “Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei... Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo” [Jo 2:19,21]. Eles pensaram que Ele se referia ao templo de Jerusalém. Ele estava dizendo, com efeito: ‘Isso é um tipo, Eu sou o Antítipo!’ Lá existe um sacerdócio? ‘Eu sou o Sumo Sacerdote!’ Lá são realizados sacrifícios? ‘Eu sou o Cordeiro de Deus!’ Aqueles sacrifícios nunca tiraram o pecado. “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” [Jo 1:29]. Cada fração daquela adoração eram tipos, apontando para Alguém, e Ele está aqui. A partir de agora somos levados daquilo que é externo, formal, tradicional, para dentro do que é verdadeiramente espiritual, que significa ser espiritualmente unidos com Ele pela habitação interior do Espírito.
Outro ponto muito claro é que os verdadeiros adoradores, dessa hora em diante, não serão aqueles que adoram formalmente, mas serão os que são espirituais. A diferença entre adoração formal e espiritual é tremenda. O que Ele está dizendo é que a condição espiritual é a base para a real comunhão com o Pai, Que é Espírito. Uma condição espiritual! Como essa condição espiritual é alcançada? Pelo Espírito Santo habitando no nosso interior. Qual a base para que o Espírito Santo possa habitar interiormente? Quando tomamos nosso lugar na morte e nascemos do alto.
A lei da vida eterna é o fato da habitação interior do Espírito, sua natureza e seu resultado. O resultado da habitação interior do Espírito é nos tornar espirituais no nosso relacionamento com o Senhor; nos fazer pessoas espirituais; em uma condição espiritual como resultado do Espirito Santo estar habitando no nosso interior, tornando tudo verdade [ou realidade]. O que era tradicional, formal, não era eterno, mas sempre indicava uma carência daquilo que era eterno. Se estamos ligados a um sistema tradicional religioso, seja lá quão bom ele possa ser, sabemos que há uma ausência do que é eterno; mas, quando chegamos, pelo Espírito Santo, a conhecer Aquele que é para nós o Santuário de Deus, o Único em Quem encontramos o Pai, e O conhecemos espiritualmente pelo Espírito Santo como nosso Sumo Sacerdote, como nosso Sacrifício, como nosso tudo em relação a Deus; somos introduzidos na verdade [ou realidade], porque chegamos pelo Espírito: “... em espírito e em verdade”. Só podemos conhecer a verdade pelo Espírito, mas quando conhecemos o Espírito, então conhecemos a verdade.
Pode ser que alguns conheçam tudo a respeito das coisas tradicionais, formais, e não conheçam a verdade. O que essa pessoa precisa é de vida eterna. O que ela precisa é de uma experiência viva do Espírito Santo no interior, tornando-o vivo para Deus.
Essa é uma questão importante e um grave problema. Temos realmente vida eterna? Conhecemos a atividade e energia da vida eterna? Muitos de nós a conhece. Espero que isso possa ser dito a seu respeito; se não, bem, o problema é sério. O Senhor nos conduz, pela fé, a receber o dom, o dom gratuito de Deus, que é a vida eterna em Jesus Cristo nosso Senhor.