por T. Austin-Sparks
Reunião 4 – Lido e Conhecido de Todos os Homens
24 Fevereiro 1957 em Taichung, Taiwan.
Bem, não quero usar muito deste precioso tempo para dizer palavras pessoais; apenas vou dizer que estou muito feliz por estar de volta com vocês. Vejo alguns rostos dos quais me lembro de um ano atrás, e vi vocês em Taipei recentemente, e os vejo aqui hoje, de modo que não somos mais desconhecidos; somos velhos amigos!
Agora, sem perder mais tempo, vamos à Palavra de Deus. Suponho que cada cristão aqui sabe que o Novo Testamento é composto de vinte e seis livros, e sabe também que vinte e quatro desses livros são cartas pessoais. Esta é uma grande proporção. Há cartas escritas para indivíduos, assim, temos esta grande seção do Novo Testamento em forma de cartas. Penso que concordamos que em toda a história da escrita de cartas, nenhuma carta tem tido maior influência do que essas. Houve grandes escritores na história, mas, não creio que alguma carta já escrita teve maior influência na história deste mundo do que essas cartas do Novo Testamento. Essas cartas têm sido lidas por uma quantidade crescente de pessoas por cerca de dois mil anos. Em todo o mundo, neste exato dia de hoje, elas estão sendo lidas, e muitas vidas têm sido transformadas por elas. Quantos cristãos têm sido ajudados por meio dessas cartas, e que tremendo poder elas têm dido no mundo!
Agora, se vocês se voltarem para a segunda carta de Paulo aos coríntios, no capítulo 3, irão ver que o apóstolo Paulo diz que os cristãos são cartas. Esta é uma grande idéia do que é um cristão. Vamos ler o que ele disse: “vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens, sendo manifesto que vós sois a carta de Cristo ministrada por nós, e escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração”. Esta é a imagem que o Novo Testamento faz do cristão.
Bem no meio de todas as cartas do Novo Testamento, somos informados que nós, cristãos, somos cartas, e estou bastante seguro de que vocês ficariam muito felizes se as suas vidas fossem tão valiosas quanto tem sido as cartas do Novo Testamento. Li essas cartas do Novo Testamento e jamais me cansei de lê-las. Elas sempre têm algo novo a dizer; são tão plenas, profundas e ricas. Eu as tenho lido por mais de quarenta anos, e ainda hoje é como se eu não conhecesse nada sobre elas. Sei que elas têm muito mais a oferecer do que aquilo que eu tenho visto até então. Estou sempre descobrindo algo novo; o Senhor está sempre nos dando uma nova luz para compartilharmos a partir dessas cartas. Quão ricas e plenas elas são!
E, então, ouvi uma dessas cartas a falar comigo. O Espírito Santo falou a partir de uma delas, e me disse: "Lembre-se, você também é uma carta. Você é uma carta de Cristo; você não foi escrito com tinta, mas sim com o Espírito Santo; você não é uma tábua de pedra, mas uma de carne, e é no seu coração que o Espírito Santo escreve Cristo, para que todos os que lerem a sua vida, leiam Cristo”. Esta é uma ideia tremenda a respeito do cristão. Naturalmente, é uma grande responsabilidade. Vocês são cartas vivas de Cristo. É isso que diz aqui, e quero que vocês se apossem dessa ideia; quero que vocês saiam aqui deste lugar hoje dizendo: “A Palavra de Deus diz que eu sou uma carta de Cristo que precisa ser lida e conhecida por todos os homens".
Agora, essas cartas do Novo Testamento nos dão uma boa ideia de como uma carta deve ser, isto é, como deve ser um cristão se ele realmente for uma carta viva. Vocês percebem como começam quase todas essas cartas? Penso que apenas uma delas não começa da mesma maneira, que é a carta aos Hebreus, e houve uma razão especial do por que ela começou de maneira diferente. Praticamente todas as cartas começam da mesma maneira. Primeiramente, elas começam com uma saudação. O escritor já de início fazia contato com as pessoas para quem ele estava escrevendo, e lhes dizia algo de caráter pessoal, e lhes fazia uma saudação, a qual geralmente era: “graça e paz seja com vocês”. A saudação é colocada de diferentes maneiras, mas havia sempre uma saudação. Isso significa que o escritor está realmente em contato com as pessoas a quem ele deseja ajudar. Ele possuia algum conhecimento das pessoas e conhecia todas as suas necessidades.
Vocês sabem, isto é algo totalmente diferente de uma carta de negócios. Há uma grande diferença entre uma carta de negócios e uma carta de amor. Numa carta de negócios você começa com “Caro Senhor”. Há muita diferença entre uma carta de negócios e uma carta de amor... Se vocês olharem para essas cartas do Novo Testamento, irão ver que são todas cartas de amor. O coração dos escritores imediatamente se abre para as pessoas a quem eles estão escrevendo. É uma questão de amor.
Cartas de Amor
Esta é a nossa primeira lição. Se você e eu somos cartas de Cristo; se realmente somos cartas vivas, a primeira coisa sobre nós é que devemos ter um relacionamento de amor com todos aqueles que queremos ajudar. Não somos simplesmente pessoas profissionais tentando fazer certo negócio com as pessoas. Não podemos assumir esta posição para com as pessoas, pois isso seria como escrever: “Caro Senhor...” Tem que haver um relacionamento de coração com elas, e isto é o que acontece bem no início de cada carta; há uma saudação pessoal; o negócio é bastante pessoal.
Agora, numa carta de negócio, você usualmente tem algo parecido com o seguinte: você tem um “Caro Senhor”, e, então, você tem o negócio, e, depois, tem algo que muito normalmente você jamais pode ler; supostamente é para ser a assinatura do escritor. Eu recebo um montão de cartas de negócios, e, quando chego para ver quem as escreveu, normalmente preciso ir ao escritório e perguntar: “quem você acha que é? " É como se uma mosca tivesse pousado na tinta e pisado no papel!
Bem, esta não é uma carta viva. Cartas vivas não são lidas desta maneira. Paulo dizia: “Saudações de Paulo, de meu próprio punho ..." Agora, Paulo podia ter ditado essas cartas, é verdade, mas ele sempre desejava que seus leitores soubessem que a carta era dele, assim, ele dizia: “Saudações de Paulo, de meu próprio punho." Agora, podemos imaginar que Paulo se assentava à mesa e escrevia as cartas para eles. Mas há uma diferença entre assentar-se e escrever uma carta e derramar o coração na escrita. Se você escrever uma carta com caneta, você é muito cuidadoso para que as sentenças fiquem perfeitas. Naturalmente, pode ficar bem mais fácil para o seu leitor entender o que você está dizendo, mas Paulo não fazia desta maneira. Havia alguém assentado à mesa e Paulo ficava andando de lá para cá na sala. Ele simplesmente abria o seu coração para as pessoas que estavam em sua mente. Ele podia ver em sua mente as pessoas para quem ele estava escrevendo. E, enquanto caminhava de um lado para outro, ele falava com elas.
Quando você lê o que ele estava dizendo, nem sempre é fácil entender. Algumas vezes Paulo começava a dizer uma coisa e não terminava. Ele interrompia a sua sentença e colocava algo que estava em sua mente naquele momento, e, depois, retomava o que estava falando. Ele estava simplesmente falando a partir de seu coração, e o maravilhoso é que, enquanto falava aos crentes, seu coração ficava cada vez maior; seu coração simplesmente o dominava. Ele via as coisas crescendo diante de seus olhos; ele não podia continuar tudo o que estava em seu coração, e penso que suas cartas ficavam maiores do que ele desejava.
Algumas pessoas me escrevem cartas longas e, quando chego ao final, elas dizem: “Esta carta ficou maior do que eu pretendia quando a comecei". Eu, naturalmente, nem sempre fico contente quando isso acontece! Muitas vezes eu gostaria que as pessoas escrevessem exatamente o que pretendiam escrever, porém, este não é o caso de Paulo. Paulo simplesmente abria o seu coração e o deixava se derramar. Geralmente eu sinto pena do pobre homem que tenta escrever aquilo que ele quer dizer! Há muita diferença entre apenas escrever uma carta de negócio e derramar o coração ao escrever uma carta. Se somos cartas vivas, é exatamente assim que ocorre; apenas o derramar do nosso coração. Deve ser uma carta do coração. Assim, Paulo, e também outros escritores, sempre começava com uma saudação.
Cartas Encorajadoras
Agora vocês irão perceber algo mais a respeito das cartas desses escritores. Eles sempre começavam suas cartas tentando animar as pessoas para as quais escreviam. E algumas dessas pessoas estavam em situação muito difícil. Por exemplo, os Coríntios realmente estavam em má situação, e Paulo dizia coisas muito fortes para eles. O mesmo aconteceu na carta aos Gálatas. Na verdade, na maioria das cartas de Paulo, ele tinha que dizer coisas não muito agradáveis, e isso devido ao péssimo estado de vida dessas pessoas para quem ele estava escrevendo. Mas vocês percebem como Paulo começava? Ele não dizia aos Coríntios: “Meus caros irmãos e irmãs em Corinto, a situação de vocês é bastante ruim. Estou tremendamente chateado com vocês. Eu me sinto muito mal por vocês." Os escritores jamais começam desta maneira.
Como iniciavam as cartas? Era verdade que alguns cristãos estavam em péssima condição, mas o apóstolo sempre começava falando bem dessas pessoas. Bem, ficamos surpresos ao vermos que o apóstolo começa a carta chamando-os de santos, "aos santos em Cristo Jesus”, e, então, diga um montão de coisas agradáveis sobre eles. E eu não acho que o apóstolo estava apenas preparando-os para aquilo que ele iria lhes dizer. Ele não os estava preparando para alguma dura pancada. Creio que, com Paulo, isto era um princípio: sempre fazer o melhor daquilo que é bom. Aqui estão pessoas, e elas podem estar muito erradas, mas, será que não há algo bom a respeito delas? Se descobrimos algo bom a respeito das pessoas, por que não colocarmos isto em primeiro lugar? Vocês sabem, normalmente esta não é a maneira como costumamos agir. Geralmente enxergamos primeiro o que há de errado nas pessoas, e, então, exploramos isso ao máximo.
Podemos aprender uma lição a partir dessas cartas, e começarmos a enxergar primeiro o que é bom. Dê o primeiro lugar ao que é bom; diga todo o bem que você pode, mesmo que pareça estar dizendo algo que não é verdade. É melhor cometer um engano do que falar mal. Você irá ajudar melhor as pessoas se agir desta maneira. Esta é uma lição que aprendemos nessas cartas.
Cartas de Agradecimento
Outra coisa, vocês percebem quão frequentemente os escritores começam com uma doxologia nessas cartas. O escritor da carta normalmente dizia: “Graças ao meu Deus; eu louvo ao Senhor". Há dezessete dessas doxologias nas cartas de Paulo; aqui está um pouquinho de estudo bíblico para vocês! Vão e descubram onde estão essas doxologias nessas cartas; vejam como o escritor louva ao Senhor bem no início da carta. E, então, no último livro da Bíblia, há muito mais. O espírito de louvor ao Senhor está lá. Aprendamos uma lição com isso.
O que é esta doxologia? É apenas dar ao Senhor o que é dele. Neste mundo tudo é tirado do Senhor; sua glória é tirada; todos os seus direitos são tirados, mas o cristão deve ser alguém que traz tudo de volta para o Senhor, e penso que essas cartas de fato nos mostram como os cristãos devem ser. E, visto que a maioria das cartas foram escritas para igrejas, elas nos mostram como as igrejas devem ser. Os cristãos são cartas vivas, e eles devem ser caracterizados por uma coisa: "Louvor ao Senhor!"
Vejo que, em muitas dessas cartas, há muitas coisas que silenciam o louvor ao Senhor. Em Corinto havia muitas coisas pelas quais você não louvaria o Senhor. O mesmo era verdade em outras igrejas. Os escritores sabiam tudo sobre isto e, contudo, eles começavam louvando o Senhor. Há sempre alguma coisa pela qual podemos louvar ao Senhor, e, cartas vivas devem ser desta maneira. Elas devem ser marcadas pelo espírito de louvor ao Senhor. Está dito que eles eram cartas lidas e conhecidas de todos os homens. Bem, quando os homens olham para nós, o que eles veem? Será que eles dizem: “Que cristãos miseráveis eles são! Apenas olhe para o rosto deles para ver que perderam tudo e não encontraram nada!" Cartas vivas, lidas e conhecidas de todos os homens, devem mostrar o louvor ao Senhor, que os salvou.
Eu me lembro de ter recebido um cartão postal, e vocês sabem que, num cartão postal, espera-se que a sua mensagem seja escrita num determinado local. Bem, o escritor deste cartão postal tinha preenchido todo o espaço para a mensagem e, no lugar onde o endereço devia ser colocado, ele escreveu as seguintes palavras: “Anime-se, irmão!" E o correio colocou um selo sobre ele, o que era contrário ao regulamento. Mas não é contrário ao regulamento do Senhor! Inclusive é parte da carta.
Bem, nosso tempo se esgotou. Poderíamos dizer muitas coisas sobre a carta, porém, saiam daqui hoje com esta ideia: somos cartas de Cristo, lidas e conhecidas de todos os homens, e isto sugere um último pensamento. Vocês sabem que, nos dias em que esta carta foi escrita, não havia envelopes. Devido a isso, eles nunca colocavam suas cartas em envelopes e selavam, para que ninguém pudesse lê-las, como fazemos hoje. As cartas eram escritas em tabuletas, e jamais eram seladas; algumas eram entregues a um servo de confiança, para resguardar o seu conteúdo. Mas, no geral, as cartas viajavam muitas milhas, e eram cartas abertas, de modo que qualquer um podia lê-las, a menos, obviamente, que você visse que ninguém podia lê-las. O que quero dizer é que essas cartas jamais eram colocadas num envelope, e seladas, e isto é o que Paulo diz aqui: lida e conhecida por todos os homens.
Nós não devemos encobrir o nosso testemunho. Não devemos esconder a nossa mensagem. Se somos cartas de Cristo, então não devemos ocultar o nosso Senhor Jesus; devemos estar abertos para que todos possam ler. No Novo Testamento, temos seguidores secretos do Senhor Jesus, porém, não obtemos nada de qualquer um deles que possa nos ajudar. Penso que Nicodemos era um seguidor secreto de Jesus, porém, somos informados que ele não queria que os líderes Judeus soubessem. Bem, a Igreja não recebe muita ajuda de Nicodemos. O Senhor Jesus não recebe muita glória de Nicodemos, e houve outros discípulos secretos, mas eles não eram cartas vivas, lidas e conhecidas de todos os homens. Todos precisam ver a quem pertencemos: a mensagem de Jesus em nossa vida.
Não somos pedaços de pedra; temos coração de carne; somos cartas vivas, lidas e conhecidas de todos os homens. Que o Senhor possa operar isso em nós. Ele pode querer nos enviar para longe, ou para perto, porém, onde quer que Ele nos envie, que possamos permitir que as pessoas consigam ler a Pessoa de Cristo em nós.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.