A Administração Do Mistério - Volume 1

por T. Austin-Sparks

Capítulo 4 – Revestindo-se do Novo Homem.

Ler: Rom. 5:12,15–19; Efé. 4:13,20–24; Col. 3:9–11.

Aqui a Palavra diz para nos despirmos do velho homem, ou, mais literalmente, que devemos colocá-lo de lado. A mesma palavra é encontrada em hebreus doze, versículo um — “portanto... deixando de lado todo peso, e o pecado que tão de perto nos rodeia ...” Temos nos despido do velho homem. Muito frequentemente estas palavras são usadas por nós numa conexão meramente pessoal. Falamos de “nosso velho homem”, querendo com isto referir-nos a esta nossa natureza pecadora que se manifesta quando provocada. Este aspecto, naturalmente, está incluído, mas não engloba todo o significado das afirmações diante de nós. O que temos aqui é algo muito mais que isto.

Romanos cinco explica o que significa. O velho homem é uma ordem racial, representada por seu cabeça, Adão. É uma ordem. Este Adão corporativo, coletivo, que está separado de Deus, é um tipo de ordem que não pode mais ser aceita por Deus, que foi excluída do pensamento e da aceitação de Deus, e que permanece contrária à Sua mente. Esta é a ordem em que nascemos, à qual pertence tudo aquilo que somos por natureza, e ela é mencionada como sendo uma entidade corporativa, coletiva. É importante lembrar que, não apenas o Corpo de Cristo é um, mas também o Corpo de Adão; isto é, que todos nós formamos, em Adão, um ente corporativo. É um homem, uma espécie de homem, um tipo de homem expresso em todo o mundo; e nos é dito que fomos despidos dele, do velho homem; nós o colocamos de lado, o largamos. Nós o largamos na sepultura da mesma forma como quando lá deixamos um cadáver. O corpo de alguém que parte desta vida é abandonado na sepultura. Não é mais o lugar onde a pessoa habita. Ele deixou de lado aquele corpo, e nós seguimos o mesmo exemplo, deixamos o corpo do velho homem de lado. Agora, como crentes, temos nos despido e colocado de lado o tipo adâmico, a ordem adâmica, o sistema adâmico, este grande e coletivo homem, pertencente a certo tipo e ordem.

Então, em seguida, é dito que em Cristo revestimo-nos do novo homem. Isto também é frequentemente tratado como sendo uma questão meramente pessoal, individual. Ou seja, o novo homem, em nossa concepção, é um novo tipo de vida de natureza pessoal. Isto é verdade, mas é muito mais que isto. Na carta aos efésios, o apóstolo fala do novo homem que é a igreja, “o Cristo”, como está literalmente expresso em primeira coríntios, capítulo doze, versículo doze. Cristo é um com todos os Seus membros, como a cabeça unida ao corpo, todos os membros formando um só corpo, um novo homem. É um homem coletivo, corporativo, um homem pertencente a uma nova ordem, não mais segundo Adão, mas segundo Cristo: “onde ... Cristo é tudo em todos” (Col. 3:11). Antes Adão era tudo em todos, mas agora, nesta nova criação, é Cristo quem é tudo em todos. O apóstolo expressa bem isto quando escreve: “Mas vós não aprendestes assim a Cristo; se é que O tendes ouvido, e nele fostes instruídos, como está a verdade em Jesus”. (Efésios 4:20, 21). É uma grande personificação da verdade Divina em uma pessoa, e nós somos representados como tendo sido despojados de um corpo, do velho Adão, e revestidos do corpo de Cristo, do novo homem.

Isto inclui muitas coisas. Se você olhar para o contexto desta passagem, irá perceber algumas delas. Inclui a natureza de Cristo. É por isto que, após falar do revestir-se do novo homem, o apóstolo segue quase que imediatamente com palavras tais como: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo ...” (Efésios 5:1,2). O novo homem corporativo é a personificação do amor de Cristo. Esta é a primeira coisa. Este amor precisa ter uma expressão individual, para que aquilo que se diz ser verdade sobre todo o corpo somente seja assim na medida em que também o seja em relação ao membro individual. Reconheçamos que, quando falamos da igreja, ou do corpo de Cristo, ou fazemos uso deste título alternativo, o “novo homem”, estamos falando daquilo que é a personificação do amor de Cristo; e, quando falamos que estamos nos revestindo, ou já nos revestimos do novo homem, queremos dizer que temos nos revestido do amor de Cristo.

Então, este novo homem, corporativo, coletivo, estando relacionado e inter-relacionado desta maneira, representa uma vida de comunhão. Ela exige uma consciência corporativa, que é uma das coisas mais importantes. No propósito do Senhor, tudo depende desta vida corporativa. O próprio Senhor não pode alcançar o Seu objetivo por meio de indivíduos; nem você e nem eu jamais poderemos atingir este propósito final apenas como indivíduos. Embora seja verdade que Adão, o velho homem, é uma unidade corporativa, porém, a consciência do velho homem não é uma consciência corporativa; ela é uma consciência independente, uma consciência de divisão. Precisamos ter uma consciência corporativa, a fim de alcançarmos o propósito de Deus. Há muitos filhos queridos do Senhor que permanecem muito tempo num estado de imaturidade espiritual. Eles nunca crescem muito além da infância espiritual. Você pode conhecê-los há anos, porém você os encontra naquela mesma posição de criancinhas, tal como da primeira vez que os conheceu. Alguém vai dizer: É muito bom e apropriado ser uma criança do Senhor! Bem, tenhamos sempre um espírito de criança; procuremos sempre ser puro e simples diante do Senhor, porém, lembremo-nos de que há uma diferença entre infantilidade e infância. Há toda uma diferença entre manter a simplicidade, a pureza, a sinceridade, a docilidade da criança, e permanecer com uma compreensão tardia, com dificuldade para captar e assimilar o alimento destinado aos de idade mais avançada. O problema com tais pessoas, ou, a causa de sua falta de maturidade, é que elas apenas seguem os próprios doces caminhos, isto é, são como borboletas voando de um lado para o outro, mas sem vida corporativa, sem vida relacionada. A borboleta é muito bonita quando voa, mas há muita diferença entre ela e a abelha. A abelha também pode voar de um lado para o outro, mas ela faz isto porque é movida por um bom propósito. A vida da abelha é corporativa; a da borboleta, não; é uma vida individual.

Falta de maturidade e atraso no crescimento espiritual normalmente se deve a esta falta de senso de vida corporativa associada à vida do povo de Deus de forma definitiva e positiva. Este é o caminho do crescimento. Esta é a lei do novo homem. Nós impedimos o nosso crescimento espiritual quando desprezamos a necessidade de estarmos ligados ao povo de Deus de uma forma definitiva. Este é o pano de fundo em Efésios. Todo o quarto capítulo é dedicado a esta questão vital. O novo homem está colocado lá como sendo a igreja, o Corpo de Cristo, e este novo homem precisa crescer até chegar à estatura da plenitude de Cristo. É o homem corporativo que cresce até esta estatura; os indivíduos não podem fazer isto. É somente em comunhão que nos movemos para a plenitude de Cristo.

Cuidado, então, para não perder esta tão importante lei de crescimento espiritual. É isto o que significa vestir-se do novo homem. Estamos corretos, então, ao fazer a pergunta: Temos nós realmente nos vestido do novo homem? Temos nós realmente nos revestido desta consciência de corpo, de relação, de comunhão, que pertence ao novo homem? Pode nem sempre ser possível para nós gozarmos de uma comunhão imediata, local e geográfica com a grande companhia do povo do Senhor, mas esta não é a questão; estamos falando de consciência.

Novamente, é uma disposição. É a rejeição a tudo o que é individual, pessoal, como tal, e a assimilação daquela consciência de comunhão na qual tudo é para o corpo, no corpo, e pelo corpo. É por meio desta comunhão de espírito que o Senhor alcança o Seu propósito e nós chegamos ao Seu propósito.

É muito triste ver os resultados do fracasso ao reconhecermos isto. Há pessoas acerca das quais não podemos negar a devoção que têm pelo Senhor. Mas o que dói em nós é que elas não têm crescido nem um centímetro desde a primeira vez que as conhecemos anos atrás. Pelo menos não há qualquer sinal de uma capacidade maior. Elas são exatamente as mesmas de sempre. Tais pessoas nunca são encontradas fazendo grande esforço a favor de uma definitiva comunhão com o povo de Deus. Elas vagam de uma coisa para outra, e dizem: eu não vou me envolver com qualquer tipo de comunhão com o povo de Deus! Vou me manter livre! Vou seguir adiante, mantendo contato com tudo o que há por aí! Isto pode ser muito bom, sob determinado ponto de vista; e você não deve interpretar mal, imaginando que não devamos ser solidários com tudo aquilo que é do Senhor. Mas há algo mais que é necessário ser construído, e que é uma comunhão concreta com o povo de Deus. Isto é necessário ao Senhor para que haja uma revelação mais plena. O que não devemos nós, em termos de revelação, a esta comunhão! Para haver revelação, o Senhor precisa ter o corpo espiritualmente expresso. É tremendamente importante saber disso. É aí que o ministério do Senhor opera. Efésios quatro é um grande capítulo sobre ministério. Você perde todo o isolamento e departamentalismo no ministério quando o corpo se expressa, quando todos são encontrados ocupando um lugar espiritual de valor na obra do Senhor; não de acordo com termos técnicos que o homem costuma usar em relação a tal obra, mas onde a pessoa representa algo de valor espiritual, onde cada um é um ministro diante do Senhor de alguma forma. Quer você reconheça, ou não, isto é um fato, e, infelizmente, muita perda é sofrida por não se perceber quão grandemente a obediência de cada um de nós afeta a questão toda.

Vou dizer a você como testar a coisa. Haverá algo pessoal para o Senhor através de um meio corporativo, digamos uma conferência? Arrisco-me a dizer que não há muitas pessoas que, estando espiritualmente associadas a ela, não conheçam algum aspecto da raiva e da pressão do Diabo. Você não precisa provocar o Diabo de alguma maneira. É um conflito, e não apenas os indivíduos que estão em mais evidência no ministério são afetados, mas o conflito alcança aqueles a quem não estamos conectados no ministério, num sentido específico. Em nossos pensamentos, frequentemente restringimos o ministério a uma única expressão. Aqueles que têm suas casas e suas tarefas domésticas podem, por acaso, pensar nestas coisas como sendo algo secular, como algo que não faz parte do ministério, mas o conflito também está lá. Ele alcança a sua consciência pessoal, os seus negócios, independentemente de estar você envolvido de alguma maneira com o que está acontecendo. É porque você está ligado espiritualmente ao testemunho, você ingressou de forma espiritual no corpo de Cristo, discernindo o corpo. Quer você tenha compreendido a verdade numa medida maior, ou não, você se vestiu do novo homem, e está sofrendo por ser parte integrante dele.

Agora, isto não é apenas um fato que talvez reconheçamos de forma dolorosa, mas é, também, um privilégio. Paulo disse: “cumpro no meu corpo o resto das aflições de Cristo, em favor do Seu corpo, que é a igreja” (Col. 1:24). Lá em seu lar, no seu negócio, o que você chama de retaguarda, você também encontra conflito. É por causa do corpo. Lá fora, longe dos demais, você também sofre o impacto. Esta é a prova de que cada parte do corpo é participante do ministério. Ao nos vestirmos do novo homem, o todo é servido espiritualmente por todas as partes.

Embora o conflito nos envolva no custo, no sofrimento, isto também significa que temos alcançado a benção; pois alguns membros não podem alcançar a benção sem que todos os espiritualmente envolvidos também recebam o benefício. Se um membro sofre, todos os demais também sofrem; se um membro se alegra, todos os demais também se alegram, pois, de alguma forma irão também ser beneficiados.

Você verá que isto está mais intimamente relacionado ao que o Senhor está procurando trazer a nós nestes dias. Nós ainda estamos falando disto em termos muito genéricos, mas a apresentação da mente do Senhor deve estar muito clara para nós. É um homem que Deus procura. Este homem é representado pelo Seu Filho, e a igreja é a expressão do Seu Corpo. Este novo homem é a manifestação universal daquilo que Cristo é – um só Senhor, uma só vida, um só amor. É importante, para que você não cometa um erro de interpretação, reconhecer que há uma diferença entre a palavra usada em efésios e aquela que está em colossenses. Em efésios lemos sobre o revestir-se do novo homem, em colossenses lemos do vestir o novo homem. Em efésios a palavra kainos significa algo que não havia antes, algo completamente novo. Esta igreja não existia antes; este homem corporativo conforme Cristo jamais existiu antes, é algo novo. Em colossenses a outra palavra usada, a qual simplesmente significa ‘fresco’, não é necessariamente algo completamente novo. Você entenderá o significado da palavra se olhar para o contexto. Há um frescor de mente, de espírito que é a marca dos que estão em Cristo. Mas a nossa palavra aqui tem a ver com a primeira, kainos, o novo homem, o homem que existia antes. Há um velho homem que existia, e que precisa ir embora. Aqui temos outro homem, que não existia antes, e que precisa ser colocado.

Este novo homem é segundo Deus. Isto nos leva de volta à meditação anterior, em Deus pensando os seus pensamentos, desejando os seus desejos e tendo as suas vontades, tudo isto expressando a Sua própria natureza, e tudo focado num ser criado chamado “homem”: “...que segundo Deus foi criado...” (Efé. 4:24). Esta é uma expressão maravilhosa. Agora aqui está um novo homem que é segundo Deus, criado em justiça. O Senhor nos ensina mais claramente o significado de aprender Cristo.