Austin-Sparks.net

Maturidade Espiritual

por T. Austin-Sparks

Capítulo 8 - A Cruz E A Conformidade Com Cristo

Ler: Romanos 6

“O que nós em glória em breve seremos

Ainda não é manifestado

Mas quando o nosso Bem Aventurado Senhor nós vermos

Iremos refletir a Sua imagem

[“Veja, que Amor”, por M.S. Sullivan]

As palavras acima sobre as quais temos baseado nossas meditações correspondem com estas palavras: “A ardente expectação da criação espera pela manifestação dos filhos de Deus”; “Conformados à imagem de Seu Filho”; “Iremos refletir a Sua imagem”. Cobrimos um bom terreno em relação ao pensamento e ao propósito Divino, passando por quatro das cartas do apóstolo Paulo. Em todas essas cartas há uma nota forte sobre a qual não temos discorrido particularmente, embora nós a temos mencionado aqui e ali, e se trata da cruz de Cristo; e, prosseguir a partir de agora sem reconhecer a posição da cruz, em relação ao propósito de Deus de nos conformar à imagem de Seu Filho, seria cometer o maior dos enganos e ignorar a coisa mais fundamental. Iremos, portanto, rapidamente considerar sua posição nessas quatro cartas do apóstolo Paulo, de Romanos a Gálatas. Isto não significa que iremos lidar com cada referência em relação à cruz em cada carta, mas sim com o lugar dado a ela e sua conexão específica em cada carta.

A Cruz em Relação ao Pecado

É muito claro que a posição da cruz na carta aos Romanos é em relação a toda a questão do pecado, e até que este assunto seja decidido não há qualquer perspectiva de conformidade à imagem do Filho de Deus. Agora, os termos usados aqui deixa muito claro que se trata de uma questão que foi decidida de uma vez por todas. É algo que é feito no princípio. Porém vamos nos apressar a fim de salientar que não são os pecados que estão sendo tratados. O assunto aqui não são os pecados, mas o pecado. Conduzindo a este capítulo, a questão toda de pecado e justiça tem sido revista, e tem havido uma busca através do universo por justiça no homem, na condição de homem natural. Esta busca tem se estendido através de todo o mundo pagão, e, então, no mundo judeu, e, quando toda a base do judeu e do gentio foi examinado, o veredicto é este: não apenas o homem não é justo, mas ele é injusto por natureza. “Não há justo, nenhum sequer um”. Assim que todos os homens estão, por natureza, incluídos debaixo da injustiça. Não há, portanto, qualquer fundamento sobre o qual Deus pode edificar o Seu propósito; pois Deus precisa ter uma fundação ajustada àquele propósito. Se o Seu propósito for que a imagem de Seu Filho deva ser reproduzida nos homens e mulheres, na criação, então a fundação deve ser justa; pois é aí que você começa com o caráter de Jesus Cristo, a natureza de Cristo. É uma questão de justiça. Como, então, Deus irá se prover de uma base essencial sem que seja vencido em Seu propósito? Deus enviou o Seu Filho na semelhança da carne, e assim, em relação a raça injusta, Ele se fez pecado. Ele tomou a natureza injusta do homem sobre Si em sua Cruz, numa forma representativa, embora em Si próprio não houvesse pecado. Porém, como substituto e representante de uma raça que está condenada, julgada e debaixo da morte. Ele, como um representante inclusivo e racial, morreu sob as mãos do divino julgamento, e Nele a raça foi levada a morrer, do ponto de vista de Deus. É assim que Deus vê. Nele o pecado é tratado, a injustiça é removida. Em Sua ressurreição Ele se ‘levantou da morte, para a glória do Pai’. Não há glória, exceto onde há justiça. Em Sua ressurreição você tem um representante justo, como em Sua morte você tem um representante injusto. Em Sua morte Ele é oferecido como um substituto em favor do pecador; em Sua ressurreição Ele é apresentado como um substituto em favor daquele que crê, em favor do santo. Agora o desafio é: Quem é justo?

Todo o argumento nesta carta aos Romanos, como você sabe, tem a ver com aquela justiça que é pela fé em Jesus Cristo. Isto é, quanto a ser, por um lado, iremos exercer fé em Jesus Cristo como o nosso substituto na morte, no julgamento, sob a mão de Deus para a destruição, e iremos colocar as nossas mãos sobre a Sua cabeça e dizer: Este justo é aceito em meu favor, Ele é o meu representante diante de Deus, Sua justiça é minha. Isto é exercer fé em Jesus Cristo, e Deus computa a Sua justiça como sendo nossa, coloca-a em nosso crédito, e assim, a questão do pecado é eliminada na morte do Senhor Jesus. Quando pela fé nos identificamos com Ele em Sua morte, somos achados no lugar onde todo o corpo do pecado foi exterminado, e então, quando pela fé nos identificamos com Ele na ressurreição, todo o corpo da justiça abunda, e somos contados justos por Deus. Este é o elemento simples do evangelho. Você está familiarizado com isto, porém é aí onde Deus inicia, e esta é a fundação. Na cruz todo o corpo do pecado, o qual estava impedindo que Deus realizasse o Seu propósito, é removido da presença de Deus. O próprio Deus o removeu, e Deus trouxe a justiça por meio da ressurreição de Jesus Cristo, e desta forma proveu-Se de um fundamento sobre o qual pode realizar a Sua obra, o Seu propósito de conformar os que crêem à imagem de Seu Filho. É importante, então, para nós, reconhecer que toda a questão do pecado foi resolvida, todo o corpo do pecado foi removido em Cristo Jesus, e, pela fé, aceitar esta posição, como também que todo o corpo de justiça em Cristo Jesus foi manifestado por Deus na ressurreição, e que isto é assim na medida em que cremos. Somos contados como justos diante de Deus por meio da fé em Jesus Cristo. Até que isto seja estabelecido, não podemos chegar a lugar algum. Enquanto tivermos questões sobre isto, Deus não pode prosseguir com a conformação à pessoa de Cristo. É por isto que dissemos que a questão não é aquela de pecados, mas pecado. Iremos descobrir, após esta questão ter sido resolvida, que há ainda elementos daquela velha criação em nós, mas que agora Deus começa sobre a base da justiça, a fim de tratar com eles, a fim de nos conformar à imagem de Seu Filho, de modo que a justiça vence a injustiça, e a natureza do Senhor Jesus vence a velha natureza. Porém, o essencial no início das operações de Deus é que nós aceitemos o todo como já realizado em Seu Filho, Jesus Cristo. É como se Deus estivesse tirando do depósito pleno e final que está na pessoa de Seu Filho e tornando real em nós, na medida em que exercemos a fé Nele.

Não precisamos dizer mais sobre a carta aos Romanos. Pode ser que algumas pessoas ainda não tenham passado de Romanos 6. Bem, o chamado é muito claro, a posição é inequívoca. O apóstolo diz que esta posição pode ser assumida em fé, e o batismo é a forma no qual o testemunho é levado ao fato de que assumimos aquela posição. Em nosso batismo nós aceitamos a posição, declarando que fomos plantados juntamente com Ele em Sua morte, e também estamos unidos com Ele na semelhança de Sua ressurreição. É aí onde começamos. Temos justiça com a qual podemos começar a fundação essencial de Deus. Sempre que você sai desta fundação, você impede a obra de Deus. Sempre que você tiver dúvidas em permanecer diante de Deus sobre a base da divina justiça, imediatamente remove a mão de Deus sobre a sua vida, no sentido de conformá-lo à imagem de Cristo, porém, enquanto você assumir esta posição de fé, a mão de Deus pode fazer a obra. Não discuta sobre isto; não tenha todos os tipos de questões a respeito; não permita que meros elementos psicológicos entrem e digam: “Bem, esta tentativa de nos fazer crer em algo é um esforço de assumir uma posição que não é real e verdadeira?” Porque mentalmente assumimos esta posição, ela é como que um fato subjetivo em nós. Não permita que todo este estado entre, pois ele certamente fará isso se você permitir. Se você positiva e definitivamente considerar, em relação ao corpo pecaminoso da carne, que foi levado a morrer na pessoa de Cristo, e, se positiva e definitivamente você reconhecer a justiça de Cristo como sua, então Deus diz: ‘Irei torná-la real em você, e irei continuar trabalhando em você até alcançar o Meu objetivo final. Você considera, e Eu realizo a obra, Deus diz. Você age em fé, e Eu ajo em obra. Assim, Deus trabalha sobre a base de algo estabelecido em nossos corações através da fé. É possível que encontremos muitas coisas que procurem nos conter, como ocorreu com Lutero, o grande expoente desta verdade da carta aos Romanos. Ele era continuamente perseguido pelos inimigos, os quais buscavam trazê-lo de volta para debaixo da acusação e da condenação, porém ele sempre se livrou por meio de uma afirmação forte e positiva, bem na cara de Satanás, que em Cristo nenhum pecado era atribuído a ele; ele era justo. Foi assim que ele descobriu a vitória. Esta deve ser a nossa posição; não discutir com o maligno, mas dizer-lhe a verdade: e esta é a verdade, que em Cristo somos declarados por Deus como sem pecado. Devemos honrar a Jesus como nosso representante.

A Cruz e o Homem Natural

Passamos de Romanos para a primeira carta aos Coríntios, e aqui no capítulo 2, verso 2, temos a nossa referência à cruz: “Pois nada me propus a saber entre vós, a não ser a Jesus Cristo, e este crucificado”

Esta é uma resolução definitiva, uma determinação. Quando Paulo fala desta maneira, ele fez com que a sua mente aceitasse certa posição, e nós podemos estar certos de que ele possui razões muito boas para isso. O motivo fica muito evidente na medida em que você lê esta carta. Aqui estavam os crentes em Cristo Jesus, cristãos que traziam para a vida cristã todos os elementos naturais. Esses elementos são muitos, como revela a carta. Eles estão procurando viver, em relação ao Senhor Jesus, na base da vida natural, da sabedoria natural (este é o assunto dos capítulos 2 e 3), da força natural; preferências naturais, gostos e desgostos naturais. O apóstolo não fala que eles não são regenerados. Ele os chama de povo do Senhor, porém ele diz que são carnais; isto é, cristãos carnais. Eles falam como os homens naturalmente falam. Eles pensam como os homens naturalmente pensam. Eles desejam e escolhem, e selecionam como o fazem os homens naturalmente, e de toda maneira eles estão fazendo o que os homens fazem por natureza. Ele coloca isto em contraste com o que os homens pensam, falam, sentem, desejam, e selecionam quando espirituais. Assim ele coloca dois homens em oposição aqui, o homem natural e o homem espiritual. O primeiro ele chama de homem da alma, o homem natural; o outro ele chama de o homem do espírito, o homem espiritual. A palavra usada para o último é uma palavra muito interessante quando você a divide - homem ‘pneumático’. “Eikos” é uma forma semelhante; um ícone é uma forma, uma semelhança, uma imagem. “Pneuma” é espírito. Assim, a palavra que você tem quando faz a separação é “formado segundo o espírito”, ou “feito adequado para O que é espiritual”. O outro homem é formado segundo o natural, segundo a alma. Agora é por isto que Paulo se determinou a não saber coisa alguma entre eles que fosse meramente conhecimento natural. Isto quer dizer, ele não descia ao nível deles, para que tudo pudesse ser conhecido por meios naturais sobre uma base natural.

Ele viu que isto estava arruinando os interesses do Senhor na vida deles e destruindo o testemunho deles. Ah, mas ele sabia disso, que a cruz do Senhor Jesus não tinha apenas lidado com toda a questão do pecado, mas também com todo o problema do próprio homem. A questão do homem natural foi resolvida, do mesmo modo como a questão do pecado. Na morte do Senhor Jesus, não apenas tinha o homem morrido como um pecador, mas ele tinha morrido como homem, como um tipo de ser, como um tipo de criatura que pensa desta forma, que fala desta forma, que sente, que gosta, que escolhe desta forma. Tudo é conforme com a natureza, e na cruz do Senhor Jesus este homem morreu, e na ressurreição de Jesus Cristo outro homem, um homem de espírito é trazido, que pensa espiritualmente, que deseja, e sente, não como um homem natural, mas como o Senhor Jesus: uma pessoa que possui a mente de Cristo, que possui as sensibilidades de Cristo, que possui as inclinações de Cristo, que possui os gostos de Cristo; e tudo isto é tão contrário ao que você tem aqui em Corinto. A cruz do Senhor Jesus, então, traz um fim a um tipo de homem, a saber, o homem natural, e abre caminho para outro homem, um homem espiritual. Se você tiver algumas dificuldades sobre este termo “homem espiritual”, apenas lembre que a palavra significa “alguém que foi feito adequado para as coisas espirituais”. Se você quiser saber o que está escrito aqui: “Agora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus... Ele não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente. Mas O que é espiritual discerne bem todas as coisas...” (1Co 2.14,15). Este é um homem que é, assim, constituído de modo que pelas faculdades divinas ele é agora capaz de compreender os pensamentos divinos, de ter comunhão com esses pensamentos e de viver em conformidade com eles. Ele é constituído, formado para aquilo que é de Deus. A cruz do Senhor Jesus se coloca entre esses dois tipos de homens. Por um lado ela traz um fim ao natural, e por outro lado, ela faz aparecer o homem espiritual. Isto é absolutamente essencial ao propósito de Deus. Deus jamais pode alcançar o Seu objetivo de nos conformar à imagem de Seu Filho sobre bases naturais, no homem natural. Se você e eu descermos a esse nível de vida carnal, de modo que estejamos pensando, sentindo, falando, desejando, escolhendo e agindo sobre uma base natural, Deus não pode ir a lugar algum conosco. Tudo isso tem que acabar. Devemos ser moldados segundo o Espírito, e, então, o propósito de Deus fica em vista, conformidade à imagem de Seu Filho.

A Cruz, a Divisão Entre Duas Vidas

Agora passamos para a segunda carta aos Coríntios, e encontramos nossa passagem no capítulo 5, versos 14-18. Isto é um avanço sobre a posição na primeira carta. Lá vimos que a cruz traz o homem espiritual no lugar do homem natural. A mesma coisa é dita aqui, porém o assunto é levado mais adiante, é ampliado. Seu objetivo é agora aquele de toda uma criação. O que fica claro diante de nós é o seguinte, que o crente individual através da cruz do Senhor Jesus é constituído uma nova criação, um membro de uma criação espiritual, e que tudo nesta criação, de forma relativa, é espiritual; isto é, há uma nova raça, e os relacionamentos naturais de todos os membros desta nova raça são elevados para o Espírito. A distinção é desenhada entre aquele que é segundo a carne, e aquele que é segundo o Espírito; entre tudo que é segundo a velha criação e tudo o que é segundo a nova criação; e a cruz se coloca no meio. “Todos morreram”, diz o apóstolo; porém ele diz aqui que todos morreram em Cristo em relação aos outros. Anteriormente conhecíamos uns aos outros segundo a carne, nossas relações eram carnais, o relacionamento de uma velha criação, avaliávamos uns aos outros conforme os padrões da velha criação; julgávamos uns aos outros na base da velha criação, os nossos relacionamentos uns para com os outros estavam todos ao longo do nível natural, da velha criação. Portanto, visto que todos morremos e ressuscitamos em Cristo, nesta nova base nós não mais nos conhecemos uns aos outros segundo a carne, mas os nossos relacionamentos são trazidos para o Espírito; isto é, fomos elevados para o campo de uma nova criação. O que é que mantém o povo de Deus junto e forma este abençoado relacionamento, que é um dos mais fortes testemunhos da vitória da cruz do Senhor Jesus? É o fato que essas pessoas compartilham o mesmo Espírito, uma nova vida, onde tudo é de Deus. As coisas velhas já passaram. Nós temos que agir sobre esta base. Temos que nos ajustar a ela.

Você observa que esta segunda carta muito claramente segue na posição da primeira. Na primeira carta você tem o seguinte: “Vós sois carnais; e a prova de que sois carnais é isto, que um diz: Eu sou de Paulo! E outro: Eu sou de Apolo! E outro diz: Eu sou de Pedro! Quando todos dizem “EU”, isto prova que sois carnais”. Não é este o carimbo da velha criação? Todas as nossas relações na velha criação parecem estar reunidas secretamente ao redor do interesse do “EU”; simplesmente onde aparecemos na questão, como as coisas nos afetam; o que iremos ganhar ou perder; nossa satisfação. Se uma pessoa na velha criação não gosta de nós, simplesmente lavamos as nossas mãos e dizemos: “Bem, tudo bem, não importa, você pode continuar”. Nós gostamos de ser queridos, e não temos qualquer interesse naquilo que não gratifica o “EU” de uma forma ou de outra. Em algum lugar você irá descobrir que o elemento “EU” é que domina. O apóstolo diz que a cruz do Senhor Jesus trouxe um fim a isto, e nossas relações são feitas numa base completamente nova. Os benefícios pessoais de nossas relações não mais são considerados, mas nós nos conhecemos uns aos outros segundo o Espírito, e ministramos Cristo uns aos outros. Você não mais é um objeto sobre o qual eu fixo a minha atenção, a fim de obter algum benefício. Você me odeia, mas eu te amo ainda mais. Você trabalha contra mim, mas eu oro por você. Esta é a linha da nova criação. É um tipo diferente de coisa. Daí por diante nós não mais conhecemos nenhum homem segundo a carne. Eu não estou dizendo que sempre vivemos neste nível, mas sim que esta é a forma de Deus nos conformar à imagem de Seu Filho, e, quando você e eu sentimos que as atitudes das outras pessoas contra nós tendem a nos provocar para a vingança, temos que trazer a coisa para a cruz, e dizer: O calvário não permite isto. Sempre que há uma provocação daquilo que é da velha criação, temos imediatamente que correr para a cruz e ver como a coisa é tratada, pois calvário significa que um morreu por todos, portanto, todos morreram, e, a partir daí, nós não conhecemos o homem segundo a carne.

A Cruz e Duas Esferas ou Modos de Vida

Iremos finalizar com uma palavra de Gálatas. Quanta coisa há lá em Gálatas sobre a cruz. Como dissemos, há quatro grandes referências à cruz na carta. Dessas quatro, uma é muito familiar a nós: “Por que eu pela lei morri para a lei, para que pudesse viver para Deus. Estou crucificado com Cristo, e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé, a fé que está no Filho de Deus, o qual me amou e a Si mesmo Se entregou por mim”. (gál 2.19,20). A cruz do Senhor Jesus, na qual eu fui crucificado! Qual é a ligação da cruz lá? Ela segue a linha da distinção entre dois tipos de vidas. Você observa o que o apóstolo está dizendo aqui. Ele está dizendo, em efeito: “Quando estava debaixo da lei, a minha busca era por vida. Estava a procura de vida. Eu queria viver diante de Deus. Eu queria saber o que era a vida em comunhão com Deus, e a fim de conhecer esta vida de comunhão com Deus, eu buscava a lei. Eu seguia suas prescrições minuciosa e cuidadosamente; eu me devotava a todos os seus preceitos e apelos. Quando a lei dizia mais e mais: ‘Você não pode’, eu procurava me conformar a fim de que pudesse conhecer; e quando a lei dizia repetidamente: ‘Você deve’, eu fazia tudo o que podia para mostrar que eu seguia a lei. Porém em minha devoção à lei, na medida em que a lei surgia diante de mim e estabelecia um certo padrão, descobria que a vida em mim era contrária aquela lei. O tipo de vida que estava dentro de mim não podia corresponder à lei, mas estava trabalhando sempre contrariamente, de modo que a lei se tornou um fardo que eu não podia carregar, algo que me derrubava no chão.

Ao invés de me salvar, ela apenas me fazia sentir quão mal eu era. Ao invés de me trazer vida, ela apenas tornava a morte uma grande realidade, por causa da vida que estava dentro de mim. Eu não tinha vida dentro de mim que pudesse alcançar o propósito que estava procurando, e corresponder às exigências de Deus. A lei se levantou e eu morri. Como poderia eu ser salvo? Apenas poderia ser salvo se houvesse uma outra vida colocada dentro de mim. Se uma outra vida for colocada em mim, então ninguém precisa me dizer: ‘Você deve’, e, ‘Você não deve’. Terei um padrão completamente diferente. Se tão somente eu pudesse ter a vida de Deus, então poderia ter a natureza de Deus, e ninguém precisaria me dizer: ‘Você pode’, e, ‘Você não pode’, e me encher de mandamentos. Eu podia descobrir que tinha em mim aquilo que era do próprio Deus, uma outra vida, tornando tudo capaz”. Assim, o apóstolo entendeu o significado da cruz. “A cruz de Jesus Cristo”, ele diz, ‘significando o meu fim para aquela vida velha, o fim daquela velha vida muito devotada, daquela vida velha que nunca conseguia chegar a lugar algum, daquela vida velha que não podia nunca cumprir as exigências de Deus. Eu fui crucificado com Cristo para essa vida, e, portanto, quando essa vida morreu, eu morri para esses tipos de coisas, para a lei. Sobre um homem morto nenhuma lei consegue operar. Assim, através da morte eu escapei da lei. E agora eu vivo, porém contudo não mais eu, mas Cristo vivem em mim; uma nova vida, vida divina, o próprio Cristo vive em mim. É isto o que a cruz de Cristo fez por mim. Eu tinha uma vida que era completamente incapaz de me levar para qualquer posição de descanso e satisfação. Era uma vida que não era vida absolutamente. Era uma vida de morte, e eu era mantido consciente desse fato por meio da presença da lei de Deus. Agora, eu morri com Cristo, e morri para a lei, e ressuscitei com Cristo, e é Cristo quem vive em mim agora, e pela vida de Jesus Cristo que habita dentro de mim, vim a conhecer o que Cristo é”.

É a vida sobre a qual o apóstolo está dando ênfase aqui. “A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé, a fé que está no Filho de Deus, o qual me amou e a Si mesmo se entregou por mim”. Louvado seja Deus, este é o caminho da libertação, o caminho da emancipação, o caminho da vitória. Devemos mencionar as outras três referências sem nos atermos muito sobre elas. Gálatas 3.13,14 correspondem ao que acabamos de dizer, de modo que chega a ser quase uma reiteração. É parte do mesmo argumento. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós, pois está escrito: Maldito todo o que for pendurado no madeiro., para que sobre os gentios pudesse vir a benção de Abraão em Cristo; para que pudéssemos receber a promessa do Espírito por meio da fé”. Aqui você tem através da cruz do Senhor Jesus não apenas uma nova vida, mas um novo poder, e este poder não é outro senão a presença pessoal do Espírito Santo na vida. Gastamos bastante tempo sobre isso em nossa última meditação, e não precisamos dizer mais nada a respeito, mas simplesmente que, se o Espírito Santo, Deus Espírito Santo, é residente dentro de nós na base de nossa ressurreição com Cristo, na base do que a morte de Cristo significou, então todo o propósito de Deus é tornado maravilhosamente possível. O Espírito Santo que residente dentro de nós certamente será o poder por meio do qual alcançaremos o propósito de Deus. Isto muito naturalmente leva ao próximo ponto no capítulo 5 verso 24. “E aqueles que são de Cristo Jesus já crucificaram a carne com as paixões e concupiscências”. Aqui está a cruz novamente, e nesta conexão ela nos diz que aqueles que foram crucificados com Cristo, aqueles que entraram naquela união com Ele em Sua morte e em Sua ressurreição, têm eles uma nova disposição, uma nova natureza.

Finalmente, no capítulo 6 verso 14: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio do qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo”. É interessante observar o modo particular em que o apóstolo fala do mundo aqui. O termo é bastante abrangente, e inclui muita coisa. Aqui Paulo vai direto ao espírito da coisa. Você observa o contexto. É bom que consideremos. “Pois nem mesmo aqueles que recebem a circuncisão guardam a lei; porém querem vos circuncidar, para que possam se gloriar na carne”. (verso 13). O que o apóstolo quer dizer? Eles dizem: Vejam quantos prosélitos nós fizemos! Vejam quantos seguidores e discípulos nós temos! Vejam quão bem sucedidos é o nosso movimento! Vejam que poder estamos nos tornando no mundo! Vejam todas as marcas da benção divina repousando sobre nós! O apóstolo diz: Isto é terreno em princípio, e em espírito isto é do mundo. Ele estabelece em contraste a isto a sua própria posição espiritual. Procuro eu glória de homens? Procuro eu agradar a homens? Não! O mundo está crucificado para mim, e eu para todo esse tipo de coisas que não tem valor para mim. O que importa para mim não é se o meu movimento é bem sucedido, ou se estou conseguindo muitos seguidores, ou se há muitas manifestações exteriores de sucesso; o que importa para mim é a medida de Cristo naqueles com os quais eu me relaciono. É maravilhoso como isto, no final da carta, recai sobre esses gálatas, e sobre todo o objetivo da carta. Lembramos das palavras nas quais este objetivo é resumido: “Meus filhinhos, pelos quais de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós.” Cristo formado em vós, este é o meu interesse, ele diz, é isto o que importa para mim, não grandiosidade, popularidade, de modo que digam que este ministério é bem sucedido. Isto é terreno. Estou morto para todas essas coisas. Estou crucificado com Cristo para tudo isso. O que me interessa é Cristo, a medida de Cristo em vós.

Você vê como o mundo se move, e quão mundanos podemos nos tornar quase que imperceptivelmente ao considerarmos as coisas aparentes; de como os homens irão pensar e falar, o que dirão, que atitude tomarão, da medida de nossa popularidade, do nosso sucesso. Tudo isto é do mundo, diz o apóstolo, o espírito do mundo, é assim que o mundo fala. Esses são os valores perante os olhos do mundo, porém não diante dos olhos do Cristo Ressurreto. Na nova criação, no lado da ressurreição da cruz, apenas uma única coisa determina o valor, e isto é: a medida de Cristo em todas as coisas. Nada mais tem valor absolutamente, não importa quão grande a coisa seja, quão popular, não importa quão favoravelmente os homens possam falar a respeito; no lado da ressurreição isto não tem qualquer valor. O que vale é QUANTO de Cristo há. Você e eu na cruz do Senhor Jesus devemos chegar à posição onde estejamos crucificados para todas as demais coisas. Ah, você pode não ser popular, e o serviço pode ser muito pequeno; pode não haver aplausos, e o mundo pode desprezar, porém em tudo deve haver algo que é de Cristo, é nisto que os nossos corações devem estar colocados. O Senhor nos dá graça para esta crucificação. Há poucas coisas mais difíceis de suportar do que ser desprezado; mas Cristo foi desprezado e rejeitado pelos homens. O que uma coisa é perante os olhos de Deus isto deve ser o nosso padrão. Este é um padrão da ressurreição. Agora esta é a vitória da cruz. “Deus não permite que nos gloriemos, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Assim você vê que em cada ponto a cruz está ligada ao propósito pleno de Deus, o de nos conformar à imagem de Seu Filho. O Espírito Santo deve manter a cruz em operação em nós, e devemos manter nossa atitude e relação com a cruz, para manter o caminho aberto para o propósito de Deus, a imagem de Seu Filho.

FIM

Tradução: VNS

Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.