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Prisão - vocação - provisão

por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado na revista "A Witness and a Testimony", Set-Out 1953, Vol 41-5. Origem: "Prison - Vision - Provision". (Traduzido por Maria P. Ewald)

”E o senhor de José o tomou e o lançou no cárcere, no lugar onde os presos do rei estavam encarcerados; ali ficou ele na prisão" (Gênesis 39:20).

”Então, Faraó mandou chamar a José, e o fizeram sair à pressa da masmorra; ele se barbeou, mudou de roupa e foi apresentar-se a Faraó. Este lhe disse: Tive um sonho, e não há quem o interprete. Ouvi dizer, porém, a teu respeito que, quando ouves um sonho, podes interpretá-lo. Respondeu-lhe José: Não está isso em mim; mas Deus dará resposta favorável a Faraó.
Disse Faraó aos seus oficiais: Acharíamos, porventura, homem como este, em quem há o Espírito de Deus?
E ajuntou José todo o mantimento que houve na terra do Egito durante os sete anos... Assim, ajuntou José muitíssimo cereal, como a areia do mar, até perder a conta, porque ia além das medidas.
Havendo, pois, fome sobre toda a terra, abriu José todos os celeiros e vendia aos egípcios; porque a fome prevaleceu na terra do Egito"  (Gênesis 41:14-16, 38, 48, 49, 56)
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”… querendo Félix assegurar o apoio dos judeus, manteve Paulo encarcerado" (Atos 24:27).

"Uma vez em Roma, foi permitido a Paulo morar por sua conta, tendo em sua companhia o soldado que o guardava" (Atos 28:16).

”…o prisioneiro no Senhor..." (Efésios 4:1).

”Eu, João... achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus... ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta, dizendo: O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas" (Apocalipse 1:9-11).

As passagens citadas acima são um resumo das vidas e ministérios de três servos de Deus, e o fruto da experiência deles representou vida abundante para o povo de Deus. Mas esse caminho escolhido pela soberania de Deus não é peculiar apenas a esses três. Vemos isso se repetindo na história de muitos outros, nos tempos bíblicos e desde então. No primeiro caso, poderíamos acrescentar os casos marcantes de Jeremias e Daniel.

Também temos muitos desses registros no 'Livro de Recordações' daqueles cujo caminho árduo significou - e representa ainda hoje - pão para os espiritualmente famintos. A prisão nem sempre foi literal, com cadeias e encarceramento. Às vezes foi a prisão em um quarto na doença; às vezes o isolamento em um local para exercer um serviço divinamente designado; às vezes a prisão foi fruto de rejeição e exclusão de um servo de Deus por causa de preconceito, cegueira, ciúme ou pequenez espiritual por parte daqueles que puderam forçá-lo a sair. Poderíamos - e podemos - afirmar no caso de muitos que foi: "pela palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus".

Existem algumas características de tais 'prisões' que valem mencionar. De maneira geral, é claro, temos que ter nossos corações tranquilos quanto à certeza do governo Divino. Isso se tal posição não for resultado de um caminho desobediente, obstinado ou rebelde por parte do envolvido, e se a situação não for resultado de algo semelhante à situação de Jonas; ainda que possamos errar, pois somos cercados de fraquezas. Deus é maior do que tudo, e se apresentarmos a Ele um coração realmente fiel, Ele pode transformar todas as coisas para servir ao Seu propósito principal: "Quem faz todas as coisas segundo o conselho de sua própria vontade" .

Em situações difíceis e aparentemente impossíveis, sempre haverá muito espaço para reflexão sobre as falhas e erros que podem explicar o problema. 'Se ao menos'... é uma reflexão desoladora. 'Se ao menos Paulo não tivesse apelado para César!' 'Se ao menos José tivesse contado a Potifar o que sua esposa realmente tinha feito!' Não há fim para esse tipo de reflexão, e são muito poucos os que, se tivessem oportunidade de passar por tudo de novo, não fariam - imaginam eles - de maneira diferente, e assim evitaram muitos problemas. Não estamos nos referindo a pecados particulares, mas a 'erros'. A questão dos pecados do passado nem é preciso dizer que devemos - com nossa luz presente - não mais repetir. Considerando tudo o que agora consideramos errado, na ocasião agimos de acordo com a melhor luz que possuíamos. Isso dá um espaço muito grande para a graça soberana, e a graça soberana é suficiente para a tarefa.

O adversário de Deus e de nossa caminhada com Ele nos açoitará com acusação para nos fazer desconfiar do Senhor. Há, portanto, uma ampla esfera que deve ser definitivamente entregue ao entendimento e a misericórdia do Pai.

Dito isso, podemos olhar para algumas dessas características mais reconfortantes da adversidade.

1. Deus nunca é tomado desprevenido, nem é vítima de atividades adversas. Este fato é bem evidente nos casos citados acima.

O veredicto clássico de José sobre toda aquela experiência destruidora de sua alma foi 'Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem'[Gn 50:20], e então ele dá a razão que justifica tudo - 'Deus queria aquilo acontecesse'. Paulo e João teriam endossado de coração esse veredicto.

A própria presciência de Deus ao escolher e chamar Seus servos, cujos corações Ele purifica de ambições egoístas e mundanas, está envolvida no que lhes acontece no caminho de sua devoção a Ele. Mesmo Jó, que passou por uma das histórias mais desconcertantes, pôde afirmar: "Ele sabe o meu caminho" [Jó 23:10].

Podemos dizer que nem mesmo na maior e mais terrível das faltas do homem e no aparente triunfo de Satanás - na "Queda" - Deus estava despreparado e desprovido de um caminho. A resposta estava com Ele antes que a demanda realmente existisse - "do Cordeiro que foi morto desde a fundação [o estabelecimento] do mundo" [Ap 13:8]. O propósito de Deus justificou Sua permissão. Graça e glória transcenderão vastamente o sofrimento e a tristeza. Com Deus não há imprevistos. "Ele é o Senhor de tudo".

2. Enquanto o servo em questão está passando pela provação escura, fria e desolada da 'prisão', ele não entende o sentido de tudo que está passando. Na melhor das hipóteses ele sabe que o Senhor é Deus. Todas as aparências são de que ele está sendo cortado, calado ou fechado; esquecido; sofrendo com a traição, deslealdade, crueldade ou inconstância de homens – até mesmo de irmãos - ou o despeito maligno dos poderes do mal, humanos e satânicos. Os ferros podem corroer sua alma, como fez com José [Sl 105:18,19]. A batalha contra a amargura de espírito, a decepção, a depressão e o desespero pode ser feroz. José não tinha conhecimento dos próximos quatorze anos de vindicação, o fruto de seus sofrimentos. A desilusão era um inimigo cruel, pois a experiência presente provê um terreno para os espíritos malignos zombarem de seus primeiros sonhos de honra.

Paulo e João nunca imaginaram que durante dois mil anos as pessoas leriam com imenso proveito e ganho aquilo que resultou de suas prisões. Eles não sabiam nada sobre o fazer história espiritual para perdurar pelo tempo da eternidade. Mas assim foi.

3. O principal fator nessas prisões e aparentes limitações foi que o fruto ainda estava por vir. Os sonhos de Faraó e a interpretação de José relacionavam-se a um tempo que ainda não havia chegado e que deveria ser preparado somente pela fé. Deus sabe o que está por vir, e Ele mesmo prepara e provê uma situação além do presente. Na noite escura e profunda da adversidade, Deus pode estar fazendo alguma coisa, garantindo algo que "preservará muita gente viva". Em nosso próprio tempo, por causa da pobreza e superficialidade dos recursos que dispomos, ocorre uma reversão e reprodução de um ministério mais profundo, mais forte e mais satisfatório para o coração que vem daqueles tempos em que custava profundamente ser "obediente à visão celestial" .

O escritor incluiu entre seus amigos pessoais um servo de Deus cujo nome é conhecido mundialmente por seu ministério de ensino da Bíblia. Aquele querido homem foi anteriormente o ministro de uma certa igreja. Chegou um momento em que as pessoas responsáveis naquela igreja decidiram adotar políticas e procedimentos que ele acreditava serem bastante contrários aos princípios espirituais. O ministro resistiu a isso por motivos bíblicos. Ele foi forçado a deixar a igreja, e como 'isso não aconteceu em um lugar remoto', foi tomado pela imprensa secular e religiosa, principalmente para sua condenação. Por vários anos nenhuma igreja ou povo quis saber dele. Ele foi condenado ao ostracismo, excluído, isolado e confinado em sua própria casa, ficando - com sua esposa - aos seus últimos centavos. Mas, ele me disse: 'Foi naqueles anos de prisão que consegui me entregar tão completamente à minha Bíblia a ponto de preparar o terreno para os muitos anos subsequentes de ensino mundial da Palavra!' Não havia igreja, por mais importante que fosse, e nenhuma convenção, por maior que fosse, que não o acolhesse (se fossem fiéis à Bíblia), e a universidade da cidade de seu antigo ministério o honrou com um doutorado em divindade.

Nem todos - em sua vida - recebem sua vindicação, mas o princípio é válido que, em tempos de adversidade, Deus prepara e provê o necessário para o tempo que virá.

Assim, Israel foi preservado para os séculos seguintes, apesar da traição dos irmãos; porque José foi para a prisão e ali provou o seu Deus.

Assim, temos os tesouros infinitos do ministério de Paulo durante a prisão em suas cartas. Também temos a riqueza inestimável das visões e escritos de Patmos de João. Para estes não havia nada mais a fazer senão escrever; e a escrita - embora eles não soubessem - seria o alimento dos santos por muitas gerações vindouras.

Prisão. Deus só conhece todos os exercícios de um coração ansioso quando encarcerado e limitado por - o que parece ser - a crueldade dos homens ou a adversidade!

Visão. No entanto, esses tempos podem ser tempos de um 'Céu aberto' e muito enriquecimento espiritual.

Provisão. O fruto pode ser vida para muitos em tempos de fome espiritual.


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