por
T. Austin-Sparks
Publicado pela primeira vez na revista "A Witness and A Testimony", em maio-junho de 1967, Vol. 45-3. Origem: "The Importance and Value of Experience". (Traduzido por Maria P. Ewald)
”E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5:3-5).
“Perseverança (produz) experiência”.
Existem diferentes traduções para a palavra ‘experiência’ citada no verso acima. Na RV [Versão Revisada] a palavra adotada foi ‘provação’, enquanto na ARV [Versão Revisada Americana] ‘aprovação’ [traduzida como ‘caráter aprovado’ na nossa versão NVI]. Tudo isso nos indica a riqueza de sentido e conteúdo dessa palavra no seu idioma original. Seu verdadeiro sentido indica que a aprovação ocorreu como resultado de provas e, de fato, acredito que a Versão Autorizada ofereceu a melhor tradução do original ao adotar a palavra 'experiência'. Penso assim por que a partir do mesmo radical temos a palavra 'experimento', que significa uma tentativa e um resultado, que traduz a essência dessa palavra. “Tribulação produz perseverança” (ou paciência) e perseverança (ou paciência), experiência”.
Vemos muitas instâncias e afirmações no Novo Testamento que indicam que a experiência tem um lugar muito elevado, com grande importância e valor aos olhos de Deus. A experiência é a qualidade ou essência da estatura, da maturidade. Existe uma grande ausência de líderes destacados em nosso tempo, em todas as esferas. Houve um tempo diferente, quanto existiram muitos deles no âmbito da política e do estadismo, na arte, na literatura e na música, mas estes homens pertenceram a uma geração que já passou. Em nossos dias, eles não estão mais entre nós, e existe uma séria carência de liderança, de homens de estatura, que fazem diferença. O Senhor atribui tanta importância à experiência, enfatizando tanto o seu caráter insubstituível, que está disposto a assumir riscos muito elevados e sérios com as vidas, para conceder a elas experiência.
Às vezes até pode parecer que o Senhor está fazendo experiências conosco. Não sei se essa seria a maneira correta de dizer isso, mas esse seria o sentido. O Senhor está preparado para nos colocar em situações que podem ter as mais sérias consequências para obtermos experiência; devido ao grande valor e importância envolvidos nisso para Ele, pois nisso reside o cerne da nossa utilidade e valor para Ele - na experiência.
Experiência com Deus é muito mais do que apenas conhecimento. Podemos ser muito bem informados e ter muito conhecimento, mas se formos carentes de experiência, nosso conhecimento será puramente técnico. Experiência é mais que conhecimento, e é muito mais que inteligência. Pessoas inteligentes podem ser capazes de fazer muitas coisas e podem até parecer bem sucedidas. Entretanto, a ausência da qualidade da experiência será demonstrada, mais cedo ou mais tarde, por meio do colapso de sua estrutura, uma vez que não havia uma base sólida ali.
A experiência é algo que nunca poderemos herdar, nem pode ser transferido de uma pessoa para outra; precisa ser adquirida. É, portanto, posse e propriedade do indivíduo que a possui, algo muito pessoal. Se fosse possível ao Pai conduzir Seu próprio Filho, o Senhor Jesus, ao fim designado e determinado por Ele de qualquer outra maneira, certamente Ele o faria. Mas o único caminho foi por meio da experiência: ”…embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu" (Hb 5:8); Ele foi ”aperfeiçoado por meio de sofrimentos" (Hb 2:10). Até Jesus Cristo (digo isso em certo sentido) precisou adquirir Sua experiência. Ele precisou atingir a plenitude dela para ser aperfeiçoado, tornado pleno, por meio do caminho da experiência.
O Espírito Santo não substitui a experiência, mesmo considerando tudo o que o dom do Espírito representa para o provimento, capacitação, instrução e fortalecimento do povo de Deus. Muitas vezes pedimos que o Espírito Santo faça certas coisas por nós que Ele nunca fará, em vez disso, Ele nos conduzirá à experiência. Essa é a única maneira dEle responder às nossas orações, dando-nos experiências. Pedimos algo ao Senhor e obtemos a resposta por intermédio das experiências pelas quais Ele nos conduz. Não era isso que desejávamos, é claro, queríamos que o Senhor fizesse algo instantaneamente, como que concedendo um dom, num ato soberano. Entretanto, isso teria sido algo meramente objetivo, concedido, enquanto Ele deseja tornar a resposta parte de nossa constituição e, dessa forma, responde à oração com alguma experiência. 'Perseverança (produz) experiência' e, se não houver experiência, qual será o seu benefício?
Portanto, a experiência tem ainda mais importância do que a libertação da tribulação. 'Tribulação produz experiência'. Quantas vezes perguntamos ao Senhor por que Ele permitiu que algo nos acontecesse, ou por que Ele não fez isso ou aquilo. Por que Ele não impediu Adão de pecar? Por que Ele não interveio no mundo, antes que acontecessem tantas coisas que tiveram resultados terríveis? A necessidade da experiência é parte dessa resposta.
A experiência é muito importante porque, afinal, é a própria natureza do serviço. Quando estamos na vida real e enfrentamos situações que envolvem as maiores consequências não queremos apenas informações, mas buscamos experiência, iremos aonde for em busca dela. Não é assim que acontece? Dessa forma, a experiência é a própria essência, a natureza do serviço e utilidade para o Senhor.
Bunyan toma, em sua alegoria [Um Peregrino], um homem chamado Experiência, que é um dos quatro pastores das Montanhas Aprazíveis: Conhecimento, Experiência, Vigilante e Sincero. Todos eles, é claro, são parte integrante de um só ministério e não devem ser considerados separadamente. O conhecimento acompanhado da experiência é adequado e não deve ser desconsiderado; mas deve ser um conhecimento experimental.
Com o Bunyan descreve esse pastor denominado Experiência? Um visitante do país dos quatro pastores o descreve assim: 'Firmemente entretecido em sua constituição, com um olhar astuto, mas gentil, uma postura de alegre prontidão e evidente sabedoria, duramente conquistada, firmada em seu interior, capacitando-o para o trabalho e o controle’. Essa é uma boa definição de experiência: 'capacidade de trabalho e de controle', 'sabedoria duramente conquistada’. Ele era um pastor, e bem sabemos que a ideia bíblica do pastor é bem diferente da nossa. Um pastor nas nossas terras precisa vasculhar por toda parte em busca das as ovelhas para tentar reuni-las, usando cães e outros meios para agregá-las.
Um pastor na Síria só precisa ir a um certo ponto e começar a cantar um salmo. Como as ovelhas conhecem sua voz, elas se reúnem ao seu redor, e ele pode conduzi-las a qualquer lugar enquanto ora ou entoa seu salmo. Elas conhecem sua voz e o seguem. Assim também acontece nos nossos dias: liderança é pastoreamento; pastoreamento é liderança. Mas a experiência é o pastor, portanto a experiência é o líder.
Certamente, tudo isso dependerá totalmente do nosso interesse, se desejamos ter maior valor para o Senhor e para os outros, ou se estamos centrados em nossos próprios interesses. Se estivermos preocupados com isso, essa questão da experiência nos atrairá, caso contrário, o que estou dizendo não terá sentido para você. Mas não podemos fugir do fato de que o Senhor está ativamente engajado nisso, em nos tornar úteis, independente de nosso coração estar nisso ou não.
Qual seria o porquê e a causa das experiências, dos difíceis caminhos por meio dos quais Deus nos conduz? E como explicar a forma como Ele, por assim dizer, corre esses terríveis riscos conosco? O Senhor realmente parece assumir o risco de nossa rebelião, amargura, interpretações errôneas de Seus tratos conosco, e até mesmo nossa rebelião e fuga de Seus caminhos.
Ele arrisca muito quando nos coloca em situações difíceis, mas por entender que vale a pena, devido a experiência que será obtida nesse processo. Mesmo nossas reações erradas nesses momentos difíceis darão mais lugar à experiência, se tomarmos a perspectiva do longo prazo. Ele até mesmos controla soberanamente nossa rebelião e amargura. Descobriremos que podemos aprender algo nesse sentido; poderemos ajudar, instruir e aconselhar onde essa ajuda for aceitável e necessária. Sim, o Senhor está fazendo tudo isso para obter experiência, não para nos tornar pastores profissionais, mas pastores, 'firmemente entretecidos em nossa constituição’, com ‘um olhar astuto, mas gentil’, com aquela prontidão e 'sabedoria duramente conquistada’, para ajudar aqueles que dela precisarem. É isso que o Senhor está fazendo conosco, nos conduzindo à experiência.
Assim, a experiência é a personificação daquilo que tem valor prático. Indica algo experimental, experimentado, indica o lado prático do conhecimento. Isso é quase óbvio demais para se dizer. A tribulação é algo muito prático, real, não poderemos fugir disso. A demanda por paciência na tribulação também é algo muito prático; não se trata de uma teoria.
Se o objetivo da tribulação for produzir paciência e estabelecer firmeza, então a experiência é algo muito bom. Podemos não ter muitas outras coisas, talvez nem tenhamos grande conhecimento ou aprendizado, grandes capacidades ou esperteza, coisas consideradas confiáveis pelo mundo. Se fôssemos testados pelos padrões de habilidade deste mundo, e nossa resposta fosse: 'Só tenho experiência', isso seria pouco. A resposta seria: ‘Quantos títulos você tem, em quais exames foi aprovado?’ Dizer que temos alguma experiência não seria suficiente, enquanto se tivéssemos todos os títulos, sem experiência, provavelmente teríamos boa aceitação garantida no mundo.
Mas não é assim com Deus. Os exames realizados por Ele são de outra ordem. Podemos não ter muitas coisas, podemos ser até desprezados quando se trata do que realizamos no sentido acadêmico, podemos não ter muitos títulos, graduações - podemos não ser muito na ótica desse mundo, mas lembre-se que Deus coloca muito mais importância na experiência do que em todo o resto, e isso é algo que todos nós podemos obter. Do menor ao maior, todos nós podemos ter experiência e, como isso é tão importante aos olhos do Senhor, Ele nos conveniente nos informa sobre as muitas tribulações. “Tribulação produz... experiência”.
Você compreendeu o pleno sentido dessa palavra que foi traduzida em nosso idioma como ‘tribulação’? Tribulação é uma palavra ilustrada no grego por meio da imagem de um instrumento agrícola que chamamos de rastelo ou grade. Sabemos bem o que é passar por uma experiência angustiante. Sabemos bem o que é o rasgo, o corte e a dilaceração causados pela grade! Esse seria o sentido literal da palavra aqui; a grade passando pelas nossas costas, assim funciona experiência. A experiência tem esse valor.
Devemos enfatizar que tudo isso precisa ter um valor eterno? O valor precisa ser eterno, caso contrário, a vida é um mistério inexplicável, um grandioso enigma. Pode chegar o momento em que os jovens, depois de passarem por experiências profundas, e tendo a adquirido por um alto preço, algo de grande valor, descobrirão que os mais jovens não a desejarão, não cogitarão a esse respeito, sequer buscarão ajuda desse tesouro.
Quando o que você adquiriu através de profundas experiências tem muito pouca resposta neste mundo, ou tem um escopo de expressão muito restrito, então isso se torna em um grande enigma! Qual é o valor disso tudo pelo qual você passou, tudo o que adquiriu por tão alto preço? Isso precisa ter um valor eterno. Deus deve estar trabalhando para obter algo que tenha um alcance maior do que nossa pobre existência.
Se atestarmos que as tribulações talvez até aumentem na medida que envelhecemos, qual então seria sentido disso tudo? Bem, a visão do Senhor é mais longa, e algumas dessas coisas devem contar para Ele além do tempo. Assim, Ele permite que a tribulação produza paciência, e paciência, experiência: “havendo ciência, passará" [1Co 13:8]; mas a experiência permanecerá e será útil na eternidade.
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