por
T. Austin-Sparks
Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Mar-Abr 1953, Vol. 31-2. Origem: "The Wondrous Ways of God". Do livro “As Obras do Ministério” Volume 1 (“The Work of The Ministry” - Vol.1). (Traduzido por Maria P. Ewald)
Que estranha justaposição de símiles! Seria difícil ter um contraste maior do que o apresentado nesses dois versos - um piloto pelo mar e um pastor com seu rebanho. O mar em fúria e alvoroço, uma tormenta e tempestade - e, lado a lado com isso, um pastor e seu rebanho. Um quadro de inquietação, perturbação, ansiedade, estresse, poderosas forças em ação; e outro que traduz tranquilidade, descanso, calma. Que contraste! Ainda assim reuniu em uma só declaração aquilo que o Senhor é para o Seu povo - um piloto, um pastor.
Você precisa ler todo o salmo para captar o pleno valor disso. A primeira parte do salmo é um registro da aflição, perplexidade, desorientação, um grito de angústia, atingindo a agonia de pensar que Deus “cessou perpetuamente a sua graça?”; "Esqueceu-se Deus de ser benigno?" - questionamentos sobre o Senhor. E então o escritor se lembra e diz: "Então, disse eu: isto é a minha aflição… Recordo os feitos do SENHOR, pois me lembro das tuas maravilhas da antiguidade"; e todo o tom muda. A lembrança e a revisão de como tudo funcionou no longo prazo trouxe tranquilidade, conduzindo finalmente a esse resumo no final. E, ainda assim, isso é apenas uma introdução - porque, indubitavelmente, os dois últimos versos deste salmo são uma introdução ao próximo, aquele grande registro histórico das relações do Senhor com Seu povo - o Salmo 78. Que longo salmo ele é, contando os movimentos do povo do Senhor e da orientação e trato do Senhor com eles. O salmista trabalhou dessa maneira. Com tudo o que há aqui para a meditação mais útil, encorajadora e tranquilizadora, podemos, no momento, examinar apenas a essência da questão.
Vou mudar a metáfora novamente, do piloto através da tempestade, e do pastor com o seu rebanho, para a do montanhista. Existem três picos que todo filho de Deus tem que dominar - esses picos são sugeridos por este salmo. Nós não somos realmente qualificados para o serviço do Senhor, nem para a própria vida em relação a Ele, até que tenhamos conquistado esses três picos. Eles nos desafiarão; e podem nos intimidar repetidas vezes; mas de uma forma ou de outra teremos dominar-los e eles têm que parar de nos aterrorizar, não mais nos ameaçando, por não mais nos derrotarem ou enfraquecerem.
O primeiro desses picos que surge deste salmo com muita clareza é o propósito Divino que governa tudo. Sabemos como esta montanha se apresentou a Israel no começo de sua história. Quando o salmista se refere a ‘Pelo mar foi teu caminho’ e 'as tuas veredas, pelas grandes águas', do que ele está falando? Indubitavelmente sobre como o Mar Vermelho os confrontou. Que terror, que pavor havia naquela noite! Podemos imaginar como o vento do leste uivava e a água açoitava. Que pavor aquele mar foi para o povo - com que medo e trepidação eles se aproximaram de seus bancos! As águas empilhadas como uma parede à esquerda e à direita pouco serviam para diminuir seu terror. Foi uma noite terrível, aquela da passagem pelo Mar Vermelho. Foi, em certo sentido, uma verdadeira montanha a ser enfrentada - e uma montanha de possibilidades terríveis para eles. Mas, você percebe o que o salmista diz? Ele diz (Salmos 77:16) que essas águas foram - bem, nossa tradução não nos dá a palavra exata. Eles estavam preocupados, angustiados, gemiam, e a palavra original que é usada para descrever o estado das águas sugere que elas estavam em dores de parto, que o mar estava em trabalho de parto, e a nação nasceu naquele mar naquela noite. Uma nação nasceu no Mar Vermelho naquela noite e as águas estavam angustiadas. É uma imagem.
Vemos o propósito Divino trabalhando na tempestade: por trás do medo, do terror, tudo o que parecia tão horrível naquela noite, o propósito Divino estava governando, produzindo uma nação, trazendo uma nação ao nascimento - "Pelo mar foi teu caminho". Isso é uma coisa que mais cedo ou mais tarde teremos de resolver, que o furioso, terrível, temeroso, ameaçador, aquilo que parece significar nossa ruína está sendo governado pelo propósito Divino para produzir algo de grande valor para Ele. A lembrança disso salvou o salmista quando ele estava clamando com aqueles questionamentos: "Rejeita o Senhor para sempre? Acaso, não torna a ser propício?… Esqueceu-se Deus de ser benigno?" O salmista estava em um estado de aflição. Acho que ele estava expressando o estado do povo naquele momento e imaginando se o Senhor não havia abandonado completamente o Seu povo e o deixado. Então ele diz: 'Vamos olhar para trás - vamos voltar ao nosso começo como nação. Nós não nascemos em meio à uma ameaça? Não começamos nossa história naquilo que parecia falar de destruição? Não foi na mais terrível tempestade que nós, pelo grande poder de Deus, saímos como Seu povo, libertos, salvos, separados?' Essa lembrança salvou o salmista naquela hora, e nós também teremos que alcançar o lugar onde diremos, a cada nova tempestade, fúria, ameaça, pavor, medo, ataque, seja o que for - Deus tem algo nisto; Seu propósito governa.
Mas então isso envolve outra coisa, traz algo mais com isso.
O segundo pico de montanha é este - a ordenação da sabedoria Divina. Não é só que haja um propósito que é o fim, mas que há uma sabedoria ditando o caminho até lá. O salmista olhou para trás e viu, dizendo para si mesmo: "Ah, na época não podíamos ver nenhuma sabedoria de Deus agindo, a maneira como estávamos indo parecia ser algo tão confuso, contraditório, tudo parecia ser qualquer coisa menos a direção da ordenação da sabedoria divina; mas agora eu posso ver: Deus escolheu o caminho, o método, os meios que Ele sabia que mais efetivamente alcançariam o Seu fim, e nós temos que conquistar aquela montanha. Parece tão estranho, o caminho que o Senhor vai. O que o Senhor está fazendo? Por quê? Todas essas perguntas surgem. Mas a sabedoria está ditando o caminho até o fim.
E então, o amor Divino controla. Ele controla o fim, o caminho, os motivos. Sim, temos um Piloto; mas ele não é um piloto desinteressado e separado, apenas fazendo seu trabalho sem qualquer relação de coração com as pessoas sob seus cuidados. A metáfora muda imediatamente, como se dissesse: 'Ah, há algo mais nela do que isso. Deus não está apenas nos conduzindo entre as dificuldades de maneira fria e imparcial. Ele é um Pastor.’ E se há uma imagem na Bíblia de um relacionamento de coração com os outros, é a imagem do pastor. O coração de Deus está ligado ao Seu povo, e o salmista diz uma coisa interessante aqui. "Pelo mar foi o teu caminho; as tuas veredas, pelas grandes águas; e não se descobrem os teus vestígios". O que ele quer dizer?
Volte novamente, depois que tudo acabar, para o outro lado do Mar Vermelho. O vento se aquietou e a tempestade parou. Você olha para ver onde estão as "pegadas" Dele e não consegue encontrá-las. Você não pode dizer: "Ele fez assim isso e aquilo". Você não pode descobrir como Ele fez as coisas. O fato é que Ele fez, e isso é tudo. Você não pode explicar, definir, marcar isso. O salmista está dizendo: "É assim que Deus faz as coisas". Ele faz as coisas mais maravilhosas - coisas que envolvem toda a questão da vida e da morte para nós; e quando Ele as fez, você simplesmente não pode ver qualquer traço de como Ele as fez - mas elas foram feitas. Não temos que dizer isso? Nós nos deparamos com uma situação como a do Mar Vermelho, e dizemos: 'Como vamos dominar isso? O que o Senhor vai fazer com esta situação?’ Ele apenas faz. Nós olhamos para trás, de novo e de novo, e dizemos: 'O Senhor fez isto, mas como, eu não sei'. “Não se descobrem os teus vestígios". Você não pode descobrir como o Senhor faz as coisas, mas Ele as faz. Ele traz a grande tempestade para servir ao Seu fim, pela Sua sabedoria, no Seu amor, porque Ele é o Pastor do Seu rebanho - porque o Seu coração está ligado a eles. Ele se importa conosco.
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