por
T. Austin-Sparks
Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Nov-Dez 1959, Vol. 37-6. Origem: "Spiritual Warfare (1959)". (Traduzido por Maria P. Ewald)
“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gênesis 3:15).
“Ora, em toda a terra de Israel nem um ferreiro se achava, porque os filisteus tinham dito: Para que os hebreus não façam espada, nem lança. Pelo que todo o Israel tinha de descer aos filisteus para amolar a relha do seu arado, e a sua enxada, e o seu machado, e a sua foice” (1 Samuel 13:19,20).
“Este é o dever de que te encarrego, ó filho Timóteo, segundo as profecias de que antecipadamente foste objeto: combate, firmado nelas, o bom combate” (1 Timóteo 1:18).
“Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas” (1 Timóteo 6:12).
A primeira dessas passagens nos informa da existência de uma inimizade desde o início de tudo. Devemos compreender que existem apenas duas categorias de pessoas na criação: ‘a semente de Satanás', sejam homens ou demônios, e a ‘semente de Cristo', e desde o princípio existe uma inimizade entre elas, o que pode ser visto claramente na raça humana. Existe algo na natureza humana que tem inimizade contra Deus, contra aqueles que são Dele ou de Cristo. Sabemos que vivemos em um universo que é totalmente inundado com inimizade e hostilidade. Isso transcende a humanidade, esse combate é espiritual e está nas regiões celestiais, estando por trás das coisas visíveis.
Esse é um assunto vasto e iremos enfatizar apenas um aspecto nesse momento. Acredito que frequentemente ficamos enfraquecidos e em desvantagem por ainda ficarmos surpresos em relação a isso. Por que todas essas experiências, o stress, a pressão, o antagonismo e o conflito? Precisamos compreender, de uma vez por todas, que isso está na constituição das coisas; e, até que elas sejam mudadas - com um novo céu e nova terra - isso continuará acontecendo conosco. Desde nosso nascimento, fomos trazidos a uma esfera de conflito. Então, pelo novo nascimento, fomos conduzidos a uma outra direção e começamos a compreender um pouco mais daquilo que já percebíamos anteriormente. Isso é algo que devemos ter bem claro, como um fato: isso continuará até o fim de nossa jornada.
Sei que não é um pensamento muito confortante e pode até soar muito deprimente. No entanto, muito de nossa derrota resulta de não temos esse assunto bem claro e definido diante de nós. Fique claro que iremos permanecer no conflito espiritual até o fim. Será sempre assim, e é melhor nos ajustarmos a isso, reconhecendo sua realidade. Estamos em um combate entre dois grandes sistemas espirituais, encabeçados por dois grandes líderes. De um lado temos satanás e suas hostes, ou como Paulo as denomina: ‘forças espirituais do mal’. Do outro lado, temos o Senhor Jesus, e Ele também tem Seus exércitos. Esses dois lados estão posicionados com forças militares mortais.
Precisamos, contudo, saber e reconhecer não apenas o fato, mas também a estratégia de cada líder. No que tange a satanás, sua estratégia suprema é neutralizar o espírito de combate. Anote isso! Essa é a pequena ilustração da passagem que lemos de Samuel. Os Filisteus estavam sempre buscando neutralizar o testemunho de Israel. Sua estratégia era simplesmente roubar de Israel todas as armas de combate. Tomando todas elas, eles não poderiam lutar, já que não teriam nada com que combater. Essa é a suprema estratégia do inimigo - neutralizar o espírito de combate do povo de Deus.
Incontáveis são os caminhos adotados pelo inimigo. Ele vai paralisar o povo de Deus, tentando os sobrecarregar com demonstrações ostensivas de poder e influência, para criar neles um sentimento de ele é maior do que o Senhor. Se o inimigo não pode nos levar a acreditar que ele não existe, vai fazer tudo que puder para nos levar a ‘super-avalia-lo’ - ou seja, levar-nos a acreditar que ele é maior do que realmente é. Ele cria ostensivas demonstrações de poder para nos fazer sucumbir a esse sentimento: que ele é muito grande para nós, e que as suas forças são muito poderosas. É claro que isso não é verdade, mas, se permitirmos que esse pensamento penetre em nosso coração, isso pode roubar a nossa força de combate. Por isso, ele age dessa maneira.
Outra forma usada pelo inimigo para neutralizar o nosso espírito de combate, é introduzir confusão, paralisando-nos, levantando questões, gerando mentes divididas. Dessa forma, ele traz desconfiança, incertezas e dúvidas ao povo de Deus. Quando isso acontece, toda a nossa segurança se dissipa. Estaremos acabados se o inimigo tiver sucesso em sua estratégia de nos fazer nos voltarmos para nós mesmos e para nossos problemas, por meio desses questionamentos que nos distraem. Logo o espírito de combate será perdido.
Outra forma que ele pode usar (mantendo cada exemplo bem próximo das Escrituras, que poderíamos citar em cada conexão), é trazer alguma espécie de corrupção paralisante, algum segredo oculto entre o povo de Deus; algo que pode verdadeiramente os acusar diante do Senhor. Existe muita coisa, é claro, que ele faz que não é correta, mas ele sabe muito bem que se puder trazer algo que é questionável ou errado entre o povo do Senhor, então o Senhor não poderá permanecer por eles. O Senhor estará amarrado em Seu suporte, e não poderá Se comprometer, se houver qualquer tipo de corrupção ou elemento questionável de vida ou conduta do Seu povo.
Poderíamos gastar muito tempo enumerando os caminhos que o inimigo toma para aniquilar o espírito de combate do povo do Senhor. Mas, apesar de não conseguirmos cobrir todo esse terreno, não iremos nos esquecer do seguinte: Se o espírito de combate se for, significa que o inimigo ganhou uma vantagem enorme, e em algum ponto ele estará obtendo sucesso. O inimigo teme, acima de tudo, um povo cingido para o combate, posicionado para a batalha.
Por outro lado, temos a estratégia do Senhor. Nós normalmente apelamos ao Senhor para Se mover e batalhar por nós, solucionando a questão. O que normalmente acontece é que percebemos que o Senhor não faz isso. O Senhor não pode permanecer com um povo que duvida, que pode ser tomado por qualquer tipo de incredulidade ou questionamento. Uma coisa que o Senhor demanda é que tenhamos conhecimento de nossa posição, do terreno no qual estamos, e que isso seja uma profunda certeza em nossos corações, firmemente estabelecida em uma calma, profunda e firme confiança. Não tenhamos dúvida a esse respeito. Um povo que duvida e que questiona é um povo paralisado. O Senhor demanda que sejamos um povo que tem certeza: que saibamos quem somos, para onde estamos indo, e que saibamos qual é o terreno onde estamos posicionados.
O Senhor demanda por um povo unido. O Senhor nunca se posicionará, nem lutará por um povo dividido. É a obra do inimigo dividir. É a estratégia do Senhor trazer uma completa unidade e harmonia. Seu poder está nessa direção, tornando-nos como um só homem, um coração, uma mente e uma vontade. Isso é essencial. O Senhor já falou muito sobre isso na Palavra - como anseia por ter um povo com um só coração. Isso é absolutamente necessário para ter vitória sobre o inimigo.
Novamente, é absolutamente essencial para vitória que tenhamos uma visão e propósito singulares. “Não havendo visão, o povo perece” (tradução de Pv 29:18, versão King James). Onde há uma visão dividida, não há poder sólido para enfrentar o inimigo. Não, precisamos ser um povo com uma visão única; precisamos saber o que o Senhor busca no nosso tempo, nesse mundo - realmente o que é o propósito que o Senhor busca, no qual Ele está comprometido, e precisamos nos alinhar a esse propósito. Um povo com visão representa um povo com propósito distinto e definido. Se não sabemos, temos incertezas, não estamos claros naquilo que somos, para que existimos, então seremos um povo derrotado, seremos roubados o tempo todo. Foi sempre assim com Israel. Quando eles perderam a visão do motivo para o qual Deus os havia chamado, para que os tinha conduzido para fora, só vagaram em círculos e se tornaram um povo neutralizado. É necessário que haja um propósito que nos consuma.
Vamos nos lembrar de como - e podemos ver em muitas ilustrações na Palavra de Deus - sempre que o povo começava a se acomodar e ficar à vontade, deixando de ser ativo e positivo, alguma coisa errada acontecia. Quando eles entraram na Terra e antes de terem exterminado completamente os seus inimigos, eles começaram a se acomodar. Sabemos o que se seguiu. Isso aconteceu com Davi. “Decorrido um ano, no tempo em que os reis costumam sair para a guerra”, ao invés de ir ao combate, "Davi ficou em Jerusalém”; sabemos o que aconteceu (2Sm 11:1). Isso também aconteceu com Salomão, por parecer não haver mais combate a ser realizado, e quando todas as nações ao seu redor estavam subjugadas. Mas o inimigo não pensava assim! Então, quando tudo parecia tão bom e agradável, “Salomão aparentou-se com Faraó, rei do Egito, pois tomou por mulher a filha de Faraó…” (1Rs 3:1). Que sutileza! Sabemos o que se seguiu em Israel. Não demorou muito e o reino de Salomão foi dividido, seguido por toda aquela longa e terrível história. Que tragédia, um rei seguindo outro rei em apostasia, em desastre, em morte.
Não, diligência, o “espírito fervoroso", é um fator muito poderoso no combate. Não podemos ser um povo sem motivação, sem propósito, sem ter nossas vidas absorvidas com algum objeto. Oh, essa obra do inimigo, de roubar de nós o senso de motivação, sem alguma coisa grande o suficiente pela qual viver e trabalhar; enfraquecer nossas mãos ao ponto delas se entregarem. Seremos logo um povo neutralizado se isso acontecer. É necessário que haja algo positivo - como Paulo disse: “Sempre abundantes na obra do Senhor” (1Co 15:58). A pessoa que não tem as mãos cheias o suficiente de propósito na vida será uma pessoa aberta a qualquer tipo de assalto. Mesmo na esfera natural isso é verdadeiro: você será bem mais feliz se estiver ocupado do que se estiver ocioso; será muito mais vitorioso na vida se estiver fazendo alguma coisa, envolvido com algo, o que quer que seja. Assim que parar e sentar (a não ser que seja por fadiga), sabe como as coisas começarão a povoar a sua mente, e, de várias maneiras, logo será absorvido por preocupações e problemas. Mas no reino espiritual isso é uma coisa muito importante: “No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito” (Rm 12:11), um povo como aqueles da antiguidade, que tem “ânimo para trabalhar” (Nm 4:6).
Se voltarmos novamente à Palavra, veremos que todo o progresso e aumento de medida espiritual veio ao povo do Senhor por meio dessa linha de combate, e ainda é assim. Mas qual é o ponto focal de toda essa competição, dessa batalha? Sobre o que tudo isso se volta? Apenas uma coisa: vida. Esse é a combate pela vida. Não se enganem sobre isso, essa é a questão sobre a qual o inimigo está concentrando toda a sua atenção. Em todos os golpes e inúmeros esquemas para nos neutralizar e nos tirar do combate, seu objetivo é aquela vida contra a qual ele se moveu desde o início. Seu sucesso depende da morte. Se ele puder trazer a morte para dentro, de qualquer forma que seja, ele obteve sucesso. Por outro lado, todo o triunfo do povo do Senhor está conectado à vida.
Todo o progresso é uma questão de conhecer mais e mais o Senhor Jesus no poder de Sua ressurreição. Cada novo passo de progresso espiritual vem de uma crise, e cada crise é quando um novo conhecimento do poder de Sua ressurreição será o único meio de nossa salvação. Isso nos traz muita esperança. Se hoje nós estivermos mais conscientes do que nunca, tanto pessoal quanto coletivamente, da necessidade de uma nova e poderosa entrada do poder de Sua ressurreição, então pode ser que o Senhor tenha precipitado a crise a fim de que haja mais da vida Divina do havia outrora. Sempre foi assim. Quando o povo de Israel foi chamado para ser o povo do Senhor, com a herança em vista, isso aconteceu por meio de uma crise de morte e ressurreição. Sua entrada na Terra, para a herança, foi outra crise de morte e ressurreição. Todo o progresso e crescimento aconteceu nessa batalha entre a morte e a vida, vida e morte.
Então chegamos a essa palavra: "Combate... toma posse da vida eterna”. Sabemos que a vida eterna é um dom em resposta à fé no Senhor Jesus. É um dom, mas esse não é o fim da história. Quando ele foi concedido, se tornou o campo de batalha para o restante de toda a nossa experiência Cristã. Até o fim, essa mesma vida será o campo de batalha de todos os Cristãos verdadeiros. Se, por qualquer meio, isso puder ser neutralizado, tornado inoperante, aprisionado, satanás o fará, e esse é o seu objetivo. Por outro lado, o objetivo do Senhor é nos tornar, como Paulo, conhecedores "dele e do poder de Sua ressurreição" em uma maior plenitude. Se um homem conheceu o poder da Sua ressurreição, esse foi Paulo. Isso aconteceu por meio de muitos conflitos mortais, batalhas terríveis e experiências profundas. Ainda assim, em seus últimos escritos, no final de sua longa e plena experiência de conhecer da ressurreição, ele ainda podia dizer: “Para o conhecer, e o poder da sua ressurreição” (Fp 3:10). Isso equivale a dizer: “Ainda não sei tudo. Sei muito, mas ainda tem muito mais para conhecer...".
Para Timóteo, mais ou menos na mesma ocasião, Paulo escreveu: “Toma posse da vida eterna". É esse o ponto de minha ênfase. Não se apóie passivamente sobre o fato de que, pela fé em Jesus Cristo, você tem vida eterna. Lembre-se de que, dia a dia, aquela vida deve ser conquistada, e isso deve ser a base de sua própria sobrevivência, o próprio meio de sua vitória diária. Esse deve ser o terreno de sua vida física, assim como o de sua vida espiritual: tanto em relação ao seu corpo como para a vitória espiritual, precisaremos nos agarrar a essa vida. Se nós soubéssemos mais disso em nossas reuniões de oração - realmente tomando posse dessa vitória para expulsar o inimigo - esse tomar posse positivo, em espírito, da vida. Essa é a batalha, a própria natureza das coisas. Em todo esse turbilhão no qual nos encontramos, não devemos, por um lado, aceitá-lo como algo inevitável, nem, por outro lado, ter uma fé meramente passiva de que, no final, o Senhor triunfará. Entre essas duas posições, há muito na Palavra de Deus nos orientando sobre como devemos ser positivos, sobre tomamos posse; e sobre a nossa atitude de, por um lado, recusar; e por outro lado, nos apegarmos ao fim proposto por Deus [Seu propósito].
Que o Senhor guarde nosso espírito de combate, e que nos ‘adestre as mãos para a batalha e os dedos, para a guerra!’ (Sl 144:1).
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