Austin-Sparks.net

Cativeiro no Senhor

por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Sep-Out 1930, Vol. 8-5. Origem: "Captivity In The Lord". (Traduzido por Maria P. Ewald)

Leia: Efésios 3:1; 2 Timóteo 2:9 e 1:8

De forma muito clara, vemos uma encarnação da história da Igreja nesta era manifestada na vida e experiência do Apóstolo Paulo. Esse certamente parece ser um princípio da economia Divina, de que a revelação seja gravada na pessoa e na história daquele a quem foi confiada, até o ponto de ser possível dizer: “Eu sou um sinal” [Ez 12:11]. Considerando as leituras que temos diante de nós, percebemos que Paulo sofreu um processo de estreitamento e limitação no final de sua vida. Por um lado, vemos uma “grande apostasia”, e por outro, a redução do ministério amplo para o ministério específico, como aconteceu com o seu testemunho. Foi precisamente isso que foi predito como condição geral no “tempo do fim”, e não é de pouca importância que isto esteja referido de forma especial nas afirmações proféticas do final da carta de Paulo a Timóteo. Essa frase “O Prisioneiro do Senhor” é profética em seu significado e explica maravilhosamente o caminho final na soberania do Senhor.

Então, o que temos é:

1. O Instrumento do Testemunho do Senhor em um Lugar de Limitação pela Vontade de Deus.

À medida que lemos os registos dos incidentes que conduziram Paulo à Roma como um prisioneiro, em especial observando as palavras de Agripa: “Este homem bem podia ser solto, se não tivesse apelado para César” [At 26:32], logo percebemos que houveram erros e acidentes. Esses erros impediram situações mais propícias à amplificação do ministério do Apóstolo. Devem ter havido momentos de estresse e Paulo pode ter sido tentado a imaginar que foi impulsivo em apelar para o Imperador. Mas, seguindo em frente, e recebendo luz do Senhor de tempos em tempos, se tornou claro para ele que independente daquilo tudo ter sido construído humanamente, ainda assim tudo estava debaixo o governo soberano do Senhor. Ele estava na prisão, mas não era prisioneiro do Imperador, era um prisioneiro do Senhor.

Talvez Paulo não tenha aceitado isso de uma vez. Possivelmente não percebeu como tudo isso iria funcionar. Um julgamento mais ou menos rápido pode ter sido sua expectativa. Uma esperança de um ministério entre os santos tão amados parece ausente em suas cartas (houve provavelmente um curto período de liberdade da primeira prisão). Com o passar do tempo, entretanto, ele aceitou plenamente o que estava ficando cada vez mais claro como o caminho do Senhor, e ele começou a acreditar que o que estava acontecendo com ele era pelos interesses do Corpo de Cristo. Por isso, vemos que quando chega a hora do povo de Deus ser trazido face a face a suprema revelação de Jesus Cristo, à assuntos mais elevados e relacionados com o propósito de Deus muito além da salvação, encontramos a presença de uma limitação, um estreitamento. Muita atividade já aconteceu, e tudo objetivava trazer as coisas a uma certa posição, e agora parece que o progresso cessou e algo mais intensivo se faz necessário.

Isso é o que representa o testemunho em sua plenitude e em uma mais próxima aproximação do supremo propósito de Deus. Deve haver uma poda de muitas coisas que eram boas, necessárias e que vieram de Deus de uma forma preparatória, mas que devem ser descontinuadas diante daquilo que é supremo. O cativeiro não é uma verdade oculta, tampouco uma doutrina amplamente aceita. Ele é gravado na fibra da pessoa pela experiência que segue a revelação, e essa revelação será interpretada pela experiência. Não se trata da defesa de uma interpretação: mas a revelação torna-se a verdadeira vida desses instrumentos usados por Deus, e o instrumento se torna-se na revelação que está no seu interior. Não é uma questão de querer ou não querer ser alguma coisa, mas é o fato de não poder ser diferente, é ser um prisioneiro, sabendo que foi a soberania de Deus que fez isto.

2. A Importância e o Valor de Ver e Aceitar as Coisas na Luz de Deus.

Isso se aplica tanto a Paulo como àqueles que foram trazidos a um contato com ele. O fato do apóstolo aceitar a soberana ordenação de Deus ao aprisiona-lo gerou um acréscimo de iluminação, que acarretou em uma emancipação espiritual.

Ninguém pode falhar em reconhecer o tremendo enriquecimento do ministério contido nas chamadas “Epístolas de Prisão”. Se ele tivesse reagido com impaciência, melindre, rebeldia, ou até amargura diante das circunstâncias, não teria recebido o céu aberto. O espírito de controvérsia com o Senhor teria fechado e trancado as portas para o mais completo esclarecimento e revelação das verdades Divinas.

Quando tudo aquilo foi aceito de acordo com o propósito de Deus, os eternos e vastos “lugares celestiais” se tornaram no ambiente de sua caminhada, e os grilhões terrenos cederam lugar à liberdade celestial. Isso deve acontecer com cada instrumento que é separado para ministrar algo relacionado aos mais elevados interesses do testemunho do Senhor. Se lermos certas passagens de suas cartas onde encontramos o registro do seu aprisionamento, veremos que ele impactou não só a vida de Paulo, mas também a de outros. Veja os textos a seguir:

“Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu” (2Tm 1:8).

“Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que alugara, onde recebia todos que o procuravam... ensinava as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28:30,31).

“Conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente até me encontrar” (2Tm 1:16,17).

Certamente vemos nessas passagens que ocorreu uma apreensão Divina e não meramente humana da posição de Paulo. Uma mentalidade humana teria gerado uma atmosfera de dúvida, suspeita, questionamento, e haveria a imputação de elementos falsos. Considerando linhas naturais, associar-se com um prisioneiro seria se colocar em posição de suspeita e preconceito. Dúvidas eram amplamente vinculadas em relação ao servo do Senhor e até mesmo entre o povo do Senhor haviam pessoas que não estavam seguras em relação a ele. Mas o Senhor estava aprisionando esse canal vital de revelação. Para aqueles que estavam em real necessidade espiritual e que precisavam permanecer em uma viva relação com o pleno testemunho de identificação com Cristo em Sua morte e ressurreição, com uma vida de união no trono com Ele, capacitados com poder sobre “Principados, potestades”, focados em um ministério “nas eras que viriam”, seria necessário colocar de lado todas essas considerações pessoais, humanas e diplomáticas, assumindo uma posição ao lado desse instrumento de Deus colocado em honorável aprisionamento. Para a possuir aquilo que é dado ao vaso, é necessário aproximar-se dele onde se encontra, desconsiderando sua própria reputação, influência ou popularidade.

É nesse caminho que o Senhor peneira Seu povo e identifica quem está plenamente comprometido com Ele e Seu testemunho e quem está agindo motivado por outras considerações e interesses. O instrumento nesta posição de rejeição popular é um dos meios do Senhor para peneirar seus servos, então Ele suprirá a necessidade.

A outra verdade que permanece então, é que:

3. Vergonha, Reprovação e Limitação são Frequentemente Caminhos de Deus para Enriquecimento de todo o Corpo de Cristo.

Sempre foi assim. A aproximação da plenitude da revelação sempre foi acompanhada por um relativo preço. Cada instrumento desse testemunho tem sido colocado sob suspeita e reprovação em uma medida relacionada ao grau do seu valor para o Senhor. Isso significa que, humanamente, eles foram limitados na extensão de sua influência. Muitos se retiraram, caíram, se mantiveram à distância, duvidaram, temeram e questionaram. Assim como Paulo afirmou: “minhas tribulações por vós, pois nisso está a vossa glória” (Ef 3:13), ou “o prisioneiro de Cristo Jesus, por amor de vós, gentios” (Ef 3:1), assim também a medida da limitação no Senhor será a medida do enriquecimento do povo do Senhor. Maior a revelação, menos serão os que a compreendem, e ainda maior será o número de pessoas que se mantém à distância. Revelação é dada apenas por meio de sofrimento e limitação, e passar por essa experiência representa participar desse preço, de alguma maneira. Mas esse é o caminho de Deus para assegurar Sua sementeira.

Em uma sementeira tudo que acontece é muito intensivo. As coisas são reduzidas à dimensões muito limitadas, não temos ali uma demonstração extensiva, as coisas são consideradas primeiramente à luz da semente. Ali, o sentido real das coisas não é sempre percebido, mas é possível viajar pelo mundo e encontrar muitos jardins que são a expressão daquela sementeira intensiva e restrita. Se já houve uma sementeira, foi a prisão de Paulo em Roma.

Tudo isso pode ser aplicado em relação ao testemunho do Senhor em nossas vidas. Pode ocorrer com frequência um desgaste contra a limitação, confinamento, e um anseio inquieto em busca do que poderíamos chamar de algo mais amplo, menos restrito. Se o Senhor desejou nos colocar onde estamos, nossa aceitação disso pela fé vai permitir que isso se torne muito maior do que qualquer mente humana poderia julgar. Fico imaginando se Paulo tinha ideia que sua prisão significaria sua contínua expansão de valor para o Senhor Jesus ao longo de novecentos anos... O que se aplica a indivíduos também se aplica a grupos de irmãos, assembleias, grupos do povo do Senhor espalhados pela terra, mas em unidade na sua comunhão em relação ao testemunho pleno do Senhor. Agradou graciosamente ao Senhor derrubar o aspecto meramente humano dessas paredes da prisão, e demonstrar que longe de sermos limitados por homens e circunstâncias, esse aprisionamento é do Senhor e nele poderemos adentrar em todas as eras e todas esferas.


Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.