por
T. Austin-Sparks
Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Jul-Ago 1937, Vol. 15-4. Origem: "Boundless Heavenly Resources". (Traduzido por Maria P. Ewald)
Existem inesgotáveis recursos celestiais a nossa disposição quando estamos em união com Cristo, e estes podem ser usados para nossa vida, serviço, ministério ou vocação celestial. Esse é o grande segredo da força. Temos visto um pouco do que são esses recursos e como eles operam. Também vimos o seu valor para o espírito, alma, corpo, mente, coração e vontade. Não somos comissionados pelo Senhor às nossas próprias custas, mas é Ele quem comissiona e dá dos Seus próprios recursos através dos Seus comissionados.
Tudo isso significa, então, que devemos habitar no céu assim como fez o Senhor. Isso pode ser expresso por meio de diversos versículos das Escrituras, como por exemplo, “andando no Espírito e não na carne”; “combater pelo Espírito e não na carne”; ou de novo, que “as armas da nossa milícia não são carnais, mas espirituais”. Esses são os únicos meios de definir o que significa permanecer nas regiões celestiais e não viver como que na terra. Isso quer dizer que não devemos permitir dependência de meios terrenos, métodos mundanos e nunca tomar a nós mesmos como somos, como se isso fosse o fim. Para Cristo os céus governavam de maneira plena e completa, e assim deve ser conosco. O governo dos céus deve decidir quando algo deve ser realizado, e se podemos ir em frente. As coisas que se veem pelas aparências e o que sentimos nunca deve ser base para nossas decisões. É uma coisa grande e uma fonte de tremenda foça chegar à mesma posição que Cristo chegou como Homem. Nessa posição sabemos que existem ilimitados recursos celestiais à nossa disposição. Eu acredito que chegamos lá progressivamente, não instantaneamente. Apenas chegamos a esse ponto pelo caminho da disciplina, e essa disciplina nos conduz a uma completa dependência. Isso não é apenas um esvaziar e quebrar como se essa fosse a principal finalidade, mas é algo realizado pela graça de Deus, e essa graça de Deus opera quando estamos vazios, fazendo que Sua plenitude abunde. Existe algo positivo além do negativo. Deus não age como se o que é negativo fosse seu objetivo principal, mas quando Ele quebra, esvazia, faz algo positivo que nos leva a nos maravilharmos. Sempre acabamos dizendo: ‘Bem, foi o Senhor, e não nós mesmos’. Nós chegamos progressivamente, através do caminho da disciplina, ao entendimento que existem recursos celestiais que ultrapassam de longe nossas possibilidades humanas, e que esses recursos estão operando. O Senhor nos conduz adiante com o objetivo de tornar isso real e manifesto a nós de forma ativa. Então, talvez, nos leve a um lugar onde teremos que tomar uma posição nesse sentido, para que não tomemos isso como garantido.
É possível, e algumas vezes é verdade, que depois de uma experiência com a bondade de Deus no caminho, nos assentamos, por assim dizer, em uma cadeira e dizemos: ‘Ele será gracioso assim de novo! Não temos que nos incomodar, nem nos preocupar, o Senhor vai entrar em cena! Estamos tão vazios, e não podemos responder à demanda por nós mesmos; o Senhor o fará!’ Então nos tornamos passivos. Se o Senhor tem agido assim conosco, Ele não o fez para nos colocar de lado, Ele não nos tira de uma poltrona e trabalha através de nós como meros autômatos! Ele trabalha em nós, portanto, a fim de nos ensinar uma lição, Ele nos chama para um exercício definido de fé em relação a Ele. Então, enquanto a verdade nos afirma que não sou eu, mas Cristo, essa é apenas parte da frase. Temos que ter em mente o que segue: “o viver que agora tenho na carne eu vivo pela fé no Filho de Deus...” Essa é a outra metade da frase. “Eu vivo; e não mais eu vivo, mas Cristo vive em mim: e essa vida que eu vivo hoje... eu vivo pela fé, a fé que está no Filho de Deus...” Esse é o lado ativo de viver pela Sua vida. Paulo acrescenta a segunda parte para salvaguardar sua afirmação. Apesar de não cairmos conscientemente nesse erro que ele estava resguardando, como algo formulado, ainda assim podemos cair no erro em si. Paulo estava se resguardando do panteísmo. Os Gregos eram muito abertos à ideia do panteísmo, e eles iriam apoderar-se dessa palavra “... não mais eu, mas Cristo...” e dizer: ‘Bem, então o caso é que nosso ser vai se incorporar pelo grande Divino, perdendo nossa personalidade e identidade, perdendo-se em um grande todo, de modo que qualquer caráter distintivo será perdido’. Assim é o panteísmo. Esses Gregos podem ter recebido as palavras de Paulo à luz do panteísmo e dito: ‘Oh! Isso dá suporte as nossas ideias’. Então Paulo cobriu essa afirmação e a protegeu, e a livrou da falsa concepção. “Eu vivo pela fé no Filho de Deus. Eu ainda retenho minha identidade! Eu ainda mantenho minha personalidade”. Essa vida de união com Cristo é uma união de fé, não um mesclar de substância.
Nós podemos não cair nesse erro conhecido, mas podemos cair no principio e nos tornar mais passivos, pensado que é o Senhor que tem que fazer tudo, e que temos pouco ou nenhum lugar nas coisas. Nós temos um lugar, e esse lugar é o definido exercício da fé em relação a Cristo e aos recursos celestiais.
Isso então é o que constitui a espiritualidade. É isso que nos traz a uma vida de serviço espiritual. É buscando dos recursos celestiais, vivendo a nossa vida no céu, vivendo como que do céu. Isso é espiritualidade. Isso constitui uma vida e caminhada espiritual. Os recursos não são extraídos do eu ou do mundo, mas daquilo que vem do alto. Tudo é tão completamente do alto, e nada vem do homem. Então a vida ou trabalho se torna espiritual como uma consequência. Algumas pessoas parecem pensar que espiritualidade é algo místico ou um “algo” mítico; que essa espiritualidade é algo remoto e fora da realidade, um tipo de estado de espírito. Em primeiro lugar, espiritualidade certamente não é um estado de espírito. Nós falamos de um espírito calmo e celestial, e pode haver até algo assim como um fruto da espiritualidade, mas ela não é uma coisa nebulosa, abstrata e mítica. Espiritualidade é algo extremamente prático. Quando um homem ou mulher são chamados por Deus para uma porção do ministério Divino e diante da Sua demanda estão conscientes até o último grau que eles não tem habilidade, recursos e poder para cumprir esse ministério, sabendo que por eles mesmos aquilo é completamente impossível, e que eles serem capazes de realizar isso seria um grande absurdo e tolice, nessas circunstâncias eles reconhecem que estão vivendo em Cristo em Quem todos os recursos são mais do que suficientes para ir de encontro com a demanda, então pela fé se apoiam nEle, e vão em frente no ministério com essa consciência – isso é espiritualidade. Isso é prático, tremendamente prático. A questão se torna prática. É nesse caminho celestial que as coisas são realizadas, e essas são as coisas que não podem ser abaladas.
A espiritualidade de Cristo não significava que Ele estivesse afastado daquilo que era prático no Seu dia a dia. O que acontecia é que Ele trazia forças e recursos do céu para levar adiante as atividades práticas da sua rotina diária. Você pode lavar portas, roupas ou limpar o chão, pode fazer muitas outras atividades domésticas comuns, em espiritualidade. As pessoas parecem pensar que a obra espiritual e o trabalho comum, como o cuidado com a casa, são coisas diferentes. Eles falam do trabalho espiritual e do outro trabalho. Mas você pode trazer recursos celestiais para fazer qualquer coisa legítima, e em fazer essas coisas pode dar um testemunho. A maioria das pessoas não tem oportunidade de liberar recursos celestiais em um ministério de púlpito. Para a maioria, a grande parte do trabalho é algo comum, diário, e muitas vezes essas pessoas se sentem completamente incapazes para isso. Então eles são tentados a pensar que se tivessem um ministério espiritual para cumprir, se tivessem que ir e fazer uma reunião, ou falar com algumas almas sobre assuntos espirituais, então eles poderiam clamar ao Senhor por ajuda e Ele os conduziria. Quando estamos falando de atividades triviais dificilmente esse pensamento vem à luz. Mas exatamente os mesmos recursos disponíveis para o que chamamos obra espiritual são disponibilizados para o trabalho comum. Tudo tem que ser feito em uma base espiritual, e então será um testemunho. Levar adiante o trabalho comum do dia a dia muitas vezes requer mais do que nossos simples recursos naturais. Espiritualidade consiste em fazer tudo como que saindo do céu. Sejamos cuidadosos em estabelecer uma linha, não devemos fazer uma distinção do que é espiritual e “do resto”.
Cristo nunca tomou as coisas como certas. Quero dizer que ele nunca tomou esses recursos celestiais como garantidos. Ele nunca se permitiu pensar que eles iriam operar mecanicamente, independente das condições de Sua parte. Sua vida era de exercício em relação a eles. Antes dEle escolher Seus discípulos, Ele passou uma noite em oração. Acho que é certo dizer que as duas coisas estavam de certa forma relacionadas. Falado dessa ocasião depois, Ele disse “Eu conheço aqueles que escolhi” (Jo 13:18). Isso foi dito dentro do contexto de Ele ter escolhido deliberadamente o Seu traidor, Judas. Para fazer isso acertadamente Ele demandou do governo, da ajuda e da certeza Divinas, tanto quanto com a como Sua escolha dos demais. À luz do repetido fracasso e falha desses homens, daquela cena final diante da Cruz onde todos eles o abandonaram e fugiram, onde tudo parecia perdido, teria Cristo cometido um erro? Existe certamente lugar para nosso protesto: ‘Bem, Senhor, Você poderia ter feito melhor se tivesse escolhido outro grupo de homens’; ‘Você cometeu um erro na escolha deles!’ A resposta dEle para isso seria: “Eu conheço aqueles que escolhi”.
A escolha foi governada por uma noite de oração. Ele certamente encontrou necessidade de orar. Não acho que é correto dizer que a oração para Ele era apenas um caso de se distanciar e ter uma conversa tranquila com o Pai, no sentido de comunhão. Eu acho que era uma necessidade; eu acho que Ele precisava disso. Acredito que oração era uma avenida para a obtenção de recursos, e sendo assim, Sua vida de oração, sendo forte como ela era, nos deixa perfeitamente claro que Ele não tomava nada como certo no que dizia respeito aos recursos Divinos. Apenas em certa base Ele poderia ter a certeza da ajuda do Seu Pai, e essa base era permanecer exercitado em relação a esses recursos celestiais. Nós devemos ter cuidado para não cair em uma armadilha nesse mesmo ponto. Enquanto que esses mesmos recursos estão à nossa disposição, são nossos em Cristo, e devem ser expressos em nossas vidas; e é verdade que a soberania de Deus assegura que eles estejam à nossa disposição, esses recursos não serão ministrados a nós, independentemente das condições encontradas de nossa parte. Não podemos presumir isso. Não podemos tomar isso como certo. Não podemos negligenciar a oração. Se a negligenciarmos, perceberemos que os recursos não serão disponibilizados, mas que a fraqueza, perda e necessidade sobrevirão. O Senhor Jesus deve ser nosso padrão nesse assunto. Então, isso é apenas um breve sumário da questão relacionada aos Seus recursos e os nossos, quando estamos unidos a Ele na vida de ressurreição.
Eu desejo acrescentar mais uma palavra com referência ao fato que tudo isso está por trás do propósito da vida do Senhor. Temos duas coisas a dizer relacionadas a isso. Uma delas é que existia uma força secreta destinada a Ele que se apoiava no fato do propósito Divino, na vocação celestial. Jesus sabia que estava na terra para um propósito de tremendo significado, e baseado nesse fato Ele tinha que chegar a esse propósito. Tudo estava atrelado ao fato dEle estar aqui, e dali Ele buscou Sua grande força. O outro ponto é que esses recursos de que estamos falando eram definidamente relacionados ao um propósito, e essa força derivada deles iria falhar se Ele se encontrasse em qualquer momento fora da linha dele. Essas são duas coisas que vamos explorar mais a frente. Elas tocam a nós muito profundamente em nossa própria experiência, em nossas vidas.
Primeiramente então,
É verdade também que à medida que você lê a história do Senhor aqui na terra, você vai perceber ali as marcas enfáticas do propósito Divino. Leia o Evangelho de João e sublinhe as ocorrências da palavra “enviado”. Você vai encontrar essa palavra no capítulo 4, versículo 34. Você vai passar pelo capítulo 5 e encontrar essa palavra repetida quatro vezes. Ela é encontrada quatro vezes nos capítulos 6, 7 e 8, uma vez no capítulo 9, três vezes no capítulo 12, uma vez nos capítulos 13, 14, 15 e 16. Todas essas vezes ela faz referência a Ele mesmo. Então você encontra a palavra “deu” e seus cognatos em passagens como João 3:16 “Deus amou o mundo de tal maneira que deu...”. Existe um propósito aqui. “Que” aqui governa o dar. De novo, identifique através dos Evangelhos o uso da palavra “vem” com referência ao Seu advento. “O Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” [Lc 19:10]. “Veio” é relacionado a um propósito. “Eu vim para que tenham vida” [Jo 10:10]. Então o Seu uso da palavra “obras” fornece maiores informações desse assunto. “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia” [Jo 9:4]; “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” [Jo 5:17]. Elas estão atreladas a algo específico, definido. Ele veio com um proposito. Existe uma total ausência de fatos meramente incidentais em Sua vida. A imortalidade de Cristo não deve ser vista em meros termos da realização de uma obra que outros poderiam continuar, e que no final veríamos algo através das massas. Nesse sentido o propósito da Sua vida era claro, único e Ele e Sua obra assim permanecerão para sempre. Ele não estava aqui apenas para iniciar um movimento que deveria continuar depois que Ele partisse e fosse esquecido. Ele não estava aqui para um empreendimento, uma campanha, que outros deveriam levar adiante e assumir. Ele estava aqui para fazer algo que Ele deveria estar pessoalmente associado através do tempo e da eternidade. Ele estava relacionado a um propósito definido, pré-ordenado, indestrutível, claro e completo.
Por causa disso Ele foi chamado no livro dos profetas de Servo de Jeová. Esse título significou que Ele viria para cumprir um propósito. Ele era o Servo de Jeová, o Servo do propósito Divino, e quando você encontra essa esfera de serviço do Senhor Jesus, você encontra tudo com clara precisão. Somos familiarizados com a impressionante nota no Evangelho de Marcos. O Evangelho de Marcos é o evangelho do Servo do Senhor. Sem nenhum detalhe particular do Seu nascimento, Sua infância, o Senhor Jesus é apresentado imediatamente como um Servo. A linguagem é precisa. Precisão caracteriza tudo no Evangelho de Marcos. “Imediatamente”, por exemplo, é usado 19 vezes [na versão KJV em inglês]. Essa é a característica de um verdadeiro servo. O Servo do Senhor está aqui a trabalho, não para brincar, não pelos seus interesses, para sua diversão; Ele está aqui com um propósito, e para isso Ele foi dado. Se ele convoca para um relacionamento com Ele é para o serviço – “então eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram” [Mc 1:18]. Tem serviço a ser feito. Esse é o elemento do propósito Divino governando Sua vida. Dessa consciência Ele obteve grande força. Isso representou força para Ele.
Existe uma força poderosa disponível para aqueles que têm a percepção de que as coisas não são incidentais, mas são bem específicas no que diz respeito a nossa permanência aqui na terra. É importante ver que estou relacionado a um eterno propósito, e atentar para o fato de termos sido chamados de acordo com ele. Onde quer que estejamos - depois de ter submetido nossas vidas totalmente ao Senhor e termos buscamos definitivamente fazer Sua vontade - não devemos nos esquecer de que estamos aqui para cumprir um propósito, e por isso não devemos marcar passo, sentar e esperar. Existem muitos dentre o povo do Senhor que estão parados esperando. Eles acham que existe um tipo de hiato, um ponto onde aquilo que é importante não tem influência em suas vidas. Vamos deixar esse pensamento para trás. Existe uma infelicidade nessa mentalidade. É bem verdade que não chegamos ainda ao ápice do nosso chamado, mas estamos nele de forma relativa hoje, e nunca chegaremos a ele a não ser que estejamos tirando o máximo proveito das possibilidades que temos no presente. Isso é uma preparação. Se o Senhor viesse a nós e dissesse: Esse tempo presente pode parecer não ser marcado por nada muito especial, mas essa obra é planejada por Mim para te preparar para a grande obra que Eu tenho a fazer. Essa obra vai se desenvolver em determinado ano, e no primeiro dia desse ano Eu vou te mover para uma obra tremenda!’ Então usaríamos verdadeiramente todo esse tempo intermediário para preparação! Mas Deus não nos dá essa informação, e ainda assim é bem verdade que em um determinado momento, de acordo com a ordenação Divina, as nossas vidas podem estar se movendo para algo muito importante. Mas nós não deveríamos ser exercitados diante do Senhor simplesmente por causa de uma obra que possa vir adiante, Ele deve nos ter exercitados diante Dele para Si mesmo. É tão fácil ver as pessoas tão engajadas quando você dá um trabalho definido a elas, mas tantas vezes, sem isso, não existe uma iniciativa espiritual nelas que tome essa atitude: ‘Bem, pode ser que Deus tenha algo em mãos! Eu não sei, mas eu vou usar esse tempo para Ele, para que esteja preparado se Ele chamar’. Se tivéssemos essa atitude, reconhecendo que independente da situação estamos atrelados ao propósito de Deus, e se isso se aplicasse a nós de todo o coração, iríamos descobrir que o propósito de Deus já está presente! Existe algo relativo dentro de nossa posição presente que está relacionado ao Propósito de Deus, e se tomarmos essa linha, essa atitude, vamos encontrar força pela definição de nosso objetivo. Onde não há visão o povo se corrompe. Isso é outra maneira de dizer que se perdermos o senso de propósito, perdemos nossa força.
Nada destrói tanto a nossa força do que perder o senso de propósito. Nada nos desanima mais do que a perda do sentido de um propósito definido. Se o inimigo consegue nos fazer sentir que nos confundimos com nosso chamado, nossa vida, nossa obra, e se ele nos levar a acreditar que o Senhor não tem algo específico para nós, que tudo é um engano, que Ele nunca pensou assim, então o inimigo nos destrói, ficamos fracos, impotentes, desmoralizados, incapazes de nos erguer diante de qualquer coisa. Isso é algo que devemos evitar. Nós somos chamados de acordo com Seu propósito. Precisamos estar atentos com esse hábito pernicioso de esperar por um “amanhã” que nunca chega. Oh, está chegando! Mas não chega, e nossas mentes ficam fixas em um chamado que é futuro – talvez na próxima semana! Talvez daqui a um mês! Talvez daqui a dois meses! Talvez no próximo ano! Devemos ser cuidadosos. O Diabo desperdiça nossas vidas. Hoje é o dia que devemos conhecer o Senhor o máximo que pudermos, e o crescimento na medida desse conhecimento é nosso equipamento para um serviço maior amanhã. O Senhor Jesus se moveu dia a dia de uma maneira muito definida porque Ele estava consciente que tinha um grande propósito atrelado a Sua vida e não desperdiçou nem um dia. “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia...” “hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei”. A lei da Sua vida foi viver o dia a dia com cada medida, e cada dia atrelado ao grande propósito de Deus. Existe força nessa atitude.
No primeiro livro de Crônicas, no capítulo 17, temos a palavra de Deus entregue a Davi através do profeta com referência aquilo que Ele iria fazer tanto através dele como de seus descendentes. Nos versículos 7 e 8, o Senhor disse:
“Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Tomei-te da malhada e de detrás das ovelhas, para que fosses príncipe sobre o meu povo de Israel. E fui contigo, por onde quer que andaste, eliminei os teus inimigos de diante de ti e fiz grande o teu nome, como só os grandes têm na terra.”
Outras promessas seguem: “abati todos os teus inimigos..”, “...o Senhor te edificaria uma casa”, “farei levantar depois de ti o teu descendente”, “eu lhe serei por pai”; “a minha misericórdia não apartarei dele”. O Senhor trouxe a certeza de um propósito para a vida de Davi. Ele mostrou a Davi o propósito Divino que governou toda a sua vida. Ele viu que o Senhor estava atrelado e relacionado a ela. Então podemos enfatizar como o capítulo 18 está diretamente relacionado com o capítulo 17:1-2. Davi está agora de pé, com grande energia. O que aconteceu? O senso de o propósito Divino estar marcando sua vida o invadiu, e como consequência ele é um homem fortalecido. Todos esses inimigos existiam antes, mais estavam inteiros, não estavam destruídos. Imediatamente Davi se tornou consciente que sua vida não era algo casual, mas que estava atrelada ao propósito soberano de Deus, e então ele se tornou um homem cheio de força para o combate. Existe uma grande força derivada do senso de propósito em nossa vida, o Divino propósito. O próprio Senhor obteve força disso.
No que diz respeito a nossa união com o Cristo ressurreto, temos muito do que nos assegurar em relação a esse Propósito, e estamos ligados a ele. “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” [Jo 20:21]. Aqui de novo a palavra “enviou”. Ocuparia muito do nosso tempo juntar todas as evidências que temos de que todos os que estão relacionados de forma viva com o Senhor ressurreto são trazidos a um eterno propósito, mesmo que por meio de caminhos diferentes, diversas esferas e linhas. Oh, se o Senhor nos trouxesse ao lugar onde pudéssemos perceber que não estamos vivendo nossa vida de maneira geral como Cristãos, para então estar na glória com o Senhor, mas que existe um tremendo propósito do qual fazemos parte. Existe um mistério no propósito. Não podemos sempre entender como o Senhor obtém Seu propósito, mas de alguma maneira Ele faz isso em nossas vidas. Esse é o fato do propósito.
Outro ponto é que o serviço era fruto de recursos espirituais. Isso quer dizer, não era algo apenas oficial. Era oficial; Cristo foi escolhido e indicado para uma obra. Nesse sentido Ele foi eleito; Ele tinha uma função, e nela Ele estava cumprindo um fim indicado, ordenado por Deus. Sua obra específica ninguém mais poderia fazer. Mas não era algo meramente oficial, ou apenas oficial. Ele não cumpriu tudo porque simplesmente foi Aquele enviado para esse serviço específico e tudo que o envolvia. Apesar de Jesus ter sido chamado e indicado o Servo de Jeová, Seu serviços era o resultado de recursos divinos e não algo meramente indicado oficialmente. Os dois andam juntos, devem ser mantidos juntos. Um não pode ser obtido sem o outro. O que era oficial nunca foi além do espiritual. Não poderia ser assim. O Senhor Jesus nunca teria cumprido Seu propósito, Sua função, se não fossem pelos recursos espirituais. Era exatamente aí que os discípulos em sua ignorância corriam perigo.
Nós podemos nos lembrar da ocasião quando o Senhor estava no monte e um homem trouxe seu filho em um estado opressivo. O diabo tinha encontrado um bom ponto de apoio em sua vida. O homem primeiramente trouxe seu filho aos discípulos que foram deixados ao pé do monte, e eles tentaram expulsar o demônio. A narrativa sugere que eles tentaram, mas falharam. Então o Senhor desceu e o homem trouxe seu filho a Ele e disse: “Mestre, trouxe-te o meu filho, possesso de um espírito mudo... Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam.” [Mc 9:17,18] E quando eles ficaram sozinho, os discípulos disseram a Ele, “Por que não pudemos nós expulsá-lo?” [Mc 9:28b] Evidentemente eles tentaram e falharam. O Senhor respondeu: “Esta casta não pode sair senão por meio de oração [e jejum]” [vs.29]. Será que eles tentaram expulsá-los como oficiais? Eles eram discípulos; o homem reconheceu que eles eram discípulos de Cristo. Eles tinham uma posição oficial relacionada com Cristo e nessa base oficial eles tentaram fazê-lo, não reconhecendo que essa tarefa deve ser acompanhada de recursos, recursos espirituais. Nenhuma função pode ser cumprida, mesmo quando relacionada a Cristo exceto aquelas que estão baseadas em recursos espirituais. Essa função não pode ir mais longe do que o seu poder espiritual. Se não for, não vai prevalecer. A função não é algo mecânico. Você pode ter sido designado antes da fundação do mundo para alguma função, eleito, e a soberania de Deus pode te indicar dentre as multidões da terra para um propósito, mas você nunca vai cumprir esse propósito se não estiver fundamentado em recursos espirituais; não vai fazer isso mecanicamente, mas deve ser algo governado por um relacionamento com o céu. Existe sempre uma diferença na Palavra de Deus entre faculdade vital e força vital.
Estamos chegando ao fim. Vamos apenas nos referir a duas passagens das Escrituras: Ef 4:7 “E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom de Cristo.”
Note o que significa “o dom de Cristo”! “Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens.” O dom de Cristo! Graça de acordo com esse dom!
Romanos 12:6 “tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada...” Graça de acordo com o dom! Dons de acordo com a graça! Graça dada como um dom, isso é um lado. O outro lado é o dom dado pela graça. Existe um dom Divino distribuído soberanamente entre os membros. Esse pode ser um dos dons mencionados em Romanos 12, ou pode ser outro dom para ajudar, para administrar. Deus te tornou um dom para a Igreja. Se Ele te deu a Igreja (em uma função que é) como um apóstolo, a função é de um apóstolo; se um profeta, a função é de um profeta. Se Deus te deu a Igreja como um dom, você não pode cumprir sua função fora da medida da graça que você recebeu. Isso é o mesmo que dizer, a força vital deve ser de acordo com a força funcional. Deve ser assim. Mas é muito comum que os homens pensem que eles são apóstolos, ou evangelistas, pastores ou mestres, e eles veem as coisas dessa maneira: “Eu sou um evangelista, Sou um pastor, Sou um mestre, Deus me fez assim, esse é o meu dom!” E essas pessoas tentaram cumprir sua função simplesmente porque esse era o dom, e eles descansaram mais no dom do que na graça. É algo muito perigoso se tornar um oficial, e não preservar a força vital, a graça, na proporção dessa função. Assim foi criado o ministério profissional. Para expressar isso de novo de outra forma, o dom é de acordo com a graça.
Como podemos ilustrar bem este ponto? O ponto importante é que as duas coisas devem ser mantidas juntas em igual medida, dom e graça, ou dom e função. Se você separar os dois, se você superavaliar um deles, existe uma anulação completa e não haverá frutos. O que vai acontecer é a falta de equilíbrio e a coisa toda se torna parcial. Por exemplo, imaginando que você vai construir uma usina elétrica: você coloca seus dínamos, sua planta geradora, e a coloca bem próxima a uma cidade. Você gera uma eletricidade tremenda, capaz de iluminar toda a cidade e alimentar todas as suas máquinas, suprindo toda a cidade com luz, mas não tem fios, lâmpadas ou interruptores. Qual é a vantagem disso? Você tem a força vital sem a função vital; uma grande quantidade de poder, mas ele não está relacionado a nada. Ou suponha que você vá rodear uma cidade, colocando fiação da melhor qualidade e fixando os interruptores, se não tiver uma planta geradora, tente ligar os interruptores. O que acontece? Não encontra nenhum resultado. Esse é o caso oposto; você tem a função sem o poder. Mas para que dê certo você tem que ter os dois. Se você exagerar na energia transmitida para os fios e lâmpadas, vai encontrar um desastre. O dom tem que ser ajustado à graça, ser de acordo com ela. Se você separar os dois não terá nada.
Essa pode ser uma ilustração pobre, e pode nos ajudar um pouco, mas temos que nos lembrar que os recursos de Deus devem ser de acordo com o propósito que Ele nos chamou. Não vamos receber mais do que isso. Se nos alongarmos além de nossa medida a força vital não vai acompanhar. Se tentarmos nos colocar em algo que o Senhor nunca nos escolheu, vamos ficar sem recursos. Se tentarmos tomar algo mais do que o dom a nós proporcionado, isso será desastroso. Deus é quem indica, ajusta e organiza o Corpo. Nós nunca devemos tomar por nós mesmos o que devemos fazer pelo Senhor. Isso é algo extremamente desastroso, quando o povo decide por si mesmo o que eles vão fazer pelo Senhor, que tipo de trabalho vão fazer. Isso é algo terrível para um homem, tentar cumprir um ministério de ensino quando Deus o apontou para ser um evangelista. Isso é desastroso. Vamos usar essa ilustração. Deus em sua soberania decidiu qual deve ser nossa função, o que nossos dons são para a Igreja, e temos que agir e permanecer nessa posição, e não tentar nos esticar além da nossa medida. Se fizermos isso, o poder não vai nos acompanhar. Muitos tomam mais para si do que o Senhor ordenou para eles, e acabam demolidos. Expressando isso de outra maneira, se o Senhor nos chamou para algo, então Seus recursos estão disponíveis para que possamos cumprir esse chamado. Os recursos e a graça estarão de acordo com o dom, a força vital para o funcionamento vital. Tudo estará lá. Isso é verdade. Se o Senhor chama, então Seus recursos estarão disponíveis para o cumprimento cabal desse chamado. Mas devemos ser cuidadosos para não fabricarmos para nós mesmos o chamamento ou nomeação.
É aí que a nossa união com o Senhor ressurreto conta. Devemos ser governados pela vida, através da união com o Senhor ressurreto. Pode ser que algumas coisas não estejam claras para você, e você não consegue me acompanhar. Bem, busque do Senhor que Ele te capacite para entender. Nosso ponto é que esses recursos, os recursos celestiais, estão relacionados a um propósito Divino. Os recursos serão enviados à medida que entramos nesse propósito, mantidos dentro da nossa medida, e baseados neles. Eles estão lá para o propósito de Deus. Existe força derivada desses recursos para o propósito, e existe uma força a ser derivada do fato do propósito.
Que o Senhor nos instrua, e nos ensine mais ainda nesse caminho da vida.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.