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Por que os Estranhos Caminhos de Deus?

por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Jan-Fev 1952, Vol. 30-1. Origem: "Why the Strange Ways of God?" (Traduzido por Maria P. Ewald)

“Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda” (At. 26:16)

“Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome.”
(At. 9:15-16)

“...mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.”
(Fp 3:12)

Não é minha intenção falar longamente sobre estas passagens, mas tomar delas algumas coisas que estão implícitas ou incorporadas nelas como princípios. Elas se explicam em uma análise de causa e efeito. “porque por isto te apareci...”(At 26:16) “...pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome.” (At.9:16) “...para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” “Para isto...”; “para esse fim”.

Soberano Propósito Governa nossa Salvação

O primeiro aspecto que é claro é o soberano propósito. O propósito é o aspecto positivo e governante da salvação. É para isto que somos salvos. É claro que não seria completamente certo dizer que, daquilo do que somos salvos é o aspecto negativo da salvação, mas este é o negativo comparado com o outro. Não é “de onde”, mas “para onde” ou “para” que é o lado positivo da salvação. Estagnação não tem lugar mesmo na criação não caída. Deus não apenas criou tudo e colocou o homem no governo e fixou limites para as possibilidades do homem e criação. As potencialidades eram imensas; e quando Adão falhou, ele não apenas perdeu o que era, mas aquilo que viria a ser. É dito que Adão “prefigurava aquele que havia de vir” (Rm.5:14). Figuras são sempre inferiores ao que elas representam. Adão deveria ser mais do que ele foi. Cristo é aquele algo mais – infinitamente mais – e quando Cristo redimiu, Ele não apenas redimiu o que havia antes de Adão pecar, mas também aquilo que Adão nunca possuiu ou herdou, mas que era intencionalmente para ele. Propósito governou a criação, e nós sabemos que, como parte do evangelho, o propósito de Deus foi perdido por Adão, e perdido pela raça de Adão. Além disso, o completo propósito de Deus não é nunca possuído e experimentado no momento que nascemos de novo.

Eu disse que estagnação não é uma característica da criação de Deus mesmo entre o que não é caído; mas para alguns o nascer de novo, e começar a conhecer as bênçãos da redenção, e então falhar em reconhecer que eles foram salvos não apenas “de” algo, mas “para” algo imenso, significa que a estagnação se introduziu e eles estão sempre registrando tudo pelo passado; mas entre aqueles que têm apreendido o fato do propósito, eles estão sempre ocupados com o futuro, com algo à frente.

O Soberano propósito, como dizemos, é o fator positivo e governante da salvação. Você pode ter ouvido isto muitas vezes, mas eu desejo enfatizar isto de novo. Talvez você não tenha compreendido ainda. Existem ainda muitos Cristãos que estão apenas satisfeitos por serem Cristãos; eles conhecem Cristo como seu Salvador e estão buscando dia a dia viver como Cristãos; mas eles não estão conscientes de nenhum grande, poderoso, dominante motivo para o soberano propósito de sua salvação. Eles não são trazidos para uma visão alargada e apreensão deste soberano propósito. Estas pequenas afirmações que citamos antes, como “para isto eu fui conquistado...”, “porque por isto te apareci...”, representam pouco ou nada para eles.

Mas para nós, como para Paulo, o Senhor diria, “Não apenas para salvar-te, não apenas para te livrar da perdição, não apenas para que escapes do julgamento apareci a ti, mas Eu tenho uma grande revelação para te dar daquilo para o qual te salvei”. Este é o efeito das Suas palavras para Paulo, e elas são verdadeiras para nós também, e Paulo as deixa claras em suas cartas. Você deve ter certeza de que foi agarrado no seu homem interior por esta consciência, por esse senso de ser apreendido por e para um supremo propósito, para que isto então domine a sua vida – algo que elimina o elemento de tempo, para que você não esteja limitado à ideia de viver apenas uma boa vida Cristã até morrer. Isto tira de cena nossa vida, e nós sabemos bem disso.

Isto é tudo que eu quero dizer sobre o primeiro ponto. Mas eu quero estar certo de que você está realmente agarrado e no controle disto que os primeiros Cristãos sentiram tão fortemente e que os Apóstolos (especialmente Paulo) sentiram dores para trazer à Igreja. O Soberano Propósito governa todas as atividades de Deus na vida de cada um dos Seus filhos, e o sentido e fato do propósito, relacionado à nossa salvação, e acima de tudo relacionado à parte central de nossa salvação, o aspecto positivo.

Os Caminhos de Deus determinados pelo Seu Propósito

Então, com certeza, seguem-se naturalmente os caminhos soberanos de Deus conosco relacionados ao Seu soberano propósito. A única coisa que eu vou dizer agora sobre isto é que, os caminhos de Deus conosco serão, e devem ser consistentes com o Seu soberano propósito. Neste ponto devemos ser realmente inteligentes e vivos. Nós devemos olhar e ver como nossos caminhos correspondem ao propósito de Deus e estão sob o Seu controle soberano. É parte de nossa educação, e de gratificação para o nosso coração quando somos capazes de discernir isto, observar como nossa experiência e nossa história correspondem ao objetivo de Deus e com os princípios que governam o Seu propósito. De tempo em tempo será bom para nós que possamos estar firmes e dizer, “Agora, isto é o que é revelado como propósito de Deus, e somos chamados de acordo com este propósito. Pode minha experiência espiritual e história me dar a segurança interior de que Deus está tomando o único caminho pelo qual o seu propósito pode ser cumprido?”

O que queremos dizer com isto? Vamos citar um ponto ou dois que podem ilustrar isto. Aqui vamos descortinar algo muito vasto, e nós não podemos apenas parar e olhar a isto desde fora.

O Propósito – A Expressão de um Testemunho

(a) Vida no meio da Morte

“O Testemunho de Jesus” é uma frase que abrange um grande volume de coisas no livro de Apocalipse. De fato, ela abrange toda a Bíblia. Agora supondo, como argumento, que o objeto do chamado da Igreja é o testemunho da vida Divina. (Isto não é suposição, mas uma realidade. “Nele, estava a vida” (João 1:4) “Eu vim para que tenham vida” (João 10:10): este é o testemunho de Jesus). Supondo então que o testemunho de Jesus é o testemunho da vida Divina: o que é necessário para que nossa experiência e história possam corresponder com o propósito Divino? É necessário que sejamos colocados em um ambiente onde somos assaltados continuamente pela morte. A vida se torna algo muito real quando a morte está ao nosso redor e muito ativa. Então, se o propósito é a manifestação da vida Divina, então aqueles que são chamados de acordo com aquele propósito devem ter uma história de conflito com a morte. Isto é simples e óbvio. Se, então, você e eu tivermos esta história e experiência, podemos recuar e dizer, “Oh, está tudo errado! Como poderemos sair dessa situação?” Mas deveríamos, no entanto, dizer, “Isto está de acordo com o objetivo em vista, existe consistência entre os caminhos de Deus e nossa experiência.”

O mistério da vida é uma das características supremas, se não a característica suprema, de todo o registro das Escrituras. Eu não estou tentando lidar com isto exaustivamente aqui, mas apenas trazer um ponto que imediatamente diz respeito a nós. Qual é o mistério de Cristo? Muitos homens além de Jesus Cristo foram criados em Nazaré. Coloque todos em fila. Você pode discriminar entre eles algo além de suas feições naturais? Não. E ainda existe uma diferença entre Jesus e o resto. Qual é a diferença? Apesar de exteriormente Ele parecer com o resto, existe um mistério relacionado a Ele, existe algo lá, Ele não é igual. As pessoas tentaram lidar com Ele como lidaram com outros homens, mas eles descobriram que estavam lidando com alguém único, em quem havia algo diferente. “O mistério de Cristo” (Ef.3:4), quem Cristo realmente era!

O mistério da vida. “Chamados de acordo com seu propósito.” Supondo então que a Igreja deve ser a manifestação da vida, e testemunho da vida Divina, então a Igreja será colocada por toda a história em cenários de morte, com as forças da morte enfurecidas contra ela.

(b) Luz no meio das Trevas

O mesmo se aplica à luz. “Eu sou a luz do mundo” (João 8:12). Mas não havia um brilho sobre Ele, nenhuma auréola ao redor de sua cabeça, nada exterior que dissesse ao homem, “Esta é a luz do mundo”. Mas a vital união com Ele pelo Espírito posteriormente significou que estes nesta união tinham uma grande iluminação nos seus espíritos. Neste sentido, não fisicamente, eles se tornaram luminares para aqueles que estivessem buscando a luz. Existia um mistério relacionado a isto. Ninguém poderia discernir isto exceto de maneira espiritual. Digamos então que o chamado é este – manifestar a luz. Então devemos ser colocados nas trevas uma vez e outra vez para que haja um testemunho.

“...este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome.” Ele deve sofrer para que este nome possa surgir com toda a glória. A causa de tudo é ser achado no chamado e eleição, e o efeito do chamado é o de ser visto em sofrimento, um cenário que traz à luz a realidade deste chamado. “...para este fim...” Você tem essa convicção? Então observe à medida que você me acompanha e veja se os caminhos do Senhor com você não estão perfeitamente consistentes com aquilo com o qual Ele busca.

(c) O Celestial no Mundo

Você diz que um princípio da vida da Igreja é aquilo que é celestial, não mundano, desapegado deste mundo espiritualmente. Muito bem, a Igreja e os indivíduos nela serão frequentemente encontrados em uma posição onde, se o céu não intervier por eles, tudo aqui chegará ao fim, e você não terá este mundo do seu lado com seu favor e aplauso. Você vai começar a resmungar e dizer que está tendo dificuldades? A verdade é que sua experiência é consistente com os princípios do seu chamado.

É de grande ajuda fazer uma sugestão. Quando você sente que deve desistir porque o caminho está muito duro e muito difícil, ou você se sente tentado a pensar que tudo está errado e não deve ser assim, apenas se pergunte – “Afinal de contas, este caminho não demonstra perfeita consistência de Deus com os Seus Divinos princípios e com o objetivo em vista para o qual Ele nos chamou?” Então muitas vezes teremos que dizer, “Afinal de contas, a consistência é patente; Ele não pode fazer isto de outra maneira; este é o único caminho.”


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